quinta-feira, 1 de abril de 2010

Por que aprender isso?

- Professor, por que eu tenho que aprender isso?

Quem quer que já tenha lecionado, ou ao menos frequentado uma sala de aula de ensino regular, já ouviu essa pergunta. Talvez a tenha feito, como eu mesmo fiz a dezenas de professores durante minha infância e adolescência.

A reação mais comum entre os professores é a de irritação. Afinal, como um aprendiz ousa desafiar o mestre com tal bravata? Ou então o professor responde com a indiferença e frieza de um algoz, que precisa ajustar o nó da forca e apenas puxar a alavanca do alçapão, materializando a sentença: "Porque está no currículo", "Porque cai no vestibular", "Porque cai na prova". Não sei qual é a resposta pior, mas o fato é que grande parte dos professores não refletem sobre a contextualidade, utilidade, aplicabilidade e significância do que ensina.

No ano passado um conhecido meu, professor de Matemática, desabafou comigo sobre o desinteresse dos seus alunos do Ensino Fundamental II. Naqueles meses o assunto era Geometria plana. Segundo ele, ninguém queria nada com nada a respeito dos seus formosos polígonos, arcos, ângulos e triângulos. Restava-lhe dar o conteúdo - verbo este que contesto, já que ele recebe dinheiro pelo trabalho - e após as provas constatar que ninguém aprendeu coisa alguma. Nenhuma novidade nisso, mas tampouco providência. Afinal meu amigo "fez a parte dele" (sob seu limitado ponto de vista) e foi o aluno que não cumpriu com sua cota-parte que, na mesma ótica, significa abrir sua própria caixa craniana para que a escola e o professor despejem os saberes no recipiente supostamente vazio.

Indaguei-o se não haveria outras maneiras de tornar o mesmo conteúdo mais interessante e mais real. Por exemplo - arrisquei - se ao invés de calcularem abstratamente arcos e cossenos, não poderiam fazer uma oficina de pipas, das mais simples às mais complexas, aplicando concretamente as teorias da Geometria. O mais legal depois seria testar na prática se o voo dos brinquedos dava bom resultado ou se deveriam voltar à prancheta. Ele disse ter achado interessante e até fez cara de surpreso, mas não me pareceu convencido. Depois disso ainda não falei com ele, mas temo que não tenha sequer testado minha despretensiosa sugestão e neste ano esteja repetindo as mesmas aulas, diante do mesmo apático quadro-negro para, daqui a uns meses, amargar as mesmas frustrações.

Um sobrinho meu, aluno de uma escola particular, manifesta algumas dificuldades de aprendizagem. Há prognósticos, a serem confirmados, de que ele seria disléxico em algum grau. No último ano letivo, após duas progressões anteriores quase forçadas pelo conselho de classe, decidiram em conjunto com os pais que ele deveria refazer o ano. Seu aproveitamento estava muito abaixo do esperado e não foram constatados progressos em seu desempenho individual. Lá está o garoto, às expensas suadas dos pais, refazendo o ano. O assunto foi bem conversado com ele, tanto dos porquês da decisão quanto das oportunidades que a repetição propiciaria. Porém, todos notam que ele tem um nível de criatividade e esperteza pronunciados em determinados contextos. É rápido e interessado em trabalhos manuais, construções de foguetes com bicarbonato de sódio, testes com produtos químicos e, aos doze anos, já se arrisca aos primeiros experimentos culinários mais simples, como preparar arroz. Opa! Então podemos concluir que ele não seja incapaz de aprender, mas ser possível que o quê tentam ensinar-lhe, da forma como o fazem, é que lhe sejam desinteressantes.

No colégio onde estuda - até por ser privado - há uma certa preocupação em manter a clientela e como incentivo neste ano meu sobrinho foi inscrito em um curso paralelo de Robótica. Foi o que você leu: o garoto repetente, de aparente indolência, que não se dá bem com as fórmulas da Física e da Química (ok, nem com o restante do currículo), está frequentando aulas especiais ao lado daqueles que almejam trabalhar na indústria aeroespacial ou quiçá na NASA. Achou absurdo? Agora perguntem sobre o estado de ânimo do garoto. Nesta semana, segundo minha irmã, o menino chegou em casa radiante. Disse que montou um protótipo de carro de corrida e que nas próximas aulas o professor vai explicar como motorizá-lo e estabelecer as regras e princípios necessários para movimentá-lo e dirigi-lo. Pelo menos nessa aula o menino não é mais o mesmo do ano passado, que ia e voltava do colégio arrastando os pés, a mochila e a alma carente. Está irreconhecível ao menos com relação à aula de Robótica.

O que quero dizer com tudo isso é que já passa da hora de ficarmos dando murro em ponta de faca querendo que nossas crianças de hoje achem as aulas compostas por giz e saliva algo interessante. Para mim, que na idade de meu sobrinho estava nos meados dos anos 70, as explanações monocórdias dos meus professores até podiam ser interessantes. Seus aventais de cores discretas e seus gizes de quatro ou cinco variedades de cores ainda eram mais atraentes do que nossa pálida TV e jornais em preto e branco. Mas hoje, sejamos sinceros, em tempos de Avatar 3D, internet, multimídia, DVD, com kits de física e química acessíveis e tanta coisa a explorar, qual é o aluno que não vai bocejar diante de um monólogo sobre capitanias hereditárias, sem sequer discutir o significado disso e sua herança sobre os dias de hoje? Até eu, meu caro amigo professor. Mas preste bem atenção: não estou falando de fazer as mesmas coisas do mesmo modo, usando roupagem diferente. De nada adiantam computadores, softwares de apresentação e projetores LCD se não envolverem os alunos com o lado concreto, realizador e prático do que está se tentando ensinar. É fazer diferente de fato.

É preciso repensar a contextualização e concretude dos conteúdos escolares. Claro que o questionamento estende-se à seleção do que se ensina na escola e esse "buraco" fica mais em cima, lá no MEC. Mas dentro do papel do professor, que às vezes é mesmo o de mero executor, pode-se fazer muita coisa de modo diferente e atraente. Aceite o desafio de tornar a aprendizagem mais significativa fazendo o ensino de maneiras mais interativas. Ouse! Pesquise, faça um projeto e o apresente à direção. Ninguém há de perder se os alunos forem mais estimulados e, por conseguinte, tiverem melhor desempenho. Pelo contrário: ganha o aluno, ganha o professor, ganha a escola.

Ganha mais ainda a sociedade, com pessoas mais críticas, mais capazes, mais éticas e mais realizadoras. Por ora ouçam a respeito as bordoadas poéticas de meu ídolo, Gabriel o Pensador. Aperte o play.

5 comentários:

Tia Paula disse...

Tio, infelizmente nem sempre é assim. Com o intuito de responder à famigerada pergunta do início, resolvi trabalhar com algo bem próximo da realidade da molecada - música e computador. Ensinei-os a usar o movie maker, falei das músicas preferidas, mostrei vídeos como exemplo e pedi para que eles fizessem um vídeo ilustrando alguma música que gostassem. Propus exibir os vídeos para os outros alunos, abrir um canal no youtube, enfim. Resultado - 40% não fez. Dos que fizeram, mais da metade foi feito nas coxas, em cinco minutos, sem o menor interesse. Sinceramente? Desanima.

Tio Xavier™ 4.5 Plus disse...

Olha amiga Paulette, o buraco é mais embaixo. Começa na obrigatoriedade de algumas disciplinas no currículo. Sei que tendemos a defendê-las intuitivamente, mas será que é por aí? Se você ver meu desempenho em Inglês certamente ficará decepcionada comigo.

Cheshire cat disse...

Tio, quando era adolescente li um livro do Gilberto Dimenstein chamado "O cidadão de papel', e uma frase dele nunca me saiu da cabeça. Era algo como: "Não existe liberdade sem conhecimento. Você não pode dizer que é livre para escolher o sorvete que quiser se só conhece o sabor chocolate."

Aprender Inglês, ou qualquer outra língua, se enquadra nisso. Não se aprende (ou ao menos não se deveria aprender) uma língua estrangeira para passar no vestibular ou arrumar um emprego melhor. Aprende-se um outro idioma para a vida. Para expandir os horizontes. Para entender outros pontos de vista. Uma pessoa pode ser culta sem saber Inglês? Claro que pode. Você me parece uma prova disso. Mas achar que o conhecimento de outra língua não tem valor ou não deveria ser parte do currículo escolar é, com todo respeito, bobagem e preconceito.

Não estou defendendo minha matéria "intuitivamente". Defendo o ensino de língua estrangeira com unhas e dentes porque acredito de verdade que conhecer outra língua é ter escolha. É ser livre, como escreveu Gilberto Dimenstein.

Anônimo disse...

Que heroísmo ser um professor nos tempos atuais! Há que se plantar bananeira em sala de aula, não é? Mas há o currículo, as disciplinas que devem ser ensinadas, e o nosso amigo aí de cima está certo: não existe liberdade sem conhecimento.
Parabéns pelo belo texto, Xavier! Um forte abraço da Marisa Bueloni

Tio Xavier™ 4.5 Plus disse...

O vídeo do brilhante Gabriel foi removido por ignorância e egoísmo da gravadora. Quero que os dirigentes dela e daquele tal ECAD idem. Bando de bostas. Enfiem seus artistas lá onde estou pensando.