domingo, 17 de janeiro de 2010

Os carrascos do Haiti

Dois Haitis: a praia paradisíaca para turistas e ricos versus a população miserável.

As sucessivas tragédias que abatem o Haiti não são nem de longe monopólio da Natureza. Talvez esta última não se compare em número de mortos com todas as outras. Habitada por índios Caraíbas e Tauínos há quase dez mil anos, o Haiti foi aviltado no século XVI com a invasão espanhola. Em poucas décadas a população original foi dizimada. No ciclo seguinte, no qual a economia mundial era regida por monoculturas coloniais exportadoras e comércio de escravos africanos - não necessariamente nessa ordem -, o território seria rifado aos franceses, para os quais acabou sendo a mais próspera e rentável fonte exploratória.

Mas a passividade não é uma característica da região. O Haiti seria adiante palco de sangrentas revoltas, nas quais os escravos afro-exportados e franceses se degladiariam e alternar-se-iam por várias vezes no poder. Até que, em meados do século XIX, o país seria dividido econômica, política e quase solidariamente entre Espanha e França. Terra dizimada, repovoada artificialmente, é no início do século XX que a Primeira Guerra Mundial vai propiciar à potência emergente dos EUA um rearranjo econômico e territorial, segundo o qual ela se torna "dona" da região. É melhor dar os nomes corretos às coisas e invasão é mais propício, seja por Colombo, seja pelos EUA.

Ao contrário do que se alardeou, os novos interventores do Haiti não foram apaziguadores. Não pode haver paz em Estados sem soberania, atrasados e com divisões de classe tão pronunciadas. Por isso a região nunca estabilizou-se politicamente, de modo que contínuas revoltas e guerras étnicas fariam do Haiti no século XX um cenário de incessantes quedas e ascensões de governantes. Até que em 1957 ocorreu a que talvez tenha sido a mais macabra e assustadora permanência no governo, com a ditadura dos Duvalier. Eleito à presidência, o médico François Duvalier, conhecido como Papa-Doc, daria início à mais medonha fase do Haiti. Os órgãos e polícias do Estado seriam substituídos e ocupados por Ton-tons Macoute - algo traduzível como Bichos-Papões -, que passaram a policiar as ruas com armas de fogo e facões a mutilar e assassinar quem demonstrasse o menor indício de antipatia pela família Duvalier e seus desmandos. Além de roubar o erário público e expropriar as pequenas propriedades agrícolas, Papa Doc instituiu a proibição de qualquer religião que não fosse o vodu, fechou órgãos de imprensa, escolas e sua família assumiu o controle de atividades econômicas de exportação. Governo este bem apoiado e referendado pelos EUA, vale, dizer. Notícias limitadas que chegaram ao exterior davam conta de que os rios
que cortam o país tingiram-se de vermelho e viraram depósitos de milhares de cadáveres mutilados pelos Ton-ton Macoutes, como ação patrocinada pelo governo. Com a morte de Papa Doc, seu filho "Baby Doc" (Jean Claude) assumiria, validado pela constituição do país escrita por seu pai que, entre outras coisas, dava poder vitalício à família.

No final da década de 80 não suportando as revoltas populares e principalmente com pouco para explorar, já que a economia do país estava em farrapos, a família Duvalier se manda para a França. Termino este triste currículo citando a malfadada democratização do país, com a eleição presidencial livre do padre Jean-Bertrand Aristide, que não conseguiu resistir a outro golpe protagonizado pelo militar Raúl Cedras. Agora, depois de mais duas décadas de instabilidades que se sucederam, forças de paz da ONU estão lá ocupando o país. Tenho ressalvas com qualquer coisa que a ONU chame de paz. O Haiti encontra-se economicamente destroçado. Mal e miseravelmente consegue ainda exportar alguns produtos agrícolas primários. É um país de famintos: sua renda percapita é inferior à de favelas cariocas. Não tem saúde: a expectativa de vida mal chega aos sessenta anos. Não tem organizações políticas civis sólidas e seu índice de analfabetos já ruma aos 60%.

Empresários do mundo inteiro esfregam as mãos e já houve quem proclamasse em jornais que o Haiti é "um celeiro de oportunidade$". E onde está o ex-ditador agora? Ora, o mundo capitalista recebe bem a qualquer sanguinário, desde que traga consigo muita grana, não é mesmo? Baby Doc e a ex-esposa ainda vivem confortavelmente sob as asas protetoras do governo francês e - pasmem! - pleiteiam reaver a fortuna que roubaram do povo e encontra-se bloqueada nos bancos suíços. Não duvidem que consigam, meus caros leitores. E agora, vamos botar a culpa na Natureza pelos males que assolam o Haiti?

Agora, aquela pergunta de sempre, que não quer calar: o que é que as tropas brasileiras estão lá, senão violando a soberania e dando sustentáculo para a ONU, até que a atual potência hegemônica volte a se estabilizar lá? Se quiserem ler uma opinião bem embasada a respeito, leiam o artigo escrito lá no início de 2007 pela jornalista Elaine Tavares AQUI. A melhor paz que poder-se-ia dar agora ao Haiti seria terminar de salvar os desabrigados e dar ajuda econômica, sem cobrança posterior. Assim os haitianos poderão voltar a sonhar e lutar por um lugar digno e pelos seus direitos aviltados pelas multinacionais estadunidenses. Termino por aqui com um recadinho para nosso caro presidente:

Sr. Luís Inácio, tire nossos jovens fardados de lá! Basta dessa colaboração vergonhosa!

domingo, 10 de janeiro de 2010

A pior miséria é orgulhar-se desta

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Confortáveis e...?

De verdade, pessoal. Como é que alguém tem coragem de sair na rua calçando isso? Alguns ex-amigos que usam (rompi com todos) vinham me dizer que era confortável. Ok, pantufas também o são. Então posso sair às ruas calçando-as? Façam-me um favor!

Ocride, fala pra mãe...

Um amigo meu frequentou várias festas com "famosos" por conta de seu trabalho. Durante essa trajetória ele criou uma proposta de classificação a respeito desses. Segundo sua teoria, os famosos poderiam ser divididos em três grupos: primeiro, aqueles que são famosos pela posição sócio-econômica. Gente endinheirada ou de sobrenome nobre, que está nos pódios do capitalismo, ou ao menos bem perto deles. Uma lista bem seleta. O segundo grupo seria formado por aqueles que ficaram famosos devido a prodígios ou talentos admiráveis: escritores competentes, bons cantores, intérpretes cênicos, realizadores ou líderes de feitos sociais e políticos. Enfim, esta lista teria possibilidades mais amplas, posto que não exige capital inicial e os protagonistas poderiam se valer de uma limitada mobilidade social. O último grupo seria o mais desprezível na opinião de meu amigo. Na rubrica que ele criou para classificar os seres desta lista, a justificativa é "são famosos porque são famosos". Traduzindo: não cantam, não encenam dramaturgias, não sabem pintar, não lideram nada, não têm atributos mnemônicos ou cognitivos vistosos (geralmente são o oposto!), não dançam e, enfim, é difícil encontrar nos seres dessa casta algo que lhes justifique o assédio da imprensa e, no limite, até o seu consumo de recursos naturais.

Em tempos de bundalização televisiva, muitas moçoilas detentoras de quadris que eu chamaria de grotescos são incluídas e ovacionadas nesse grupo de famosos porque são famosos. Do mesmo modo, rapazotes altos e anabolizados idem. Há também os pseudo-cantores, que cedem suas pseudo-vozes para pseudo-canções, resumíveis em podridão com acordes e batidas mal ajambrados. Em todos os casos, é preferencial que não abram as suas bocas e não profiram nada. Mas são exatamente estes os preferidos do grande público, que disponibiliza tempo e energia elétrica para assistir aos reality shows proliferantes nas emissoras abertas e fechadas.

Essa enorme população telespectadora é composta de seres com atrofia intelectual progressiva e que fazem questão de aprofundar as sua necrose neural a assistir, com bocas aberta e olhos vidrados, às sequências infindáveis de perda de tempo e vazio de conteúdo. E não me venham com teorias de conspiração que colocam isso tudo sob um manto de intencionalidade política, seja lá de quem for! Isso é fantasioso. Os canais de TV, principalmente os abertos, são sustentados por fileiras de vendedores de quinquilharias, que inserem sua mercadologia nas brechas entre as "informações" inúteis dos programas equivalentes. Até aí concordo que, quanto menos crítico, mais potencialmente o telespectador torna-se comprador das inutilidades domésticas e dos produtos milagrosos, capazes de deixar qualquer barango barrigudo com o físico dos velhos tempos do Schwarznegger ou transformar medusas em Claudias Schiffer ou Naomis Campbell. Mas isso é simbiose pragmática, nunca conspiração. Conspiração presumiria inteligências nos bastidores televisivos e está duro de crer que haja alguma atualmente.

Eu não me arriscaria a listar aqui sequer meio nome desses "famosos porque são famosos", nem sob tortura. Não tenho advogados que me safariam dos previsíveis processo por calúnia, injúria ou difamação. Mas você mesmo pode passar pelos canais da TV e verificar que eles participam de fazendas-disto, bigs-aquilo-outro, apresentam programas de auditório e entrevistas. Até mesmo ancoram a pretensos programas de notícia. Estão aí, enchendo as burras de ouro, frequentando festas badaladas, hospedando-se em castelos e ilhas e figurando em capas de revistas tão inúteis, fúteis e fugazes quanto eles mesmos. Mas se o povão gosta, fazer o quê? Me preocupa que essa parcela do povo tenha licença para uma coisa muito mais perigosa e mortífera do que portar uma arma de fogo. Me refiro agora ao título de eleitor. Não é de surpreender que, de quatro em quatro anos, essa turba ignóbia vote em sujeitos que escondem dinheiro em peças íntimas, compram merenda escolar a preço de caviar, aumentam vertiginosa e desavergonhadamente seus próprios salários, mantém fundações fantasmas com o erário público e por aí vai.

Quem sabe, um dia, se um bom trabalho educacional escolar a partir da primeira infância - mas com muita persistência mesmo! - comece a formar uma população mais preparada, capaz de rejeitar o lixo, a começar pelos famosos porque são famosos e terminando por defenestrar a camarilha de bastardos que constroem seus habitats nas instituições políticas? Em vinte ou trinta anos daríamos cabo na escória social e política. Quem sabe? Não custa sonhar. Tentar custa um bocado, mas pode valer à pena.