quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

O futuro que nos espera

"Que pena que ela vai morrer. Mas quem vive?" - Com essa frase rememorada pelo policial Deckard, protagonizado pelo impagável Harrison Ford, termina a Director´s Cut de Blade Runner. Sem dúvida um dos melhores filmes SCI-FI de Hollywood.

Depois de vê-lo no cinema mais de uma vez na época em que fora lançado, adquiri o vinil da trilha sonora, depois comprei as duas versões em CD (uma com a New American Orchestra e outra com o próprio Vangelis), eis que chega à coleção do tio Xavier o DVD do filme. De tanto procurá-lo em vão eu já cogitava mandar digitalizar meu conservadíssimo VHS, mas não foi preciso. Pela bagatela de vinte e cinco reais pude adquirir no Submarino uma cópia remasterizada de ótima qualidade. Entre tê-lo achado na internet, preencher o pedido e pagar o boleto, meu impulso de compra foi tal que fiz tudo em menos de cinco minutos. Acho que era medo de que o estoque acabasse.

A Los Angeles de 2019 pintada por Ridley Scott é soturna, chuvosa, poluída em todos os sentidos, superpopulosa, impessoal e fria. Saturada pela mão destrutiva da civilização, a Terra está inabitável. Grandes empreendedores imobiliários do futuro anunciam loteamentos em outros planetas colonizados. É o homem predador levando a cabo a missão que criou para si, de devastar todo o Universo à sua volta. A Engenharia Genética, através da Tyrrel Corp cria os replicantes, uma espécie de andróides semi-humanos, para servirem de escravos e guerreiros na nova conquista do Oeste, desta vez a rapinar terras muitos anos-luz distantes do Arizona, com espaçonaves no lugar de diligências. Os replicantes são planejados para não saber que o são e para durabilidade finita. Porém, um grupo deles toma consciência dos fatos e se amotina em busca do segredo para viver mais. O ex-policial Deckard é intimado a prestar serviços novamente no extermínio dos invasores. Um enredaço baseado no livro de Philip K. Dirk, Do Androids Dream of Electric Sheep? (Os andróides sonham com carneiros elétricos?).

Blade Runner é um filme profundíssimo, cuja fotografia e cenografia são labirintos de sutilezas. Como no instante em que Deckard tira o casaco e aparece por baixo uma camiseta que lembra uma camisa cowboy. Ele a qual despe - também simbolicamente - ao confrontar-se com estonteante replicante Rachael (Sean Young) por quem se apaixona. As questões existenciais clamadas pelo filme percorrem as dúvidas sobre os destinos da civilização. Escancara que, diante do sistema que levou o mundo ao caos da Los Angeles de 2019, andróides e humanos são difíceis de se diferenciar na multidão. Mais do que na aparência, no papel de cada um na manutenção silenciosa do sistema em que as multidões patéticas mais parecem reses abate. Como andróides? Durante uma das caçadas em que Deckard sai atirando e atropelando a multidão, vê-se um grupo de Hare-Khrishnas cantando a boa e velha Hare-Hare. Essa aparição sugere que a busca pelo divino e o transcendente talvez nunca morra, mesmo naquele futuro caótico e tenebroso.

É quase certo que em 2019 as metrópoles ainda não estarão como no retrato cinematográfico de Riddley Scott, ao menos no que diz respeito à tecnologia e ao visual. Porque essencialmente cada vez mais será difícil diferenciar os humanos dos andróides. Seremos todos criação da indústria genética para a manutenção do sistema? O que nos faz humanos? - são questões que, de modo cifrado, o replicante Roy (Rutger Hauer), tece no seu discurso de morte. Time to die, em suas últimas palavras.

* * * * *

Agora chega. Compre o seu e assista. De preferência dezenas de vezes, como o tio Xavier. Sinto que há mais a filosofar com essa pérola cinematográfica do que pode imaginar a nossa vã TV aberta (eca!).

Nota: O Submarino, a Warner, o Ridley Scott e o Harison Ford nada pagaram ao tio por essa babação de ovo. Mas não resisto. O filme é mesmo sensacional.

Comemorar?

Diferente do post sobre o aniversário de Sampa que fiz ano passado, neste ano um realismo pesaroso ronda minha mente. Eu já protagonizei o filho arrependido da parábola cristã. Isso ocorreu no início da década passada depois de tentar a vida em uma cidade do interior. Sampa me recebeu com ressalvas, mas depois me acertei com ela, ficamos de bem novamente e saboreei de cada oportunidade do cotidiano que ela oferece. Saí sem grana e desfrutei de atrações gratuitas, saí com o bolso cheio e me diverti em baladinhas e bares caros, já tive o carro roubado à mão armada, outro furtado em minha ausência, já arranjei empregos, namoradas - atividade que cessou na atual companheira - , vi temporais e a garagem do prédio encher-se de água naufragando meu fusca, mudei de casa, abri meu próprio escritório, reencontrei amigos antigos, perdi outros... isso não tem fim e renovo diariamente. Morar em Sampa é algo único.

Mas minha reflexão de hoje me remete a um recém-conhecido na cidade. O buraco da obra do metrô, filho mais novo desta metrópole. Tudo bem que eu também estou de saco cheio dele. Até mesmo minha caçula um dia desses desabafou, ao ver a milésima chamada de noticiário a respeito dele. Mas eu insisto que há mais para entender naquele buraco.

O que está por baixo daquele buraco além do entulho e - tomara que não - mais algum cadáver? Me perdôe pelo comentário mórbido, mas o buraco é o símbolo de nossa cova comum. Do pó vieste, ao pó voltareis, parece ser a voz que vem do fundo da vala. Ou decifra-me ou devoro-te diria o buraco se tivesse a formosura da esfinge egípcia. Mas o buraco é feio, decadente, escuro e úmido. Talvez seja mal-cheiroso também. Acima de tudo, a cratera conta uma história.

A história é de uma metrópole construída por barões do café, que por tanto e quanto tempo deram as cartas no que eles chamam de desenvolvimento. Não reclamarei da falsa pompa de outrora, quando gente bonita rica e bem trajada cruzava o Viaduto do Chá e lindas mansões ostentavam o impressionismo realista dos manda-chuvas. Na verdade nem meus pais viveram essa época (sim, sou um tio jovem). Mas falo de coisas e circunstâncias muito mais próximas de nós.

Falo do fim de um falso milagre econômico feito à custa de poupança de viúvas européias com juros quase simbólicos. Um sonho que morreu definitivamente no início da década de 80 também soterrado, mais tarde pela cratera-panacéia do Plano Cruzado. Falo de um descaso absurdo com os milhões de migrantes que até então foram intencionalmente atraídos para cá. Foram bons porquanto serviram de carregadores de tijolos e limpadores dos quintais das lindas mansões. Com o fim delas e das grandes obras governamentais, passaram à condição de seres errantes ciscando trabalhos temporários e se desqualificando moral e socialmente a cada dia, à cada geração, engolidos pela informalidade e pelos imensos camelódromos controlado por mafiosos ricos.

Falo de serviços antes públicos e reconhecidamente de responsabilidade dos Governos. Nada mais justo já que do sustento da maioria eles tiram as primeiras fatias do toucinho. São escolas podres, postos de saúde simbólicos, policiais mal-remunerados, transportes insuficientes para os fluxos humanos que vão dos bairros-dormitório, como Itaquera, até os suntuosos centros empresariais como a Berrini. Se você morar em um bairro de periferia, já deve estar cansado de saber que nós e nossos familiares são transportados em um serviço autônomo de vans controlado pelo PCC. Cadê a saudosa CMTC? Depois da privatização, foi esse o destino das linhas que os empresários foram rifando para as cooperativas de transporte auto-geridas. Nesse contexto o buraco desabado é somente o resultado de um Estado que se retirou até mesmo da supervisão e fiscalização das obras públicas, num belo exemplo da aplicação da privatização universal e sem critério.

São décadas de rodízio simbólico de partidos e arremedos de gestões populares, mas que se somam e resultam em uma deterioração visível a qualquer um. Enquanto isso a burguesia cafeeira depois de vender suas lindas mansões na Paulista para construtoras de prédios que esconderam os céus, agora ela própria se esconde em condomínios fortificados inclusive em municípios vizinhos, como Barueri. Criam suas fortalezas para passar seus dias imunes à tamanha cagada pseudo-gestora em que insistem prosseguir, pois o importante é levar vantagem em tudo, como profetizou a famigerada propaganda de cigarro.

E a população de Sampa continuará amanhecendo trabalhando e anoitecendo trabalhando. Ao menos enquanto o buraco da obra da deterioração social não se expandir e engolir a tudo. Mas acredite que de certo modo nós todos - tanto os protagonistas quanto os omissos - estamos lá debaixo do soterramento. Nossa cova coletiva, vala comum de nossa morte. Pena que nem os bombeiros nem as cadelas farejadoras parecem nos encontrar.

Ei senhores, onde vão? Voltem aqui!

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Sorte tem quem acredita nela

O tio não costuma jogar. Mais precisamente o tio odeia jogatina, inclusive loterias legais ou ilegais. Mesmo assim, no ano passado - não me faça perguntas - eu comprei esse bilhete acima, o qual ficou por meses esquecido até que hoje resolvi tirá-lo da carteira e conferir. Não sem antes ler as cláusulas no verso pelas quais descobri: os prêmios prescrevem em noventa dias.

Sim, meu caro leitor, se você comprar um bilhete, ele for premiado e não retirar a grana em noventa dias, ela vai-se embora para sempre, para algum fundo de habitação ou sei lá o quê.

Well, o tio resolveu conferir o dito no site da CEF. Pra começar que essa extração não constava mais no site e tive que fazer download de um arquivo com todas as 54069461460 extrações desde a década de 1960. Eis que achei a que me interessava. Adivinha?

Não meu caro amigo, não terei sequer o que reivindicar na Justiça, porque os números nem passaram perto. Por incrível e contraditório que isso possa parecer eu suspirei aliviado. Mas fique esperto: ao comprar um troço desses confira tão logo a extração saia. Coloque lembretes no monitor, alarmes no Google Agenda, anote na sua agenda de mão, no seu palmtop e no seu celular. Senão, lamente depois.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

A Sociologia das Filas

Hoje uma amiga me propiciou um momento de sinapse único e demarcador de uma nova etapa em minha vida. Ela me contou que foi ao Fórum Cível em Sampa e lá havia uma imensa fila para atendimento. Para entender melhor o meu artigo, leia antes AQUI. Mas as histórias possuem alcance muito maior do que as intencionadas pelos seus protagonistas e narradores. E foi lendo a narrativa dela que tive um instante de iluminação, subindo um degrau rumo ao Nirvana. A Sociologia das Filas é um ramo do estudo sociológico que até agora não havia sido explorado por nenhum outro estudioso. E a partir deste post, tio Xavier passará a ser uma referência acadêmica mundial no assunto.

Existe uma razão psicossocial para a existência das filas. Elas vão muito além das motivações aparentes. Entenda: quando você vê uma fila de banco não se trata de uma simples fila de banco. É na verdade um evento social construído pelo inconsciente coletivo das classes populares. Trata-se da oportunidade que o povão, o populacho, o proletariado - ou seja lá como você queira chamar a gentalha - cria para se relacionar, interagir e se reafirmar como sujeito social.

Veja a dona Francisca* do post mencionado no caput deste artigo. É bem possível que, depois de a Red´s ter se mandado da repartição pública, a dona Francisca tenha feito o mesmo. A fila para ela, enquanto terapia, já tinha cumprido sua função. Dona Francisca jamais ouvira falar em Freud e Jung e sequer teria grana para pagar um profissional da Psicologia. Mas o inconciente dela sabia que ela encontraria a Red´s na fila para ouvir as suas lamúrias bostiais. Nada mais. Dona Francisca foi embora aliviada e graças à função terapêutica da fila, conseguirá suportar o cheiro de fossa por mais alguns dias, sem esfaquear o vizinho imundo.

A fila e a afeição que o povo tem por ela remonta a períodos muito antigos da história da humanidade. O que teria sido o Êxodo senão uma grande fila de povão atrás de Moisés? Os hebreus sequer questionavam a escravidão em si e nisso os teólogos da libertação erraram feio. O povo não seguiu o fundador do judaísmo em busca de liberdade até porque a maioria nascera em cativeiro e nunca imaginara outro modo de vida. Seguiu porque Moisés conseguiu formar uma pequena fila. E os hebreus foram atrás dessa fila. A maioria sequer sabia o destino ou quem era o guia. Alguns questionaram e foi depois de muitos dias, por causa da falta de alimento.

Falando em alimento, é só olhar os supermercados. Todos sabem que há carne cortada, selecionada e pesada nas bandejinhas das gôndolas refrigeradas. Mas o povão faz questão de pegar a fila do açougue do mercado. Não é como todos pensam - para obter cortes privilegiados - mas pelo simples ato de fazer parte de uma fila. Senão como explicar que o povão lote os supermercados nos mesmos dias do mês e nos demais encontrarmos os caixas vazios com as operadoras quase dormindo? O argumento do dia do pagamento não cola, já que o povão compra sempre com cartão de crédito e o que vale é o vencimento da fatura. Algumas investigações revelam que o povão se reúne em confrarias secretas, para combinar quando é que vão assediar os locais com filas. Isso explica as oscilações entre vazios e filas quilométricas, de alguns locais.

Mas a fila não é privilégio das classes proletárias. A paixão pela fila conquista gentalha de classes mais abastadas. É só passar diante de uma balada-badalada, para ver que a fila também exerce ali seu papel de formadora de opinião pois em última análise ela indica os lugares in do momento. Você entraria em um restaurante que em pleno domingo não exibisse uma fila na porta? Não minta. Ou você acha que o Famiglia Mancini em Sampa recebe centenas de clientes aos domingos por causa das deliciosas pastas e suculentos molhos? Nada disso. Experimente tirar a fila da porta, que é onde as pessoas bebem, conversam, tomam o sol escaldante e ficam em pé durante horas, para ver quantos fins-de-semana resistirá o hit gastronômico deles.

A fila tem também um apelo religioso. A Eucaristia teria sido - segundo os evangelhos - instituída pelo próprio Jesus. Fora em uma mesa de refeição sentado junto com seus apóstolos e entes mais queridos. No entanto, o cristianismo de massa instituiu a missa com o povão sentado nos bancos. Mas é só o padre anunciar a distribuição da hóstia que o povo mais do que rápido forma uma imensa fila. As igrejas bem que tentaram instituir ministros auxiliares para levar o sacramento até onde o povo ficava sentado, mas não funcionou. O povo ignorava os ministros e insistia na fila. Assim também as romarias e procissões são expressões religiosas da predileção por filas que o povo tem. Aposto uma caixa de cerveja que a maioria dos romeiros não tem a menor idéia de quem é o santo ou a festividade de determinada procissão. Para os romeiros santa é a fila e isto basta.

Por fim, a fila possui sua expressão e faceta lúdico-infantil. As brincadeiras inocentes como balança-caixão e piuí-abacaxi são embriões do que as crianças almejam para a idade adulta: a fila. Mesmo a brincadeira de ciranda cirandinha exprime um simbolismo filosófico sobre a fila. A roda é nesse caso representa uma fila infinita, que submete as crianças a guinadas de trezentos e sessenta graus. As crianças terminam sempre no mesmo lugar, só apenas um pouco mais tontas e risonhas. Isso é importantíssimo na infância, pois as prepara para a vida adulta, de modo que entrem e saiam de filas em repartições e bancos com um pouco mais de humor.

O estágio mais elevado da fila já foi atingido pela humanidade. Ele está expresso pela criação das filas de sentados. São aqueles locais onde você retira um ticket numerado e fica olhando um painel para ver se seu número é chamado. O painel comprova de forma inquestionável que você não é nada mais do que um número. As cadeiras formam um confortável ambiente, que alude aos sofás das salas de visitas onde as pessoas sentam-se para conversar e contar causos. É como se nem existisse fila e todos estivessem em uma grande reunião de amigos. Por isso raramente se vê pessoas reclamando, já que estão confortalmente sentadas e o painel universaliza a espera.

Eu tenho revelações inéditas sobre a relação do cotidiano com as filas. Só para adiantar uma, o movimento Diretas Já foi uma campanha não pelo direito de voto em si, mas pelo direito de fazer filas imensas nos postos de votação. Quem quiser saber mais, pode contratar minha palestra Sociologia das Filas - Muito além de Marx e Engels ou aguardar o lançamento do meu livro. E você poderá fazer fila para receber meu autógrafo, claro.

Na próxima vez que avistar uma fila, não critique o serviço em questão. Pense nos milhares de freqüentadores que se sentem melhor dia-a-dia ao passar pelas filas.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Neologismo no buraco

"Acidentes como esse são improvisíveis" (sic)
José Tadeu da Silva - Engº Civil/CREA-SP, em entrevista à TV Gazeta.

domingo, 14 de janeiro de 2007

Só contaram para ele

Diante da imensa tragédia na obra do Metrô de Sampa, que até agora não sabemos a quantos vitimou, o governador sai com essa pérola:

"Quem estiver lá dentro, terá sido vítima"

Só uma pessoa muito perspicaz é capaz de uma conclusão dessas.

Mandem esse homem pra casa urgente e deixem os bombeiros trabalhar!

sábado, 13 de janeiro de 2007

Falando sério

Uma modelo que até o momento não demonstrou se seu talento vai além das passarelas, talvez na falta de outro lugar ou quiçá em busca de mais notoriedade, trepa com o - quem sabe - enésimo ficante amoroso da sua vida. Só que em plena praia pública e debaixo de sol-a-pino. Escancara os orifícios ao rapaz e a sublime cena aos fotógrafos e filmadores de gosto duvidoso, que trabalham para veículos compatíveis.

Doppo o tal vídeo vai parar em um site hospedado no exterior. Sabe-se lá se não fora por ação direta ou indireta dos próprios ciosos. Eis que meritíssimos, sábios e letrados juízes da 4ª Câmara do TJ/SP decidem: Nenhum internauta brazuca poderá doravante freqüentar o Youtube. Tudo por conta das cenas calientes e de um processo movido pela modêlo-apresentadora de voz anasalada e seu viril parceiro sexual.

Os meritíssimos, sábios e letrados juízes perdoem-me pela intromissão, posto ser eu uma ignóbia criatura acerca da Lei e do Direito. Mas poderão existir outras coisas dignas julgamento urgente, que não esse infame e medíocre episódio sexual litorâneo? Minha vã ignorância tenta-me a questionar se a nobreza da atividade judiciária não viria a ser incompatível com a paupérrima petição do casal sexualmente ávido. No mais, sempre ouço dizer que os tribunais estão abarrotados de processos e que alguns tramitam há anos e até há décadas. Talvez não seja verdade. Pois senão como é que poderia logo esse, de causa tão medíocre, circular tão rápido pelas mesas dos nossos atarefados magistrados? Ó Destino, porque me fizeste ser tão inapto ao juízo e tão desconhecedor da magnitude dos temas magistrais?

Por fim, bloqueio de acesso só existe na mente de seres desprovidos de conhecimentos elementares de navegação internética. Cliente de uma das empresas idiotas que acataram a decisão, apenas redirecionei meu servidor proxy para outro situado no exterior e naveguei normalmente. Há dezenas deles - e gratuitos - espalhados pelo mundo.

Bloqueio de site é pra jacú. Trepar na praia também. Julgar méritos, isto sim é para os magistrados. Cada qual, cada qual.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

O dia da marmota

nove horas

Na verdade foi um pouco mais tarde, pois cheguei atrasado só pra variar um pouco. Fico sabendo que a carga do meu cliente, que me esmerei para colocar no agente aéreo sábado de manhã sequer saiu de lá. Somente à tarde ela sairia para Congonhas, para - quem sabe - embarcar à noite para BH, seguindo no dia seguinte para Confins e, desta, em via terrestre para a cidade destino. Meu cliente terá trigêmeos.

dez horas

Toca meu telefone com um prefixo de MG. Não atendo. Não tenho nada para dizer para o cliente. Vou pôr a culpa na Varig?

dez horas mais 30 minutos

Chega um e-mail de outro cliente perguntando sobre a entrega de uma impressora. Não tenho o que dizer para este, porque a distribuidora fica no sul de Minas e foi inundada na sexta-feira. Deixo para respondê-lo amanhã quando eu conseguir dizer algo convincente.

onze horas

Ligo para uma distribuidora de peças para saber sobre quatro míseras pecinhas, essenciais para o conserto de equipamentos de outro cliente. São quatro míseras como eu disse. Tão simplórias que é uma vergonha que não sejam fabricadas no Brasil. Bem, a resposta é que terão que ser importadas e demorarão até quarenta e cinco dias para chegar. Não crio coragem de ligar para esse também.

meio-dia

O dia está um saco só. O extrato bancário da empresa acusa apenas doze reais. Doze reais e está certinho. O número não sai da minha cabeça. Olho o contas a receber e dou-me conta que o próximo recebimento significativo só ocorrerá daqui a dez dias. Penso em suicídio. Evito consultar as contas a pagar e saio para almoçar.

uma da tarde

Volto para minha sala, escovo os dentes e ligo a tevê no noticiário. Na verdade nem presto atenção no conteúdo. Pouco me interessa.

dez para as duas

Vou a um bairro próximo visitar uma empresa de onde me ligaram solicitando visita. Marcada para as 14 horas, chego britanicamente no horário e me anuncio. A recepcionista gerundista disse que estava avisando e a pessoa de contato já ia estar atendendo.

duas e meia

Jogo um cartão de visita na mesa da gerundista e me mando. Porra, se os desgraçados não podiam atender porque não falavam logo? Eu odeio esperar. Na volta passo no banco onde tenho conta pessoa física. Tiro uns trocados para pagar dois credores dos arredores, que não merecem esperar. Quem manda eu almoçar no boteco fiado e colocar o conserto do micro no prego?

três e meia

Depois dos pagamentos entro no escritório. Está uma zona. Não agüento mais aquela baderna. O calor me derrete e o circulador-de-ar-engana-trouxa parece rir de mim com sua ineficiência. Olho pro infinito. Tenho umas dez tarefas para fazer, pelo menos. Mas vontade nenhuma de fazê-las.

quatro da tarde

Abro o scanner e o que encontro nele? O boleto do seguro do carro. Agora me diz: que raios fazia o boleto dentro do scanner? Não tenho com quem brigar, pois trabalho sozinho e só eu mesmo podia ter feito aquela merda. Detalhe que o boleto não podia mais ser pago após 02/01/07. Ligo pro corretor e ele verifica que terei que fazer uma vistoria no carro, para ele obter outro boleto e revalidar meu seguro, que está bloqueado.

cinco da tarde

Fecho o escritório e de saco cheio me mando para passar no posto de vistoria e em seguida buscar minha filha na escola. Sim, ela está na escola em pleno janeiro. A escola infantil é integral e não temos com quem deixar a criança. Na frente do posto de vistoria vejo uma fila com uns dez carros. Odeio fila. Decido fazer a bosta da vistoria somente no dia seguinte.

seis da tarde

Desço a ponte do Tatuapé no acesso para a Marginal. Paro atrás de um carro que aguardava oportunidade para acessar a pista. Ouço um estrondo e meu caro chacoalha tanto que meu cérebro dá boot. Pelo retrovisor vejo a tampa do porta-malas aberta pelo impacto. Checo se minha filha está bem no banco de trás e noto que só está assustada, tanto quanto eu. Atordoado, desço do carro para entender o ocorrido. Só tenho tempo de escutar pneus cantando e um carro quase me atropelando se manda. Percebo que meu sedan virou um modelo hatch. Tarde demais. Não consegui sequer ver o modêlo e a cor do filho da puta. Quanto mais a placa.

seis da tarde mais três minutos

A tampa não fecha, o pára-choque está afundado, o chassi do carro idem. Amarro a tampa com uma cordinha que havia no porta-malas e rumo para a minha casa de onde não devia ter saído hoje. Amanhã verei a real dimensão dos prejuízos e pensarei como me virar para pagar o conserto.

seis da tarde mais vinte minutos

Tentando me refazer do susto, do tranco e da desilusão, pego o celular e ligo para meu primo Eduardo. Edu é funileiro (ou lanterneiro, em carioquês). Conto a desgraça toda e aviso que passarei no trabalho dele pela manhã, para ver o que fazer. Percebo que ele não está entendendo nada. Só então percebo que ao invés de meu primo, eu falava com um cunhado também Eduardo. Não é meu dia. Acho que vou tomar um banho e dormir. Não sem antes tomar uma cachaça. Tenho certeza que amanhã quando o despertador tocar, verei que foi tudo um sonho. E este post não existirá.

Não precisa dizer: eu sou o cocô do cavalo do bandido que foi assassinado pelo xerife.

sábado, 6 de janeiro de 2007

Da série "Questões que assolam a humanidade"

Para que raios serve o controle-remoto da TV, se na hora em que precisamos dele temos que levantar do sofá e procurá-lo por toda a sala?

Como se não bastasse, os aparelhos de hoje praticamente não possuem painel de comandos. Cadê a TV com comando de voz que ainda não inventaram?

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Concurso público: Técnico condutor de quadrúpedes

A Secretaria Municipal de Turismo da Prefeitura Municipal de Jaboarandim (PB) abriu inscrições para concurso público de técnico condutor de quadrúpedes. Sim, foi isso mesmo que você leu. O local de trabalho será na praia de Vivendas. Para quem não conhece, Vivendas é uma praia turística muito freqüentada em Jaboarandim e o ecoturismo lá é responsável por parte significativa do PIB municipal. Daí a importância de se criar o cargo.

Entre os requisitos, exige-se: curso primário completo (Ensino Fundamental-Ciclo I), disponibilidade física para auxiliar turistas a montar nos animais, suportar sol intenso e cumprir jornadas nos fins-de-semana durante temporadas turísticas. São apenas trinta vagas.

O salário é de trezentos e cinqüenta reais, mais auxílio-alimentação de quarenta reais e - acredite! - um protetor solar fator 50 por mês. As inscrições podem ser feitas em qualquer agência do BB e custam mil e quinhentos reais, junto com o caderno de estudos e a cópia do edital. Os exames serão realizados pela Fundação Joboarandinense de Ensino Superior (FJES), somente na própria cidade e as despesas correm por conta do candidato.

O tio Xavier decidiu que é hora de ser funcionário público. Vou sim prestar esse concurso. E se passar - acho que dever ser moleza - me mando pra lá de mala e cuia. Tudo bem que eu não gosto de praia, nem de calor. Mas clique AQUI para ver a foto do trabalho que enfrentarei.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Sai capeta

Um amigo meu taxista - o Elson - passou por uma situação hilária um dia desses. Não resisti e, autorizado pelo filho dele, partilharei a história.

Disse que chegou ao habitual ponto de táxi e viu estacionado o carro de um colega gente boa pacas, o Edinaldo, o velho Ed. Tendo estacionado, foi até carro do Ed, que estava com a porta aberta. Lá dentro, Ed estava a fazer alguns apontamentos em um caderno, aparentando cuidadosa organização. Elson disse não ter resistido e bisbilhotado as anotações. Eis o que o amigo anotava:

"Dia tal hora tal, corrida de D.Fulana. Valor R$100,00, a receber dia tal. Valor do Senhor R$10,00" e colocou dez reais em uma caixinha que estampava uma logomarca parecida com um coração, que não lhe era estranha. Meu amigo não se conteve e perguntou:

- O Ed, o que é esse valor do Senhor?
- De tudo o que eu ganho, dez porcento eu entrego ao Senhor.
- Como assim?
- Eu sou membro da Igreja Universal do Reino de Deus - disse exibindo a logomarca da igreja na caixinha - e não falto jamais com o dízimo do Senhor, pois ele não falta comigo.
- Mas como você dá essa grana pro Senhor?
- Ah, Elson, eu entrego pro pastor na igreja, ora.
- Epa, mas você nem recebeu da D.Fulana. Como pode repassar dízimo de uma féria que sequer recebeu?
- Eu sei que vou receber, porque o Senhor a tudo me provê.
- Pô Ed se liga. O Senhor precisa de grana? Você na verdade não está sustentando as mordomias dos pastores da IURD, pra eles ficarem andando de BMW, viajando para o exterior e morando em condomínios de luxo?

O tal Edinaldo abriu a porta quase em cima do pobre Elson. Ao contrário do cara amigo e pacato, Ed aparentava um certo furor, com os olhos arregalados. Elson ficou paralisado aguardando uma reação abrupta do convicto dizimista. E eis que o crente levanta uma das mãos coloca sobre a cabeça do colega de ponto, proferindo quase aos brados:

- Sai demônio sujo e imundo do corpo desse homem! Senhor Deus mostrai como disse o profeta Malaquias, que (...) - e seguiu-se um roteiro interminável de glorificações, maldições, clamores e até agradecimentos pelos abençoados pastores que dirigem a IURD - (...) isso eu te peço pelo poder do sangue do Teu Filho Jesus! Amém! Amém! Amém, Senhor!

Elson resignado e talvez arrependido pela perda de tempo, disse que deu de ombros e voltou para o seu carro a aguardar seu lugar na fila por passageiros.

Quem manda se meter no caderninho de dízimo alheio? O mundo tem malandros porque tem otários, ora bolas.