sábado, 15 de outubro de 2011

Erradicar o analfabetismo é o melhor acúmulo tecnológico



uitos de nós discutimos nas redes e em outros fóruns sobre melhorias sociais, progresso econômico e inclusão. Enfim e de certo modo, a maioria de nós concordamos que é preciso acabar com a miséria e que não é concebível que, em um mesmo território, alguns tenham direito de possuir carros de cem mil dólares e outros não tenham um dólar por dia para se alimentar. Ainda que estejamos há mais de um século de 1888, chamo a estes últimos de cativos dos novos tempos. E como nos tempos escravagistas, há diversos níveis de cativeiro diferentes. Da senzala à cozinha da casa grande, o que temos hoje não são senão versões melhoradas do regime passado.

Contudo, há estruturas e superestruturas que garantem a permanência das coisas como estão. Quero chamar aqui a atenção para a educação. Dentro e fora da escolarização formal pairam ideologias que atribuem a pobreza à baixa escolaridade. Laudas, páginas e tomos inteiros dedicam-se a correlacionar a baixa renda com a baixa escolaridade. Basta visitar o site da UNESCO e conferir. Mas há algo mais engenhoso por trás dessa constatação questionável: a premissa de que o únicos conhecimentos válidos - nesse caso para ascensão social - são aqueles determinados pela escola formal. E, dentro desta, não será por acaso que algumas ciências são privilegiadas e outras praticamente abandonadas. Currículos oficiais são fruto de ações e decisões humanas, logo artificiais. Em última análise justificam a extratificação social. Assim é que torna-se "óbvio" que médicos, advogados e engenheiros "tenham que ganhar mais" do que lavradores, faxineiras, pedreiros e estivadores. Será tão óbvio assim?

Dirijo-me especialmente aos educadores: sei que é nosso papel transportar os estudantes, quer sejam sejam crianças, jovens ou adultos ao universo das ciências. Mas podemos fazê-lo de modo mais audacioso, colocando-lhes em permanente questionamento de que, por trás do status social que alguns conhecimentos têm por sobre outros, há um mercado de bens e serviços, intencionalmente construído, que valoriza umas coisas e desvaloriza outras. O que quero dizer com isso é que, em essência, não há conhecimentos "melhores" ou conhecimentos "piores". A estrofe de um cordel não é inferior a uma produção de Chico Buarque; os acordes sanfonados de um xote não são menos belos do que o dedilhado de João Gilberto; um grupo de maracatu ou teatro mambembe não é menos cultural do que uma apresentação (caríssima) do Circo de Soleil. As culturas têm valor intrínseco.

Colocadas as premissas acima, apelo a todos quantos possam: ajudem nossos trabalhadores menos favorecidos a conquistarem os códigos das letras e dos números, a se apossarem da parte das ciências que os ajudem a viver melhor, a não precisarem mais apresentar papeizinhos escritos por terceiros e perguntar para estranhos na rua onde fica tal endereço. A pior prisão, sem sombra de dúvida, é a treva da ignorância, pois aprisiona e domestica a consciência. Viver como um iletrado num mundo de regras letradas é ser um pária em seu próprio país. Não vamos conseguir construir sociedades melhores, porquanto persistir a segregação social, mediante artifícios tão sutis e perversos como o analfabetismo e as ideologias que sacramentam a inferiorização dos tais iletrados. Ensinar e conscientizar é preciso! 

Como militante da educação de jovens e adultos (EJA) convoco a todos quantos possam: aventurem-se a dedicar, ainda que umas horinhas de seu tempo, a essa urgente tarefa. Eu lhes asseguro: aprenderão com esses educandos tardios coisas com as quais se espantarão; descobrirão que esses supostos ignorantes graduaram-se desde sempre, na melhor e mais verdadeira escola que existe: a vida. Constatarão que eles já são vencedores, ao sobreviverem sem as letras em um mundo que só privilegia os letrados. Só lhes faltam as letras. E isto, nós, os letrados e privilegiados, podemos solidarizar com eles, ajudando-os a viver melhor e a conquistarem a dignidade em suas consciências.