domingo, 30 de julho de 2006

Strogonoff de frango au Xavier™

Se algum amigo dos velhos tempos ler este post, relaxe. Os anos de chumbo não estão de volta. De fato, o tio era criança na época da ditadura e cantou "As praias do Brasil ensolaradas, la la la la..." da forma mais ingênua e pueril imaginável. O tio lia jornais mas não entendia nada do porquê de as receitas culinárias saírem no meio das páginas. Muito menos sacava de diagramação e paginação para perceber isso. Se você não entendeu, vai estudar História do Brasil, seu burro!

Hoje o tio Xavier™ vai lançar mão de seus conhecimentos culinários e partilhar com os leitores uma receitinha de baixo custo e de dar água na boca: Strogonoff de frango au Xavier™.

Ingredientes:

1 Kg de filé de frango, sem pele, sem osso, cortado em cubos pequenos
1 Caixinha (200g) de creme de leite
1 Caixinha (520g) de polpa de tomate
200g de champignon miúdo. Se for graúdo, fatie seu preguiçoso!
1 cubo de caldo de galinha (ou sachê, se for em pó)
10 ml de conhaque (mais abaixo eu explico)
1 pitada de sal
1 pitada de pimenta-do-reino (preferencialmente a branca)
3 dentes de alho descascados
2 colheres de sopa de óleo de soja

Observações sobre os ingredientes:

Filé de frango: Frango de frigorífico é tudo igual. A diferença é que alguns não vem lá com a toillete muito bem feita, mas você arremata na pia com uma boa lavada e uma faca. Tire aquela membrana fininha que fica depois que extrai a pele, porque é nojenta. O tio Xavier faz esse prato às quartas-feiras no jantar porque o açougue mais próximo faz promoção a R$3,99 o Kg. Não sei se o carregamento é roubado, mas eles emitem cupom fiscal, então dane-se.

Creme de leite: Se você for metido a exigente e pegar a latinha da Nestlé ou da Parmalat que são caras pra cacete, azar seu. A caixinha de 200g da Vigor raramente custa mais de R$1,40. Já cheguei a achar por R$0,99, da marca Italac e era muito bom. Latas (350g) vem com mais de 100ml de soro e são pura enganação pois o soro não se usa. Vai na minha e fique com a caixinha.

Polpa de tomate: As receitas "oficiais" falam de catchup. Mas eu odeio catchup. Usando a polpa, apenas cuidado com a marca. Algumas são mera água suja de vermelho. Se puder comprar uma Parmalat ou Cica (R$2,00), beleza. Se for um duro como eu pode comprar Beira Alta ou Olé que não são tão ruins (R$1,50). Evite as marcas Putzgrila, Tinganei e Only Water.

Champignons: Essas porcarias são compradas de terceiros e apenas envasadas pelas indústrias. Então a regra é simples: se estiverem clarinhos e viçosos são bons. Se estiverem escurecidos e enrugados caia fora. E são caros, viu? Um potinho com 100g (drenado) não sai menos de R$4,00. Um granelzinho no mercado de repente rola (R$2,50/100g), embora eu seja cismado com esses granéis.

Caldo de galinha: Desde a derrubada do muro de Berlim e do oligopólio Maggi-Knorr, muita coisa mudou. Surgiram os caldos em pó como o Sazon e uma série de outros. Não há regra e é quase tudo igual. Só fuja das marcas estranhas, como: Quizumba, Cafofo, Jequié, Timbalada e coisas assim. O resto serve. Sachés em pó são mais práticos do que os cubos.

Conhaque: Se não tiver um Foundador, vai um Domecq mesmo. Mas pelo amor de Deus, nada de Dreher, Palhinha ou Presidente, que deixam o quarteirão inteiro fedendo a alcatrão. Eca! Melhor ficar sem.

Com os demais ingredientes use apenas o bom senso.

Modo de preparo:

Amasse os dentes de alho e passe pelos pedaços de frango. Espalhe o sal, a pimenta do reino (e o caldo de galinha em pó, caso tenha escolhido este). Reserve. Coloque uma panela pra esquentar e despeje o óleo nela (dentro ok?). Se optou pelo caldo de galinha em cubo, bem feito! Fique mexendo pra dissolvê-lo. Em seguida coloque o frango e mexa com uma colher de pau até que o óleo e o caldo de galinha estejam bem espalhados no frango e este esteja aquecido.

Adicione a polpa de tomate, os champignons, misture bem, tampe e abaixe o fogo. Quando levantar fervura, destampe, jogue o conhaque e tampe novamente, deixando cozinhar por uns 20 minutos no máximo ainda em fogo brando.

Desligue o fogo, destampe e despeje o creme de leite, mexendo rapidamente em um só sentido. É importante não ficar mexendo muito e muito menos fazer essa mistura com o fogo aceso se não quiser estragar o creme de leite. Não faça perguntas idiotas e faça como eu mandei, porque sei o que estou dizendo! O Cheff aqui sou eu.

Está pronto! Sirva com arroz branco e batata palha. Se puder, um vinho branco seco cai bem.
O arroz, se você não souber preparar, leia a embalagem que não vou ensinar isso aqui. A batata palha você compra no supermercado ou na venda da esquina. Porra, se vira um pouco!

Rendimento: depende da fome da macacada. Não sendo pedreiros que acabaram de encher uma laje, dá para 6 pessoas civilizadas e sobra um pouquinho pra lamber a panela.

Custo do prato: no máximo, no máximo uns R$20 incluindo o arroz, a batata palha e um vinho de pobre. Se gastar mais que isso é superfaturamento.

Se você não conseguir preparar esse prato fique longe da cozinha ou enterre-se vivo.

Se quiser algo mais barato vai naqueles restaurantes "Bom Prato" do Governo do Estado. Mas tem fila pra cacete, só funciona na hora do almoço e não servem strogonoff.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Downgrade

O Tio Xavier estava com um aparelho celular há uns dois anos e meio ou mais. Era um Mortorola C350. Não seria nada demais se essas merdas não fossem projetadas dentro da cultura da descartabilidade. O meu até que foi um bravo. Comprado com uma porcaria de bônus - míseros R$300 - oferecido pela operadora, o dito não tinha lá nenhuma sofisticação. Já estava remontado com a segunda carcaça - que também já estava toda arranhada - e havia convivido com três diferentes fones de ouvido externos, tudo obviamente comprado no camelô. Mas com ele, além de ter feito milhares de chamadas eu ainda conectava meu notebook à internet pelo serviços GPRS, quando viajava à trabalho. Chegou a cair em uma enxurrada e saiu incólume, sem receber nenhum cuidado especial. E, em se tratando de um Mortorola, foi uma grande coisa ele não ter explodido no meu bolso. Não sabia? Leia isto.

Contudo os seus dias estavam no fim. O microfone embutido pifou e não era possível mais usá-lo sem o externo, a bateria não durava mais que um dia e ele dava "boot" do nada, espontaneamente. Usei-o com o fone externo por um tempo ainda. Mas nos últimos dias ele deu ainda de rediscar para o último número chamado e derrubar as ligações sem nenhum motivo aparente. It´s over. Em um raro momento de raiva pelo mau funcionamento e após protagonizar cenas dignas de Pulp Fiction com o celular esta tarde, olhei para as suas partes espalhadas pelo chão e percebi que não tinha mais volta. Precisava de vez providenciar outro. Do que sobrou, eu pus o chip no bolso (como eu amo essa tecnologia de chip!). Ao sair do escritório, no final do expediente, segui instintivamente para as Casas Pernambucanas do bairro, onde costumo ver plaquinhas com ofertas irrecusáveis. Lá chegando, encosto no balcão e disparo a pergunta pro vendedor:
- Amigão, qual é o telefone de chip mais barato?
- Olha, esse aqui tem câmera fotográfica que... - interrompo - .
- Ok, mas qual é o mais barato de todos?
- Esse aqui toca mp3... - corto o cara de novo - .
- Tá, mas não é o mais barato, certo?
- Mas é muito bom esse, viu? E já vem com um chip de pré-pago.
- Eu já tenho chip pós-pago, mano. Me diz só qual é o mais barato e eu compro.
- Tem esse aqui - e mostra um que não tinha cara de barato - .
- Quanto?
- Quatrocentos e cinqüenta. Mas faz em dez de cinqüenta e cinco, viu?
- Amigo, é a última vez que vou perguntar: Veja se você entende. Qual é o mais barato? Aliás, pela cara, me fala o preço desse aqui do meio.
- Oitenta e cinco. Mas faz em dez vezes de...
- Chega! Separa esse aí e pronto!
- Em dez de nove e noventa?
- Deus me livre!
- Então é à vista?
- Óbvio, né?

Esse gênio das vendas tem título de eleitor também, viu?

Agora, por último alguém me explique: Pra que diabos alguém pode querer câmera, navegador internet, GPS, mp3, tv, freezer, sofá-cama, cd player e o escambau embutidos em um celular?

O achado

Eram 10h15m do dia de hoje. Lá estava o tio Xavier em um cliente, junto com a analista de sistemas dele, aguardando uma reles entrega de etiquetas adesivas, feitas sob encomenda. Sabendo que o projeto tinha urgência, o tio orientou o pessoal da fábrica para que mandasse por SEDEX 10. O serviço dos Correios garante que a encomenda é entregue até as 10h do dia seguinte à postagem . Obviamente é um bocado mais caro. Mas no caso em questão, necessário. Só que as horas se passaram e nada das ditas etiquetas. Lá estava eu, fingindo não perceber que até a faxineira do cliente me lançava olhares de reprovação.

Às doze badaladas da catedral, o tio Xavier, sem nada poder fazer, vai embora. Havia outros afazeres e eu não podia morar lá no cliente pro resto da vida. Sob olhares enfurecidos - só que absolutamente corteses - a saída à francesa me pareceu mais recomendável. Esperar infinitamente é uma arte que não faz parte de minhas aptidões. Mal entrei no carro e desandei a telefonar para o celular da dona da fábrica, da secretária dela, do operador da máquina e da pqp, reclamando a ausência do material. Pelo tom de voz de todos e confiança que tenho nos meus parceiros, tive certeza absoluta de que a tralha havia sido mesmo postada nos conformes. Então, que diabos teria acontecido com a empresa de logística mais efeciente do Brasil? Os Correios não são de dar mancada.

Após um almoço mal-engolido, decido rever minha pauta de tarefas e pendengas. Leio e respondo os e-mails (apagando as 1749 mensagens idiotas de "Feliz dia do Amigo"), ligo o msn, o Skype e começo a dar uns telefonemas. Na verdade, eu tentava também espairecer, um pouco antes de me estressar de novo com o problema das malditas etiquetas desaparecidas. Somente por volta das 15h00m resolvo consultar no site dos Correios o possível rastro da encomenda pelo número que o pessoal da fábrica havia me passado. Eis que lá constava: "Saída às 7:40 do local XXX ; Entregue às 8:00". Cazzo, em toda a minha existência eu não tive um único motivo para duvidar do trabalho dos Correios. A empresa merecia o meu voto de confiança.

Ligo para a analista de sistemas do cliente. No celular dela, por questões de discrição.
- Oi fulana, aqui é o tio... Meu, no site dos Correios consta que a merda da encomenda foi entregue às 8h00m. Será que não está aí não?
- Não pode ser.
- Putz, faz esse favor pro tio. Dá um giro aí na empresa e verifica se não tá por aí. Não custa.
- Tá bom.

Dez ou quinze eternos minutos se passam. A duração do tempo é questão de percepção dele. Para quem espera é sempre uma eternidade. Toca meu celular:
- Tio?
- Ô minha filha! Diz aí pelo amor de Deus.
- Você não vai acreditar.
- Eu acredito até em duente, se essa porra apareceu.
- Pois é. Acredita que tava com o cara do recebimento desde as 8 da manhã?
- Cacete! Quem é esse energúmeno?
- O Zé.
- E o que ele alegou para não ter encaminhado o material para o local de sempre?
- Ele falou que não achava que era urgente.
- Ah, ele achava?
- ...
- PQP... Obrigado, amiga!
- De nada, tio. Relaxa um pouco. Tchau!

A fiel exposição dos fatos acima dispensa análise. Só que a minha preocupação não é com a cagada do Zé em si. É que depois que li este post, da minha amiga Red, comecei a atentar para um aspecto: o Zé vota. Ele tem título de eleitor!

Que Deus nos proteja.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Postulado de Fernando Vanucci

O besteirol desfiado pelos comentaristas esportivos oscila entre o insano e o alcoolizado. Saca essa de hoje:

"O Brasil tem plenas condições de sediar a copa de 2014. Mas tem que mudar tudo". (Vanucci, no jornal da Rede TV).

Corolário nº51: "É hora de mudar... (hic!)... ou mudar tudo". (Brilhante conclusão, no famigerado programa que ele apresentou bêbado)

Pergunta que não quer calar: Se tem condições pra que mudar? Se precisa mudar, onde estão as condições?

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Sua privada entupiu? Foi o PCC!

Agora você já sabe:

Se sua privada entupir, é uma ação do PCC para minar o sistema de saneamento do estado.
Se cair um disjuntor de sua caixa de luz, comece a rezar: é o PCC preparando um ataque à sua casa.
Se sua ligação de celular emudecer, certamente o PCC interceptou sua linha para ações criminosas.
Se o seu carro não abrir com o controle remoto, você já era. Um membro do PCC está em cima do poste mais próximo, pronto a saltar sobre você.
Se um pássaro cagar na sua cabeça foi o PCC que fez uma marca com bosta transponder e está a seguí-lo por satélite.
A sua TV está nesse momento trabalhando no modo inverso: transmitindo imagens da sua casa para uma central de monitoramento do PCC.
O rádio do seu carro capta cada som que você emite e suas conversas são transcritas por taquígrafos do PCC.
Se o seu Windows™ ficar lento ou travar, não tenha dúvida: o PCC está escravizando sua máquina para processar crimes online, usando seu IP.
A propósito, a similaridade entre as siglas "PC" e "PCC" deixam claro que a IBM e a Microsoft são empresas de fachada da organização criminosa.
O Orkut é uma invenção do intelecto-marginal Marcola, para se tornar o novo "Grande Irmão" profetizado por Orwell.
Se aparecer uma tarifa estranha no seu extrato bancário é mais uma ação do PCC arrecadando grana para o crime organizado.
Aliás, para quem não sabe, a derrota da selecinha brazuca na copa tem uma causa que ninguém ousou revelar. Tio Xavier conta em primeira mão: antes da partida contra a França, o técnico Videira recebeu um SMS no celular, exigindo que perdessem. O PCC manipulou cada jogo da copa rumo à vitória italiana. Ou alguém tem dúvida de que "Marcola" seja um codinome italiano, hein?

Tenho culpa eu? Parte II

Hoje vivemos tempos tragicômicos. Em ritmo de trabalho de formiguinha, a bandidagem arregimentou e construiu militantes dentro de praticamente todas as instituições estatais. Mais focalizadamente dentro do aparelho repressor - polícias e forças armadas - que já não conseguem mais exercer a função repressiva, por manterem parte do quadros profissionais sob contaminação simbiótica com o crime. Alguns deles já são os próprios criminosos, só que resguardados por carteirinhas funcionais, estabilidade e pelo Artigo 331 do Código Penal que criminaliza o desacato.

Nos dias de hoje, como nada fora feito, não se podia esperar nada diferente do que estamos vendo. Como o Estado Burguês não pode culpar a si próprio pela mazela social, então precisa urgente de um culpado para os incêndios em ônibus, ataques a equipamentos públicos e assassinatos de funcionários da Segurança. Eis que surge a salvação: o PCC. A bola da vez! Os secretários estaduais correlatos à SSP, incluindo a Administração Carcerária, mais parecem baratas tontas nos seus desconexos discursos. Um cidadão - cujo nome não mencionarei - chegou na TV a co-responsabilizar o Orkut pela onda de violência. Algo semelhante a culpar a faca pela facada.

Obviamente o tal do PCC deve ser de fato um grupo criminoso significativo e ter os seus tentáculos. Mas minha experiência dá-me conta de o quanto é difícil articular movimentos sincronizados, como os de vandalismo e violência que acontecem no momento. Está mais que claro que a maior parte do que ocorre é originada de criminalidade e vandalismo expontâneos, que aproveitam a paralisia e o pânico para se sobressaírem eu seus feudos locais. E, mais uma vez, me vem à lembrança as acusações levianas e irresponsáveis, feitas nas duas décadas anteriores. Os acusadores são os mesmos. O comodismo, a incompetência e a mentira deslavada também. É PCC, agora é sua vez.

Tenho culpa eu? Parte I

Sabia-se há décadas que o voraz empobrecimento das massas trabalhadoras, a favelização, a ausência do Estado nas periferias e a inoperância dos serviços públicos - particularmente Educação - empurrava a sociedade para a violência. Desde os governantes militares e seus lacaios civis até um simples trabalhador esclarecido, sabiam que nas décadas de 60 e 70 a ditadura enfiava o país em dívidas monstruosas, produzindo o artificial "milagre econômico". Os mais altos extratos sociais sabiam que, após a festa, vinha uma ressaca civil na década de 80, trazendo desemprego, sucateamento dos serviços sociais e uma inflação jamais vista. E mais: todos esses sabiam que a tolerância com as drogas ilícitas, nas festas da society, construía impérios paralelos no submundo do narcotráfico, dirigidos por neomagnatas, à margem da sociedade oficial. Todos sabiam. Mas o juiz, o deputado, o senador, o empresário e não sei mais quem fingiam não perceber que os narizes e veias vorazes de seus filhinhos e filhinhas queridos - senão os deles mesmos - enriqueciam a bandidagem, cada vez que levavam sua cota de distribuição de renda aos pés do morros, na mão dos aviõezinhos.

Nas décadas de 80 e 90 a burguesia precisava de culpados pela balbúrdia inflacionária, para o desemprego e para a putrefação social. E os incriminados foram exatamente aqueles que se opunham à putrefação: militantes políticos de oposição, sindicalistas, agentes de pastoral e líderes de movimentos populares. Nos editoriais, manchetes de jornal e capas de revista, o que mais se via era: "Foi o PT", "Foi a CUT", "Foi MST", "Foi a CPT". Como a imprensa de um modo geral, a classe média sua consumidora e mesmo grandes representantes das elites nunca foram grandes usuários das suas massas encefálicas, os bordões viraram mantras.

Aos meus míseros dezesseis ou dezessete anos eu já fui culpado pela inflação de 80% ao mês, pelo sumiço da carne nos açougues, pela demissão de milhares de operários e até pelo seqüestro do Abílio Diniz. Eu, o Lula e milhares de militantes, com a diferença que eu continuo resignado a suar pelo sustento da família, pois nunca tive vocação para me aparelhar na política. Bem feito prá mim! Mas durmo em paz e atendo a qualquer um que me telefonar, sem temor nem ressalva. O tio Xavier é um trouxa feliz.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Roteiro gastronômico do submundo

Revistas com roteiros gastronômicos caros há existem aos montes. É possível até afanar alguma no saguão de aeroporto, na recepção do hotel ou em uma agência de viagem. Mas carecem de novidades. Qualquer um sabe que o Fasano é ótimo, que a Vento Haragano é uma puta churascaria, que o Charlô Bistrô é o cara e por aí vai. Só que são lugares inacessíveis para mortais com renda inferior a três salários mínimos como eu. Até os manobristas dessas casas se recusariam a estacionar meu Corsa 1000. Então eu aproveitarei-me da graça de pertencer à classe social E, para prestar preciosas dicas gastronômicas dos lugares mais pobres e periféricos do Capitalismo. Mas ao alcance do bolso de todos.

Começo falando de uma do bairro de Vila Maria: a Lanchonete Dunga´s. Já foi muito tradicional, mas os donos de hoje devem ser os quadragésimos. A iguaria provada no caso foi um leve e saudável cheese-bacon-egg-salada, recomendado para pessoas em regime.

O lanche: já foi melhor. A tentativa de manter um hambúrguer sendo feito lá mesmo, em lugar dos industrializados, até que é boa. Mas o atual não tem gosto nem de sal, nem cheiro de nada. O pão de hambúrguer é desses marca Chimbica Breads, vendido em atacadistas por R$0,07 cada. Seco, sem gosto e quebradiço.

O atendimento: diga você mesmo. O garçom demorou cinco minutos para perceber que eu estava sentado à mesa. Porque, em pleno meio-dia, é improvável alguém sentar-se em uma lanchonete. Quem sabe seja uma superstição de prosperidade, ignorar o primeiro cliente do dia, no caso eu. Pedi meu lanche, com a única observação de que o bacon fosse bem tostado. Só que vi claramente o infeliz chegar ao balcão e pedir simplesmente um "x-tal para a mesa 22", cagando e andando para o detalhe. O chapeiro já pareceu mais ligeiro, pois em menos de cinco minutos meu olfato indicou que meu lanche prontinho havia sido colocado no balcão. Mas esperei infinitos dois minutos, torcendo para que o garçom parasse de limpar os cardápios e lembrasse de sua função primordial. Inúteis foram, tanto a minha espera quanto o garçom. Total aproximado de espera = 12 minutos.

Já irritado, levantei-me falando ao chapeiro em decibéis de vendedor de pamonha, que eu iria pegar o lanche para que não esfriasse. À tentativa tardia do garçom de se aproximar, fiz um gesto de que não precisava mais. O bacon encruado eu retirei e abandonei no prato. O restante comi tudo, tal fome que me abatia. Para não ter que esperar a boa vontade do limpador de cardápios, fui direto ao caixa pedir e pagar minha conta. Esse problema crônico com garçons, na verdade, faz parte de um carma que carrego de vidas passadas. Parece que fui garçom na França em 1850 e passava cuspe nos pratos dos clientes e coçava o saco antes de pegar nos copos deles. Anseio pelo advento do robô-garçom, que mande os serviçais de má vontade pra fila do Centro de Solidariedade ao Trabalhador.

Registre-se: Dunga´s Hamburger. Praça Santo Eduardo, bairro de Vila Maria, em Sampa. Já teve seus tempos de glória mas vem decaindo vertiginosamente. Já não vale à pena.

sábado, 1 de julho de 2006

Até que algo os separe

A profusão de separações conjugais no meu círculo de amigos tem me intrigado. Estou falando de cerca de quinze casais, ou pouco mais, dos quais uns dez se separaram recentemente. Não me importo de graça com isso, pois é compreensível que dois seres não tenham que coabitar pela eternidade, em meio à intolerância e ao desamor. A nossa existência é muito breve e urge vivermos de maneira a evoluírmos em todos os aspectos. Então, o senhor padre que me desculpe, mas passa da hora de ele mudar o livrinho de ritos e substituir o "... até que a morte os separe" por algo menos sentencial como "... até que o desamor, a ausência de respeito e o fim da cumplicidade os separem". Sorry man, mas a indissolubilidade do matrimônio já foi algo bom, caso o senhor padre não saiba. Era uma forma de proteção à mulher. Dos tempos bíblicos até muito recentemente, a mulher pobre descasada foi vítima do desamparo e da miséria social irreversíveis. A pobre, viu? Porque a rica, sempre continuou a ser cobiçada e, não raro, a desposar um novo príncipe. Nas cortes européias e, mesmo nas suas crias tupiniquins, isso foi fato e perdura até hoje. Mas quem quereria uma mulher rejeitada, com uma penca de filhos e duranga? Hã? Hã? O cavalheiro aí atrás, com a mão levantada? Ah... quer ir ao banheiro? Segunda porta à direita.

Com o advento da invasão da mulher no mercado de trabalho, a dependência financeira passou a ser mais solidária e equilibrada. Com os ganhos assalariados médios em queda, o trabalho profissional da mulher tornou-se até uma necessidade para a manutenção do núcleo familiar. Aí reside o respiro aliviado das descasadas e viúvas que trabalham fora. Boa parte do contingente masculino passou a necessitar da coabitação feminina, inclusive por razões econômicas. Então good news, meus queridos noivos! Como todos já perceberam (menos o padre), não há mais motivos para esperar a morte os separar. Até porque é uma espera muito funesta, sinistra e de mau gosto. É bem possível que esse contexto sócio-econômico esteja sendo o apoio principal das inúmeras separações que tenho contabilizado em meu círculo de amigos. Alguns psicólogos e psicanalistas já falam em monogamias temporárias, como sendo o ato de ter sucessivos relacionamentos monogâmicos e estáveis ao longo da vida.

Mas há outra característica que percebi no meu círculo: Praticamente de todos os casais separados ao menos um dos cônjuges era "de primeira viagem". Traduzindo: não tinha nenhuma experiência anterior de moradia a dois e, conseqüentemente, "da dor e a delícia de ser o que é" um casal. Inegável fato é que o convívio em nossa primeira experiência de núcleo familiar - a casa de nossos pais - raramente nos prepara positivamente para o que advém do ato de acordar e dormir com outra pessoa diariamente. Essa situação abrange o compartilhamento de papéis (não gosto da palavra divisão) que a coabitação traz consigo. E afeta todos os aspectos imagináveis da vida doméstica, incluindo: finanças, decisões sobre prole, compartilhamento e conservação do habitat, cultivo de amizades comuns e individuais, vida social, lazer e troca de experiências profissionais, dentre outros.

É quase certo que, em cada um dos casais supra referidos, ao menos um dos cônjuges teve suas expectativas frustradas com relação ao outro ou com as conseqüências da união. Pensando nessa linha e analisando meu suscinto círculo de amigos, posso concluir que as separações de primeira viagem estão por cessar, se é que não terminaram. Mas por falta de protagonistas. Temo que eu e a darling estejamos momentaneamente imersos em uma rede de amigos new-singles. Mas que bom que nenhum deles foi separado pela morte. Né seu padre?

Poesia não se comenta, se degusta

Amor, meu grande amor, não chegue na hora marcada
Assim como as canções, como as paixões e as palavras
Me veja nos seus olhos, na minha cara lavada
Me venha sem saber se sou fogo ou se sou água
Amor, meu grande amor, me chegue assim bem de repente
Sem nome ou sobrenome, sem sentir o que não sente

Pois tudo o que ofereço é meu calor, meu endereço
A vida do teu filho desde o fim até o começo

Amor, meu grande amor, só dure o tempo que mereça
E quando me quiser, que seja de qualquer maneira
Enquanto me tiver que eu seja a última e a primeira
E quando eu te encontrar,
meu grande amor, por favor, me reconheça

Pois tudo o que ofereço é meu calor, meu endereço
A vida do teu filho desde o fim até o começo

© Ângela Ro Ro e Ana Terra, 1979