domingo, 10 de janeiro de 2010

Ocride, fala pra mãe...

Um amigo meu frequentou várias festas com "famosos" por conta de seu trabalho. Durante essa trajetória ele criou uma proposta de classificação a respeito desses. Segundo sua teoria, os famosos poderiam ser divididos em três grupos: primeiro, aqueles que são famosos pela posição sócio-econômica. Gente endinheirada ou de sobrenome nobre, que está nos pódios do capitalismo, ou ao menos bem perto deles. Uma lista bem seleta. O segundo grupo seria formado por aqueles que ficaram famosos devido a prodígios ou talentos admiráveis: escritores competentes, bons cantores, intérpretes cênicos, realizadores ou líderes de feitos sociais e políticos. Enfim, esta lista teria possibilidades mais amplas, posto que não exige capital inicial e os protagonistas poderiam se valer de uma limitada mobilidade social. O último grupo seria o mais desprezível na opinião de meu amigo. Na rubrica que ele criou para classificar os seres desta lista, a justificativa é "são famosos porque são famosos". Traduzindo: não cantam, não encenam dramaturgias, não sabem pintar, não lideram nada, não têm atributos mnemônicos ou cognitivos vistosos (geralmente são o oposto!), não dançam e, enfim, é difícil encontrar nos seres dessa casta algo que lhes justifique o assédio da imprensa e, no limite, até o seu consumo de recursos naturais.

Em tempos de bundalização televisiva, muitas moçoilas detentoras de quadris que eu chamaria de grotescos são incluídas e ovacionadas nesse grupo de famosos porque são famosos. Do mesmo modo, rapazotes altos e anabolizados idem. Há também os pseudo-cantores, que cedem suas pseudo-vozes para pseudo-canções, resumíveis em podridão com acordes e batidas mal ajambrados. Em todos os casos, é preferencial que não abram as suas bocas e não profiram nada. Mas são exatamente estes os preferidos do grande público, que disponibiliza tempo e energia elétrica para assistir aos reality shows proliferantes nas emissoras abertas e fechadas.

Essa enorme população telespectadora é composta de seres com atrofia intelectual progressiva e que fazem questão de aprofundar as sua necrose neural a assistir, com bocas aberta e olhos vidrados, às sequências infindáveis de perda de tempo e vazio de conteúdo. E não me venham com teorias de conspiração que colocam isso tudo sob um manto de intencionalidade política, seja lá de quem for! Isso é fantasioso. Os canais de TV, principalmente os abertos, são sustentados por fileiras de vendedores de quinquilharias, que inserem sua mercadologia nas brechas entre as "informações" inúteis dos programas equivalentes. Até aí concordo que, quanto menos crítico, mais potencialmente o telespectador torna-se comprador das inutilidades domésticas e dos produtos milagrosos, capazes de deixar qualquer barango barrigudo com o físico dos velhos tempos do Schwarznegger ou transformar medusas em Claudias Schiffer ou Naomis Campbell. Mas isso é simbiose pragmática, nunca conspiração. Conspiração presumiria inteligências nos bastidores televisivos e está duro de crer que haja alguma atualmente.

Eu não me arriscaria a listar aqui sequer meio nome desses "famosos porque são famosos", nem sob tortura. Não tenho advogados que me safariam dos previsíveis processo por calúnia, injúria ou difamação. Mas você mesmo pode passar pelos canais da TV e verificar que eles participam de fazendas-disto, bigs-aquilo-outro, apresentam programas de auditório e entrevistas. Até mesmo ancoram a pretensos programas de notícia. Estão aí, enchendo as burras de ouro, frequentando festas badaladas, hospedando-se em castelos e ilhas e figurando em capas de revistas tão inúteis, fúteis e fugazes quanto eles mesmos. Mas se o povão gosta, fazer o quê? Me preocupa que essa parcela do povo tenha licença para uma coisa muito mais perigosa e mortífera do que portar uma arma de fogo. Me refiro agora ao título de eleitor. Não é de surpreender que, de quatro em quatro anos, essa turba ignóbia vote em sujeitos que escondem dinheiro em peças íntimas, compram merenda escolar a preço de caviar, aumentam vertiginosa e desavergonhadamente seus próprios salários, mantém fundações fantasmas com o erário público e por aí vai.

Quem sabe, um dia, se um bom trabalho educacional escolar a partir da primeira infância - mas com muita persistência mesmo! - comece a formar uma população mais preparada, capaz de rejeitar o lixo, a começar pelos famosos porque são famosos e terminando por defenestrar a camarilha de bastardos que constroem seus habitats nas instituições políticas? Em vinte ou trinta anos daríamos cabo na escória social e política. Quem sabe? Não custa sonhar. Tentar custa um bocado, mas pode valer à pena.

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