quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Ano novo: além da simples cronologia

atas comemorativas têm lá sua graça se pensarmos nos festejos, na comilança, bebidas e como desculpa para nos reunirmos com pessoas queridas (algumas nem tanto assim). Mas a demarcação cronológica dos anos faz cada vez menos sentido na vida das populações urbanas. Nossos ciclos de vida tomaram uma dinâmica que nada tem a ver com a sucessão de dias e meses e, de fato, pouco importa. Exceto por alguns impostos, cobrados em janeiro, como o IPVA e o IPTU, quase nada muda com as tais passagens de ano novo. Já existem inclusive vários cursos universitários e de pós-graduação que não se pautam mais em períodos letivos tradicionais e iniciam-se em qualquer mês do ano. Talvez seja por isso que vejo o decréscimo da importância das festas de virada de ano. Se algo muda e renova, há de ser em nossas vidas, como resultado de decisões, ações de mudança e conquistas.

Dentro de minha maneira peculiar de ver as coisas, acabei adotando uma "festa de fim de ano" com parte de meu círculo familiar mais próximo - os que moram em Sampa -, agora acrescido de minha querida nora. Do jeito que dá, arranjamos uma noite qualquer, no meio da semana mesmo, e vamos a um restaurante jantar juntos, coisa que praticamente não fazemos no restante do ano. No jantar comemoramos e brindamos às pequenas conquistas de cada um, mudanças que conseguimos imprimir em nossas vidas simples, mas que têm significado de renovação, muito mais do que os dígitos do calendário esvaziado.

Às vezes ocorre de algum de nós não trazer nada à mesa como marco na vida, mas isso não importa e fazê-lo não se trata de obrigatoriedade, senão para consigo mesmo. Nesse caso pode ser que a própria reunião sirva individualmente, quando deixamos um longo período passar liso e não inserimos nenhuma medida nova na vida, valendo então como questionamento. Se servir para isso, a reunião acabará por ser boa, mesmo para quem não declara nada. Dali para diante abre-se a chance de rever-se e reinventar-se, coisa que todos precisamos fazer, a todo e qualquer tempo.

Neste ano, entre outras coisas, celebramos minha certificação da pós-graduação, o término do ciclo I do ensino fundamental da caçula (vale dizer que com excelentes notas), uma promoção da nora, da qual ainda não sabemos bem as re$ultante$ e outra que, em minha opinião, foi a mais audaciosa de todas: a darling se matricular em um curso de licenciatura. Às vésperas de se aposentar de sua carreira administrativa, momento em que a maioria pensa em mofar em casa e sobreviver de minguado pecúlio, minha voluntariosa companheira enseja uma segunda carreira. Essa é minha companheira!

Ano novo de fato é isso minha gente! E podemos começá-lo em janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho... 

sábado, 10 de dezembro de 2011

O mundo não é para os fracos

Família pobre. O pai operário, com baixa qualificação e de empregos inconstantes por muito tempo, o que exigia mudanças igualmente frequentes de residência da família, que morava de aluguel. Assim não era possível que o menino cultivasse amizades duradouras, circunstância que o afetava um bocado. A mãe, muito simples e que mal frequentara três anos incompletos de escola, cuidava do lar fazendo malabarismo para dar conta de alimentar a si, dois filhos e o marido, com os parcos recursos obtidos por este. Para os filhos, nada de materiais escolares abundantes e de boa qualidade, roupas de marca ou calçados vistosos. Tudo sempre do mais simplório, mas sem nada faltar. Lenta e tardiamente é que alguns pequenos confortos foram adentrando a casa da família, incluindo a televisão e a geladeira, pontos de honra para uma família da classe trabalhadora que via o The American Way of Life como modelo nunca alcançado. Essa na verdade é minha origem.

O que pode servir de pretexto para os letárgicos conformados pode servir de motivação para os afrontadores como me considero. De vez em quando tenho notícias de alguns que frequentaram os mesmos bancos escolares comigo e me decepciono. Considerando que em renda familiar e em benesses decorrentes minha família ficara sempre no rodapé dos remediados, se a perpetuação fosse uma lei, eu encontraria aqueles meus contemporâneos em situação social muito melhor que a minha. Mas tal não se dá. Na média deparo-me com ex-colegas sem profissão definida, muitos sem formação acadêmica e - em casos extremos - sujeitos com falta de dentes posteriores, o que considero caso de penúria e baixa autoestima alarmantes. Não por acaso é que intuitivamente me afasto destes, talvez mais por representarem o que poderia ser eu. Embora eu me sinta um pouco culpado por essa escolha, acho que me faria mais mal a proximidade deles. Só um bom terapeuta há de me ajudar a desvendar isto.

Também eu não sou lá grande coisa hoje. Mas me orgulho de minhas formações acadêmicas - algumas recentes e extemporâneas - assim como de minha múltipla formação profissional, que vão de lavar banheiro embosteado por patrão porco a já ter comandado programadores e analistas competentes, dialogando com (e arrancando grana de) empresários bem de vida. Formações ecléticas que me permitem dialogar com praticamente qualquer área de conhecimento sem manifestar ignorância plena ou, no caso de esta persistir, de demonstrá-la com a tranquilidade de quem já aprendeu que ninguém sabe tudo. Me orgulho de ser capaz de gerar recursos suficientes para manter um padrão de vida muito melhor do que daquele de onde vim, de jamais ter perdido a sede de saber e de estudar tudo o que consigo alcançar em uma estante, o que me fez investir muito do dinheiro que passou por minhas mãos em livros e cursos. E nestes últimos aspectos penso que resida o meu "sucesso sobrevivente", que nada tem a ver com esse sucesso pregado pelos embusteiros da cultura da autoajuda comportamental.

Ps.: Essa foto não é do colégio em que trabalho.
Creio que essas razões acima me fazem enxergar que os novos tempos de minha militância política hão de se dar na área educacional. É por isso que sinto tanta satisfação em colaborar com a educação de jovens e adultos, trabalho que hoje exerço ainda voluntariamente em um colégio em São Paulo. Nesta semana pude entregar, junto com outros professores, os certificados de conclusão de Ensino Fundamental I para alguns alunos que conseguiram passar nos exames de suplência. Não dá para esconder a emoção, ao constatar que esses tiveram sua autoestima elevada, sua dignidade resgatada e suas possibilidades de elevar o padrão de vida ampliadas. Esses já são vencedores ao romper com o continuísmo e o conformismo de que "sempre foi assim".

Esses são os meus. Aqueles que tiveram seu berço e suas chances, as desperdiçaram e hoje moram em casas precárias, andam com fala de dentes e desorientados profissionalmente, sinto muito. Por essas e tantas outras o meu tempo é dos que querem vencer!

sábado, 3 de dezembro de 2011

Ações e significados: fim do período letivo.

Fico pasmo toda vez que constato a falta de interpretação, que grande parte dos seres humanos demonstra sobre fatos do cotidiano. Toda ação tem um significado, por mais insensata que ela possa parecer. Ações traduzem formas de pensar e de sentir. Essa é minha premissa para a postagem de hoje.

Essa foto eu tirei ontem, na fachada da Escola Estadual Helena Lombardi Braga, na zona leste de São Paulo. O ano letivo foi dado como terminado e esse lixo são cadernos e livros rasgados, peripécia realizada pelos alunos. Todo ano o fato se repete em várias escolas e se perpetua, como um ritual. Do que se pode presumir que ninguém faça nada a respeito. Além do prejuízo urbano da sujeira, entupimento de bueiros e sobretrabalho da limpeza pública há outro lado nisso. Está na mensagem dos alunos a respeito das aulas e da escola como um todo.

A mensagem subliminar da ação porcalhona é clara: "Professores, diretora e pais, essa escola é uma merda, estudar é um saco e olha aqui o que nós fazemos com o lixo a que vocês nos obrigam". Simbolicamente todo o suado trabalho dos professores e da direção vão para a sarjeta. Está muito claro. Ok, ninguém é obrigado a reter conhecimentos, valorizar os estudos, tampouco guardar material que não será mesmo reutilizado (embora possamos discutir a questão dos livros, que são reaproveitáveis).

Rasgar todo material - diga-se de passagem distribuído gratuitamente e indistintamente aos alunos - representa o menosprezo e desídia com que os alunos veem o que chamamos de educação pública. Talvez essas famílias não se lembrem, mas há pouco mais de duas décadas não se distribuía material escolar, nem mochilas, tampouco uniformes e não havia necessariamente vagas em escolas públicas para todos, sobretudo no período noturno, para atender jovens que ingressavam no mercado de trabalho e que só podiam continuar a estudar à noite.

A poucos metros do colégio vi um catador de recicláveis suando a puxar sua carrocinha e me ocorreu: Por que não promover coleta organizada do material em um evento, de preferência com a presença de um ou mais catadores de recicláveis do bairro? Quanta pauta e quanto assunto isso renderia! Sei que isso não foi feito porque tenho contato com alunos desse colégio. Mas imagino que alguns professores - e talvez a direção -  possam alegar necessidade de cumprir o calendário, conteúdos e, enfim, reproduzir tudo o que já foi feito no ano passado. Portanto não há tempo pra fazer esse tipo de coisa. Só que aprendizagem sem contextualização é vã. A prova está na foto. Mas vamos lá aos PCN's, que mencionam fartamente cidadania e educação ambiental!

Tudo bem, não me intrometerei mais no trabalho alheio. Apenas digo que também trabalho em um colégio (particular), onde a reciclagem se tornou assunto do cotidiano e os alunos recolhem tudo o que não será reaproveitado para doação, inclusive livros. Se alguém quiser visitar, terei prazer em indicar aos interessados. Se a direção quiser, me disponho até a comparecer nesse colégio estadual, como voluntário, para falar com os alunos sobre isso. Seria até uma forma de eu devolver a boa educação que tive em escolas estaduais, onde não me lembro de presenciar cenas tão deprimentes.

Sem mais para o momento prometo que, nesta mesma época em 2012, postarei uma foto atualizada e torcerei para que a imagem não seja idêntica.