Dia desses uma amiga muito querida me telefonou. Dizia estar na sacada externa da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, situada ao lado da praça da Sé, em São Paulo. Lembrou-me das tantas vezes em que nós, nas sacadas internas, confidenciávamos nossas angústias, descobertas e reflexões. Éramos jovens e sonhadores estudantes da faculdade Nossa Senhora da Assunção - ligada à atual UNIFAI - cujo curso noturno, bacharelado em Filosofia e Teologia, funcionava nas salas anexas cedidas.
Naquele tempo saltava-nos aos olhos o requinte do estilo daquela igreja. Construção estilosa, algo entre o barroco e o arcaico, a obra é do séc. XVIII e guarda verdadeiros tesouros históricos. Entre eles uma cripta subterrânea, onde eram sepultados membros notáveis da ordem. Lamentavelmente, entre outras desgraças, no meio do século passado o espaço foi invadido por ladrões, que saquearam os túmulos. Deixaram as ossadas em tal anarquia, de sorte que aquelas que não foram reclamadas por descendentes e herdeiros, foram amontoadas pela zeladoria em uma urna comum, ao centro da cripta. História violada, espalhada e, pior: abandonada por alguns que não foram lá dar conta dos próprios ascendentes.
De volta ao templo, um enorme afresco se insinuava no teto côncavo, preciosidade esta que foi revelada durante uma das restaurações. E pensar que aquelas estátuas, a linguagem subliminar dos contornos, o próprio piso e, por fim, o afresco no teto haviam sido para gerações uma fonte de mensagens, quase como o que é hoje o cinema. Nesse tipo de arte, nada era fruto do acaso, mas tinha objetivo de transmitir mensagens, com formas e cores meticulosamente pensadas.
Pobre povo que não preserva sua história. Sem passado, vive sem identidade e sem identidade tem futuro incerto.
A Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo foi tombada pelo IPHAN, em 04/12/92.
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