terça-feira, 21 de agosto de 2007

O Ministério da Saúde adverte

Cerca de um ano atrás, na sala da frente de minha choupana comercial, ocorreu um fato pra lá de bizarro. Eu estava de porta fechada e trabalhando quietinho, quando ouvi uma intensa discussão que vinha da sala da frente. Pelas vozes, tratava-se de um certo ser que é senhorio deste inquilino, juntamente com o advogado que ocupa a outra sala. Depois de um certo desenrolar, adicionou-se ao furdunço o pai do tal proprietário. A discussão, que já começara pesada se incendiou graças ao teor etílico em que o ator principal se encontrava.

Tudo me faz crer que no início se tratavam de negócios mal resolvidos. Ambos os debatedores são advogados e têm uma estranha sociedade que nunca entendi muito bem, nem me interesso em tal. O cachaçado-mór goza de meros quarenta e dois anos de vida. Já o segundo se me parece estar na casa dos sessenta ou bem próximo. Só que afetado também pelos vícios é o que chamaríamos de "sessenta com carinha de noventa".

Logo após o princípio da discussão, comecei a ouvir barulho de móveis sendo quebrados, estante de livros indo para o chão, monitor de computador se espatifando e coisinhas básicas assim, enquanto o protagonista do quebra-quebra grunhia têrmos ininteligíveis em tom de ofensa. Em seguida chega o terceiro personagem, este com seus setenta e três anos. Pelo tom de voz e poucas coisas compreensíveis no meio da gritaria, o velho parecia tentar demover o filho de agredir o outro advogado. E em algum momento percebi que o pacificador estava se convertendo na segunda vítima, ou prestes a tornar-se. Aí não deu mais para continuar a fingir-me de surdo. O imperativo ético tomou conta de mim. Levantei-me e corri até o cenário do pampeiro.

Mal abri a porta do recinto e vi que já se parecia com escombros do Iraque, e por pouco não conseguia reter uma cadeira que seria atirada nos dois corôas. O mais velho tentava ser escudo-vivo de modo que viraria alvo do objeto. Mas interrompi a empreitada antes de a cadeira ser levantada o suficiente. Puxada a cadeira, o agressor também foi ao chão, tal era o teôr alcoólico. Tentou uma segunda vez, ao mesmo tempo em que fazia menção de me afastar da cena, dizendo ainda que eu não tinha nada com aquilo e blá, blá, blás com a língua enrolada pela bebida.

Diante do absurdo disparate de um cara de quarenta anos prestes a agredir o próprio pai e outro idoso, falei com voz firme e em tom baixo que na minha presença aquilo não havia de se concretizar. O bebum insistiu para que eu me afastasse e ouviu de mim que não agredisse o próprio pai e que antes de machucar dois idosos teria que me enfrentar.

A presepada não durou pouco. Mas finalmente ainda estonteado o dito-cujo desceu as escadas vomitando impropérios indecifráveis - talvez até contra mim - mas se mandou. Dos sobreviventes, mandei o mais velho pra casa e o menos velho aproveitar o vácuo pra tirar uns dias de folga.

Só dei de cara com o pinguço quebrador de móveis dias depois. Cumprimentei-o e ele retribuiu, agindo como se nada tivesse acontecido. Agora o que não consigo entender é o pai do sujeito. O tiozinho nunca mais falou comigo. Não que eu queira agradecimentos, jamais. Fi-lo apenas pela minha consciência. Mas daí a ele me encontrar na rua e fingir que não me viu, sinceramente é um mistério.

Coisas dos seres humanos. Não sei como fui consentir me reencarnar nessa espécie maluca. Quero voltar pro meu planeta de origem.

Um comentário:

JRP disse...

Bebida é mesmo uma desgraça.
Ela destrava as inibições e a pessoa vira bicho.
Precisava proibir essa merda como se proibe o cigarro.