domingo, 25 de fevereiro de 2007

Spaghetti au aglio by Xavier™

É domingo, está um calor lascado e mal dá fome. Você não quer passar a manhã toda na cozinha. Ainda mais para preparar aquele frango de novo ou aqueles bifes à milanesa que sujam a cozinha inteira. Na verdade você sonha com um convite para almoçar. Mas ninguém telefonou e você está quase sucumbindo ao restaurante mais próximo. Aí corre o risco de se empanturrar de comida gorda e calórica, inadequada para um dia quente. Muita calma. Leia bem este post, que o Tio Xavier™ vai ajudar você a sair dessa enrascada. A receita de hoje é leve e muito simples de fazer. Até você que é uma nulidade gastronômica conseguirá.

O macarrão é uma das bases culinárias mais versáteis na forma de preparo. Os melhores formatos de macarrão para ela são o tradicional spaghetti nº8 e o penne, nessa ordem. Mas você pode usar esta receita com aquele que mais lhe aprouver. Melhor dizendo, com aquele que tiver disponível.

Por favor: escolha um macarrão de boa marca. Há massas secas deliciosas como a Divella® (importada). Hoje em dia pode-se comprar tranqüilamente boas marcas nacionais, mas sempre com ovos, combinado? Dê preferência às grano duro, que são mais consistentes para obter o ponto al denti. Dito isso, vamos ao que interessa.

Ingredientes

- Um pacote de 500g de macarrão
- Duas cenouras pequenas, limpas e picadas em cubos pequenos
- Meia-dúzia de vagens frescas picadas.
- Uma lata (180g) de atum. O ralado é mais prático.
- Sal refinado.
- Pimenta-do-reino preta.
- Oito dentes de alho frescos e grandes, descascados.
- Uma xícara de salsa fresca picada.
- Azeite de oliva (de preferência o virgem).

Preparo

Cozinhe à parte em uma panela pequena, a cenoura picada com a vagem em rodelas. Coloque meia colher de chá de sal na água para dar gosto. Uma vez cozidos - mas consistentes - escorra a água e reserve.

Fure a lata do atum e escorra o óleo contido. Depois abra a lata coloque o atum em uma tigela, adicione uma pitada de sal, uma pitada de pimenta-do-reino, misture bem e reserve.

Esmague e pique os dentes de alho. Coloque uma pequena frigideira para aquecer com um pouco de óleo vegetal no fundo. Frite o alho em fogo brando, mexendo até dourar tudo de forma homogênea. Retire a frigideira do fogo e esfrie com um generoso despejo de azeite de oliva. Sem dó mesmo. Polvilhe sal a gosto e misture. Reserve. Na hora de despejar sobre o macarrão, você pode aquecer um pouco, na mesma frigideira.

Paralelamente, cozinhe a massa até o ponto al denti (verifique na embalagem o procedimento). Lembre-se de colocar duas colheres de chá de sal na água do macarrão, juntamente com um fio de óleo vegetal. Quando chegar ao ponto, escorra o macarrão e reserve.

Il gran finale

Em uma travessa espaçosa misture bem o macarrão, o alho frito com azeite, a salsa picada, os legumes cozidos e o atum. Espalhe tudo de forma equilibrada com muito cuidado, para não destruir a massa.

Para servir, decore o macarrão na travessa com pequenos ramos de salsa para dar um visual apetitoso.

Está pronta uma refeição simples, saudável e bem adequada para dias de calor. Não precisa de mais nada. Para beber, sugiro um bom vinho branco gelado.

Tempo de preparo: em média 30 minutos.
Rendimento: 4 porções (pessoas normais) ou 1 porção (pedreiros)
Calorias: não calculei, mas você se importa?

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Literatura nunca mais

Você tem problemas quando seus amigos começam a falar sobre literatura clássica? Não sabe o que dizer quando alguém pergunta se você já leu determinado livro? Fica constrangido porque na verdade você gosta de beber, fazer sexo e não tem tempo para essas babaquices?

SEUS PROBLEMAS SE ACABARAM!

É por isso que Tio Xavier está publicando mais um serviço de utilidade pública. O melhor e mais crítico resumo, jamais antes publicado, dos chamados "clássicos da literatura mundial", que na verdade são um pé-no-saco. Agora você brilhará nas reuniões arrasando com essa chatisse pseudo-intelectual dos seus amigos frustrados, que ao invés de transarem gastam as noites lendo. Vamos lá.

Madame Bovary, de Gustave Flaubert. 778 páginas.

Uma dona de casa mete o chifre no marido e transa com o padeiro, o leiteiro, o carteiro, o homem do boteco, o dono da mercearia e um vizinho cheio da grana. Depois entra em depressão, envenena-se e morre. Não gaste tempo com isso. "A dama do lotação" do Nelson Rodrigues dá de dez nisso.

Guerra e Paz, de Leon Tolstoy. 1.200 páginas.

Um rapaz não quer ir à guerra por estar apaixonado enquanto Napoleão invade Moscou (óbvio pois ninguém era besta de querer enfrentar o general Bonaparte). A mocinha casa-se com outro. Sinceramente, mil e duzentas páginas para isso? Paulo Coelho teria feito melhor e mais resumido.

À La recherche du temps perdu, de Marcel Proust. 1600 páginas.

Um rapaz asmático e de modos delicados sofre de insônia porque a mãe não lhe dá um beijinho de boa-noite. No dia seguinte (pule para a página 486 vol. I), come um bolo e escreve um livro. Nessa noite (se mande para página 1344, vol.VI) tem um ataque de asma porque a namorada (ou namorado?) se recusa a dar-lhe uns beijinhos. Tudo termina num baile (vol. VII) onde estão todos muito velhinhos. Acredita que tem gente que lê tudo isso? Eu não.

Os Lusíadas, de Luís de Camões. 652 páginas.

Um poeta com insônia decide encher o saco do rei e contar-lhe uma história de marinheiros que, depois de alguns problemas resolvidos por uma deusa super gente boa, ganham a maior boa vida numa ilha cheia de mulheres gostosas. Isso prova que sempre existiram desocupados, mesmo nos tempos do império, no melhor estilo "Senta que lá vem história". Prefira assistir ao "Castelo Ra-Tim-Bum".


Romeo and Juliet, de William Shakespeare. 336 páginas.

Dois adolescentes rebeldinhos se apaixonam, mas as famílias proíbem o namoro. As duas turmas saem na porrada, uma briga danada, muita gente se machuca. Então, um padre tem uma idéia idiota e os dois morrem depois de beber veneno, pensando que era sonífero. Pior impossível. Podiam ao menos se mandar para a Holanda e ficar se drogando em Amsterdan. Ao invés de ler isso, coma queijo com goiabada.

Hamlet, de William Shakespeare. 400 páginas.

Um príncipe com insônia passeia pelas muralhas do castelo, quando o fantasma do pai lhe diz que foi morto pelo tio que trepa com a mãe dele, cujo homem de confiança é o pai da namorada, que, entretanto se suicida ao saber que o príncipe matou o seu pai para se vingar do tio, que tinha matado o pai do seu namorado e trepava com sua a mãe. O príncipe mata o tio que trepa com sua mãe, depois de falar com uma caveira. Morre assassinado pelo irmão da namorada, a mesma que era doida e que tinha se suicidado. Puta merda! Essa gentalha não sabe trepar na surdina e ficar tudo de bem? Agora me diga, vale à pena percorrer 400 páginas por isso?

Édipo-Rei, de Sófocles. 72 páginas.

O xarope qualquer, não dá ouvidos ao que um ceguinho lhe diz e acaba matando o pai, depois trepa com a própria mãe e furando os olhos. Por conta disso, séculos depois, um tal de Sigmund lê isso e inventa uma nova forma de ganhar grana. Surge a Psicanálise que, enquanto mostra que você vai pelo mesmo caminho, lhe arranca os olhos da cara em cada consulta. Incesto caro esse. Édipo podia ao menos catar a mãe do príncipe Hamlet.

Othelo, de William Shakespeare. 368 páginas.

Vamos combinar que esse tal Shakespeare devia ser um tremendo vagal que além de tudo não trepava com ninguém. Mas eu explico só mais este. Um rei otário, tremendo zé-goela, tem um amigo muito do fdp que só pensa em passar-lhe a perna. O tal "amigo“ não ganha um cargo no governo e resolve se vingar do rei, convencendo-o de que a rainha está dando pra outro. O fato é que zé-mané acredita e mata a rainha. Depois descobre que não era corno, mas apenas muito burro por ter acreditado no traíra. Prende o cara e fica chorando sozinho. Prefira assistir a um filme com o finado Grande Otelo, mil vezes mais divertido.

* * * * *
Graças às informações acima, você economizou a leitura de pelo menos 5.400 páginas e mais R$ 500,00 em livros. Agora vá para a balada ou beber que é muito mais divertido. Quando o papo idiota de literatura começar, esculache com esses títulos, dizendo que são um lixo. Quem sabe nesses ambientes pinte alguém simpatizante a fim de sexo.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

A estrela Dalva

Um baile de Carnaval de matinê, onde idosos, jovens, crianças, deficientes, casais com filhos e toda sorte boas pessoas se divertem, cantam e dançam em meio à intensa chuva de confete e serpentina. Sonho? Nostalgia? Nada disso. Foi o que presenciei hoje no SESC da Vila Mariana em Sampa. Presenciei só não. Claro que entrei na dança, irresistível que era.

Eu havia deixado minhas queridas lá no início da tarde para nadarem um pouco, enquanto eu resolveria umas questões logísticas com uma amiga nas proximidades. Quando voltei para buscá-las, por volta de 16h, achei estranha a demora para o segurança liberar minha entrada ao estacionamento. O jovem, empunhando um "moderno" walkie-talkie de uns doze quilos, veio à minha janela cortês e educamente me explicar que estavam monitorando as vagas por causa da lotação. Esperei por uns dez ou quinze minutos até que fui liberado.

Ao circular pelas alas internas do clube, me deparei com um espaço onde uma porção de gente cantava e dançava ao som das mais originais, puras, ingênuas e agradáveis canções carnavalescas. Nada lembrava a beijação desesperada e nojenta dos micareteiros, nem esfregação de bundas suadas do carnaval em Salvador, nem gente tentando tirar lasquinhas de partes de outrem como em bailes-funk. Nadica de nada. Tudo na mais pura diversão e espontâna alegria em que as pessoas dançavam de mãos dadas e carregavam no pescoço suas crias. Um típico baile familiar.

No palco estava Maria Alcina. Com seus quase sessenta anos mostrava que ainda vai animar bailes por algumas décadas. A tiazona esbanjou um fôlego digno de inveja, já que vozeirão todos sabemos que ela tem. No repertório, as tradicionais marchinhas, intercaladas com sambas-enredo famosos e adaptações carnavalescas de sucessos como Fio Maravilha, de Jorge Benjor. Coisa da melhor qualidade, pra bons ouvintes jamais botarem defeito. Até as marchinhas hilárias do Sílvio Santos tiveram lugar no repértório.

Imediatamente liguei para minha amiga, com quem estou bolando um plano para salvar o mundo. Pedi para ela adiar algumas ações, até que consigamos mapear melhor os locais. Temos que preservar esse monte de gente boa que ainda sabe brincar o Carnaval.

"A estrela Dalva
no céu desponta.
E a lua anda tonta
com tamanho esplendor.
E as pastorinhas
pra consolo da lua,
vão cantando na rua
lindos versos de amor..."
(Braguinha e Noel Rosa)

sábado, 17 de fevereiro de 2007

The year of the pig


Não tenho mais dúvidas. Este será o ano de o tio tirar o pé da lama. Vejam se isso não foi um sinal:

No começo desta noite o tio estava dirigindo pela Rod. José Ermírio de Moraes, mais conhecida como "Castelinho" nas proximidades de Sorocaba. Num lance de farol alto vi algo inusitado, mas em tempo de reduzir a velocidade. Era um porco gigantesco atravessando a estrada, que de tão grande cheguei a achar que era um javali. Na boa que o bicho pesava uns duzentos quilos. Praticamente parei para não atropelar o animal e esperei-o terminar a desengonçada travessia. Era gordo mesmo.

Uma hora e tanto depois, cheguei em casa, liguei a tv e um noticiário danou a mostrar os festejos do ano-novo chinês. Ano do porco, que para os chineses significa ano de fartura, de enriquecimento e prosperidade.

Foi ou não foi um sinal?

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Frases em embalagens

Esse texto já virou uma lenda cibernética. Diz a lenda que as frases abaixo foram encontradas em embalagens de produtos à venda em prateleiras de supermercados em Portugal. Não duvido mesmo que a maioria seja verdadeira.

Num secador de cabelos:
"NÃO USE QUANDO ESTIVER DORMINDO"
(Sei lá, você pode querer ganhar tempo)

Na embalagem do sabonete anti-séptico Dial:
"INDICAÇÕES: UTILIZAR COMO SABONETE NORMAL"
(Boa! Cabe a cada um imaginar pra que serve um sabonete anormal)

Na embalagem do ferro de passar Rowenta de fabricação alemã:
"NÃO ENGOMAR A ROUPA SOBRE O CORPO"
(Gostaria de conhecer a infeliz criatura que não deu ouvidos a este aviso)

Em alguns pacotes de refeições congeladas Swan:
"SUGESTÃO DE APRESENTAÇÃO: DESCONGELAR PRIMEIRO"
(É só sugestão! De repente o pessoal pode estar a fim de chupá-las como picolé)


Numa touca para a ducha:
"VÁLIDO PARA UMA CABEÇA"
(Alguém muito romântico poderia colocar a si e à pessoa amada na mesma touca)

Na sobremesa Tiramisú da marca Tesco, impresso no lado de baixo da caixa:
"NÃO INVERTER A EMBALAGEM"
(Ops!!! Leu o aviso é porque já inverteu!)

No pudim da Marks & Spencer:
"ATENÇÃO: O PUDIM ESTARÁ QUENTE DEPOIS DE AQUECIDO"
(Esse estudo foi feito por físicos da NASA)

Num expectorante pediátrico, da Boots:
"NÃO CONDUZA AUTOMÓVEIS NEM MANEJE MAQUINARIA PESADA, DEPOIS DE TOMAR ESTE MEDICAMENTO"
(Melhor mesmo é manter qualquer criança longe do controle de veículos e escavadeiras)

Nas pastilhas para dormir da Nytol:
"ADVERTÊNCIA: PODE PRODUZIR SONOLÊNCIA"
(Pode? Então pode ser que não produza?)

Numa faca de cozinha:
"IMPORTANTE: MANTER LONGE DAS CRIANÇAS E ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO"
(Tente imaginar um cão empunhando uma faca)

Numa caixa de luzes decoração de Natal:
"USAR APENAS NO INTERIOR OU NO EXTERIOR"
(Haverá outra forma?)

Nos pacotes de amendoim da Sainsbury:
"AVISO: CONTÉM AMENDOINS"
(Ah... estragou a surpresa)

Num saquinho de batatas fritas, cujo fabricante fazia uma promoção:
"VOCÊ PODE SER O VENCEDOR. NÃO É NECESSÁRIO COMPRAR. DETALHES DENTRO".
(Sem comentários)

Numa fantasia infantil de Super-Homem:
"O USO DESSE TRAJE NÃO O TORNA APTO A VOAR".
(Traumatizante como destroem a imaginação das crianças!)

E essa achei a melhor de todas:

Numa serra elétrica da Husqvarna, de fabricação sueca:
"NÃO TENTE DETER A SERRA COM AS MÃOS OU OS GENITAIS"
Alguém já terá tentado?

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Horror, náusea e nojo

Eu prometi a mim mesmo que não escreveria uma linha sequer sobre essa monstruosidade. Há muito que detesto noticiários, jornais em geral e programas mundo-cão. Mas ouvi por acaso a notícia no Transnotícias, programa de rádio protagonizado por três amigos muito queridos, de quem já falei aqui.

Como pai de uma criança na exata idade do pequeno barbarizado, o que senti ao tomar conhecimento foi o mesmo sentimento nauseabundo, ao imaginar o terror e abandono vivido pelo pequeno, nos minutos que o dilaceraram e tiraram sua preciosa vidinha. E penso no coração também dilacerado da mãe, no sentimento de impotência e na cena da absurda tragédia desaparecendo no horizonte, coisas que jamais abandonarão sua alma. Hoje, após lembrar involuntariamente da notícia e não conseguir conter minhas lágrimas decidi republicar a coluna do meu amigo Pelegi. Ele de certo modo conseguiu traduzir parte dos meus sentimentos e quiçá de todos os seres conscientes da vida.
Náusea (Texto de Alexandre Pelegi)

"Vi o noticiário nas primeiras horas desta manhã e fiquei paralisada ao saber do assalto no Rio de Janeiro que culminou na morte violenta de um menino de 6 anos. O espaço que há em mim para alocar barbáries e atrocidades não é o bastante para conter a minha consternação. O choro não ameniza o que sinto quando inevitavelmente se repete na minha imaginação a cena da criança sendo arrastada e esfacelada diante da impotência do público apavorado. Tampouco me conforta quando me coloco no lugar da mãe zelosa que conduzia seus filhos na segurança dos cintos que a maioria ignora e que, pela ação dos assaltantes, é lançada à mais dilacerante das experiências ao alcance de alguém; assistir à dor e agonia de seu filho, impossibilitada de qualquer atitude que possa salvá-lo do sofrimento e morte trágica. Estou em estado de aniquilamento. O que preciso hoje é esquecer que sou da espécie "natureza humana", portadora tanto do que faz bem quanto de monstruosidades como esta."

É minha amiga Maria Balé quem escreve, enojada com o desfecho trágico de mais um assalto nas ruas de nossas cidades. Aconteceu no Rio de Janeiro, mas sabemos que poderia ter acontecido – e poderá acontecer a qualquer instante – em qualquer parte do país. Vi mais tarde, pelos jornais da TV e na internet, que a polícia prendera os assassinos – três rapazes, um deles classificado nessa cada vez mais elástica denominação “menor de idade”.

Os bandidos – não seria mais correto chamá-los monstros? -, com o intuito de roubar um carro, arrastaram uma criança por sete quilômetros, atravessaram quatro bairros, passaram em frente a um quartel do Corpo de Bombeiros, a um Fórum de Justiça e a um quartel do Exército. Não havia polícia, não houve quem os detivesse. Os jornais informam que os jovens assassinos estavam tão certos de que não seriam presos, que estacionaram e trancaram o carro antes da fuga, e saíram calmamente da cena do crime.

Minha amiga descreveu com precisão a revolta que sinto. Nestes dias em que ainda repercutem as notícias de que nosso planeta está à beira do caos ambiental, culpa da ganância e irresponsabilidade de muitos, reforço ainda mais minha certeza de que a natureza apenas reage aos monstros em que nos convertemos. Me assusta o pressentimento de que nossa destruição como raça acontecerá da pior maneira possível – muitos de nós estão se tornando a cada dia mais cruéis, mais insensíveis, mais egoístas.

Que a revolta que sentimos não nos tire o pouco de esperança que ainda resta em um planeta viável. Mas que sirva, ao menos, para aumentar nossa indignação. Por trás de cada crime há várias autoridades omissas, muitos políticos corruptos, quase nenhuma punição. Não basta reclamar penas mais duras contra bandidos conhecidos. É preciso cortar o círculo vicioso que alimenta a violência.
(Texto publicado em "Voz Corrente" no site do programa nesta data)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

A odisséia da cidadania

Dezembro de 2006:

- Bom dia, moça! O tio precisa renovar a habilitação. É aqui?
- O senhor está com a carteira vencida?
- Sim, veja.
- A do senhor é das velhas que nem têm foto - a jovem gorducha faz questão de me jogar a idade na cara - .
- É o que está aí - disse eu visivelmente desagradado - .
- Então o senhor terá que estar fazendo o CFC ou os exames de defensiva e primeiros socorros.
- E onde diabos é isso?
- O senhor pode estar procurando qualquer CFC no seu local mais próximo e estar se informando.

Eu estava em uma das unidades do Poupa-Tempo, ou "gasta-tempo", como insisto em chamar. Para quem não é de SP explico: São gigantescas unidades de serviço burocrático governamental de múltiplas repartições. Em um só local um cidadão pode tratar assuntos de quase todas as áreas documentais e tributárias. Deve haver similares em outros estados, creio eu. Enfim, uma boa idéia. Mas o fato é que eu ainda estava sem habilitação, dirigindo ilegalmente mas foi por expiração de validade. Nunca acumulei pontos de infração que me suspendessem a CNH. Sou um motorista exemplar.

[/intervalo de alguns dias]

Achei um tal CFC autorizado a ministrar os exames. A atendente bem que tentou me vender um cursinho para eu saber o que havia sido alterado no Código de Trânsito e alguma outra coisa que me faria sentar a bunda por três dias na tal escola e deixar um polpudo cheque, mas rejeitei. Depois me deu como alternativa baixar umas tais apostilas de direção defensiva e não sei mais o quê na internet e rachar de estudar, pagando apenas o exame (R$28). Claro que esta era a alternativa mais barata e topei. Melhor ainda: mais tarde lembrei que a tia darling tinha as tais apostilas as tomei emprestadas. Dias depois fui fazer o famigerado teste no computador do CFC e tive a brilhante, sensacional e invejável avaliação de 90% de acertos. Considerando que sequer olhei as malditas apostilas foi muito bom. Tudo bem, eu confesso: as perguntas eram do tipo "se devemos ligar os limpadores de pára-brisa durante a chuva" ou "acender os faróis à noite" e coisas complexas assim. O importante é que já de posse do certificado e recibo de pagamento retornei semanas depois ao Poupa-Tempo.

[/intervalo de mais alguns dias]

- Olá moça, eu trouxe aqui o certificado. Aqui está minha CNH antiga. E meu RG.
- E as fotos, tio?
- Fotos? Vocês não capturam a imagem das pessoas com câmera digital?
- Não mais senhor. Esse sistema foi suspenso e não sabemos quando volta. A gente escaneia (sic) - tome neologismo digital - a foto que o senhor trouxer.
- Escaneia a foto?
- Sim. E o senhor pode estar tirando lá embaixo no fotógrafo do Poupa-Tempo.
Contrariado saí do atendimento e lá fui tirar as malditas fotos. Fotos digitais, diga-se de passagem. E como o tio não é lá muito fotogênico, é fato que as fotos ficaram horríveis. Bom, mas a máquina só reproduz o que focalizou, fazer o quê? Volto ao atendimento com as fotos.
- Olá moça, eu trouxe aqui o certificado. Aqui está minha CNH antiga. E meu RG. E agora as fotos.
- Xi senhor, esse RG é muito velho.
- Mas está legível e inteiro.
- Sim, mas sua foto está muito apagada. Esse documento é de 1.983 - joga mais uma vez na minha cara - e não identifica mais o senhor.
- Cáspita, mas e aí?
- O senhor vai ter que estar indo na SSP e tirando outro, antes de estar vindo fazer a CNH. Mesmo que não estando pronto, o senhor pode estar dando entrada na CNH só com o protocolo do RG.
- E onde eu faço o RG?
- Na ala B. Lá tem a SSP.
- Obrigado.
...

- Olá moça, eu preciso fazer meu RG.
A robótica responde:
- Certidão de nascimento ou de casamento original e uma cópia, foto 3x4. RG antigo o senhor perdeu? E um comprovante de endereço.
- Veja, eu tenho o RG que dizem estar velho. Não pode ser ele, já que vocês têm o cadastro aí na SSP?
- Por que? O senhor não tem certidão de nascimento original?
- Na verdade até tenho. Mas sou divorciado.
- Certidão de casamento averbada.
- Casseta, mas o cartório é no interior de SP.
- Então o senhor pode estar indo na central dos cartórios e estar pedindo uma segunda via.
- Onde é isso?
- Segundo corredor à direita.
- Obrigado.
...

- Olá moça, eu preciso tirar o RG, pra poder renovar minha CNH. Mas preciso de uma segunda via da minha certidão de casamento com a averbação do divórcio.
- O senhor sabe qual cartório?
- De Jacupiranga do Oeste* .
- Um momento - e fica digitando algo no computador - Aqui diz que nessa cidade tem dois cartórios civis, o senhor sabe qual é?
- O primeiro.
- Aqui estão os dados do cartório para o senhor estar entrando em contato. Se quiser podemos estar pedindo por aqui mesmo. Demora cerca de quize dias. Custa trinta reais, mais as despesas de Correio.
- Não tenho remédio. Peça.
- Qual é a data, livro, página e número da certidão?
- Ahn?
- Precisa desses dados para eles estarem achando lá. No mínimo a data do casamento ou do divórcio.
- Essas datas a gente prefere esquecer, moça. Fala sério. Posso chutar?
- Poder pode, senhor, mas se eles não acharem, depois de quinze dias eles vão estar respondendo que não acharam e vão estar demorando mais quinze para estarem devolvendo seu dinheiro.
Neste momento eu penso em quanto odeio gerundistas. Lembro que já é dezembro, começa a correria do Natal e do Ano-Novo. Tudo só se resolverá em janeiro. Então pra que ficar me esborrachando né?
- Obrigado senhora. Eu volto outro dia.
- De nada.
...

Janeiro de 2007:

Depois de gastar alguns interurbanos e conseguir do cazzo do cartório a mardita da certidão da merd... ah, deixa pra lá.

- Olá moça, eu preciso tirar o RG. Trouxe uma segunda via da minha certidão de casamento com a averbação do divórcio.
- Deixe eu ver. Hum... certo... foto... comprovante de residência... certo... Tudo bem senhor! Agora o senhor vai ao banco com esta senha - e me dá um papel - para estar recolhendo a taxa.
- Onde é o banco?
- Do lado do pavilhão central. Tem uma placa enorme lá.
- Obrigado. Já volto.
...

- Voltei, moça. Aqui está a guia recolhida e os documentos. Tudo aqui.

Pouparei o leitor do ritual de impressões digitais, assinaturas e questionário verbal no qual quase perguntaram quantas relações sexuais eu tenho semanalmente. Mas, antes tarde do que mais tarde. Peguei o protocolo do RG e pude ir ao Detran atualizar a CNH. Simples assim? Não, ainda recolhi outra taxa no banco, fui examinado por um médico e peguei mais umas três filas. Agora são filas de sentados com senha. Tinha até um porta-revistas com exemplares que servem de analgésico pela demora.

Fico pensando que, se é difícil assim para quem tem acesso à informação, sabe engraçar com atendentes, desembolsar taxas e emolumentos, telefonar para outras cidades e pagar antecipadamente por segundas vias de documentos, como será que faz o migrante pobre que veio de Caatinga dos Pelados* no interior da BA, do CE ou do PI e perdeu os documentos no bagageiro do Itapemirim? Ou simplesmente não faz?

CNH, RG, CPF, CC, CN, PIS, Título de Eleitor, CTPS, Reservista... Será que não dá pro Governo simplificar a identificação de um pobre cidadão? Precisamos mesmo de tudo isso?

Que venha o guarda. Agora o tio é habilitado.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Pesquisa política em MG

A estagiária de jornalismo está dando um duro danado em uma pesquisa de campo. Foi designada para uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Bate palmas à porta da primeira casa, da longa jornada do dia.

[clap clap clap clap]

Um matuto abre só a frestinha da porta, o suficiente pra pôr o olho.

- Bom dia senhor!
- Dia!
- Sou de um instituto de pesquisas e estou fazendo uma qualitativa de opinião. Este é meu crachá. Posso entrar?
- Uai, institu di quê?
- Pesquisa senhor.
- I tem pisquisá logu aqui?
- Não senhor. Vários bairros da cidade estão sendo pesquisados. Eu fui designada para este.
- I num há di tê otras casa?
- Todas vão ser pesquisadas. Comecei por aqui. Então, posso entrar?
- Sei não sinhora.
- Como não sabe, meu senhor? O senhor não é o dono da casa?
- Sô donu di nada não.
- Mas o senhor não mora aqui?
- Moru, mais di aluguel.
- Não importa. Por favor senhor, é um trabalho importante.
- Tindi. Fazê u quê? Intão entra, uai.

Contrariado, o mineiro abre a porta e a moça vai entrando.

- Com licença. A pesquisa é sobre política local.
- Xi. Lá vem cois...
- Qual seu nome, por favor?
- Nomi? Como assim?
- Nome, senhor, seu nome. Preciso preencher no formulário.
- Mais aí ocê vai fazê u quê cum meu nomi?
- Absolutamente nada, senhor. Os dados são sigilosos e não vão jamais ser divulgados, ok?
- Uai, si num vai divurgá intão num há di tê pricisão du meu nome, num é mes?
- Mas senhor...

Nesse momento a garota lembra que precisa visitar mais tantos lares naquele dia e resolve escrever qualquer nome no formulário.

- Muito bem senhor! Vou escrever aqui José da Silva, ok?
- Ocê qui tá dizênu.
- Bem, o senhor acompanha a política daqui da cidade, certo?
- Sei nadinha di pulítica não, môça.
- Como não? O senhor não é daqui?
- Sô não sinhora.
- De onde o senhor é?
- Di otra cidade.
- Sim, mas mora nesta casa há quanto tempo?
- Aqui?
- Sim.
- Nessa casa faiz sêis mêis.
- Então o senhor chegou há pouco tempo na cidade?
- Um tiquim.
- Quanto tempo?
- Uns quinzi anu, achu.
- Ora bolas, então onde o senhor morava antes desta casa?
- Na rua ditráis, uai.

A pesquisadora começa a suar.

- Vamos lá: Em qual candidato o senhor votou para prefeito nas últimas eleições?
- Quandu é qui foi isso?
- Foi no final do ano passado. E o senhor já morava aqui, não é?
- Já disse qui não dona. Eu morava na rua di tráis.

A moça desiste da questão e assinala qualquer coisa.

- Entendo. Então vou para a questão dois. O que o senhor acha da prefeitura daqui?
- Nunca fui lá não.
- Estou perguntando da administração da cidade.
- Qui tem ela?
- Esta página da pesquisa é de satisfação. A administração é boa ou ruim?
- Ah... uns diz qui é boa... otros diz que é ruim.
- E o senhor?
- Qui tem eu?
- O que o senhor diz?
- Digo nada não, dona. Só vô iscutano as prosa dus ôtru.

A estagiária sonha com o dia em que trabalhará em uma redação.

- Pois bem senhor e os vereadores?
- Di ondi?
- Daqui, ora!
- Conteceu arguma coisa cum eles?
- Não, mas em qual vereador o senhor votou na última eleição?
- Sei não.
- Como não sabe? Na sua porta tem um cartaz de um candidato.
- É messss... Qui coisa, dona! Si a sinhora num fala eu num tinha vistu, sô. Vai vê tá aqui dêis di antis di eu mudá e num notei. Inda bem qui a sinhora aviso... Já vô inté mandá tirá... Ô fio, vem cá mais u pai fazê uma cois... Essas criança são fogo dona... Priguiços qui só... Ói um dia dess u minorzim deles, me aprontô uma...
...