Vagão do trem. Um cenário já bem familiar pra mim há alguns meses. Proibidos dentro dos trens os vendedores ambulantes agora andam disfarçados. Entram como qualquer outro passageiro, geralmente com uma mochila ou bolsa de nylon e, mal o trem parte, desandam a vender todo tipo de quinquilharia: canetas, isqueiros, doces e outras coisas. Sempre de baixo valor agregado, talvez porque as apreensões sejam freqüentes.
Eu estava sentado no degrau ao fundo do trem, naquelas portas que ligam um vagão ao outro mas ficam travadas já faz tempo. O trem começou a andar e um vendedor sacou de uma pilha de "chocolates" (entre aspas mesmo) e ligou a matraca:
- Olha aí gente, chocolate da melhor qualidade. Quem assistiu
o Domingo Legal viu a propaganda. No Extra tão vendendo por quatro
réau, no Carrefour
tá três e oitenta e eu
tô vendendo por apenas três reais. Mas
peraí... Xi gente! - O sujeito faz que está olhando para um ponto infinito na plataforma, vários passageiros tentam ver também - o segurança me viu. Agora ele vai avisar pra próxima estação. Vou perder tudo pro rapa. Mas a vida de ambulante é assim mesmo.
O malandrão olha pra cara dos passageiros consternados. Alguns deviam estar pensando: "coitado, trabalhando; não tá roubando". Foi quando o vendedor de "chocolates" resolveu fazer uma liquidação:
- Aí gente, sujô mesmo. Vou acabar com tudo. Prefiro perder pra vocês
do quê pra eles. É um real só. Um real cada, pra acabar com tudo. Podem ficar com todos. Eu me viro depois com esses trocados e começo minha vida de novo.
Senti vontade de rir, mas parei ao perceber um rebuliço total entre os passageiros. Procuravam trocados nas bolsas pra aproveitar a promoção bota-fora do mascate. Foi um arraso. O cara vendeu uns trinta "chocolates" em alguns segundos. De duas moças que estavam do meu lado, ouvi uma dizendo pra amiga que ia pegar logo dois, porque essas coisas não acontecem duas vezes. Inacreditável.
Terminada a venda-relâmpago o cidadão desceu normalmente na próxima estação. Acho até que esqueceu que estava fugindo. A pinta era mais de quem tinha cumprido a missão.
Agora vamos ao produto: a moçoila do meu lado quando eu desci já estava comendo um. Pude perceber na parte mordida que o mais próximo de chocolate era uma fina cobertura marrom-escura, sabe-se lá do quê. Dentro predominava uma gororoba abiscoitada e esfarelenta. A sujeita nem percebeu, tal voracidade com que comia. Ou nunca comeu um chocolate de verdade.
Esse povo todo tem título de eleitor, viu?