sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Mago

Elogiar biografias do Fernando Morais pode ser um tremendo pleonasmo, pois suas obras já são um elogio por si só. Mas nada como ler algo sobre Paulo Coelho escrito com a pena de um jornalista tão brilhante. Já tive oportunidade de ler Corações Sujos e Chatô, entre outras obras do Morais. Por isso admito que só topei ler a vida do Paulo Coelho por conta da autoria. O Mago, publicado pela Editora Planeta do Brasil, é de uma fluidez textual capaz de fazer qualquer preguiçoso devorar as suas 632 páginas em pouquíssimos dias. Fica por aqui o registro dispensável de parabéns ao autor e à obra.

Já sobre a obra do escritor de maior vendagem mundial de todos os tempos, resta admitir que é um fenômeno de marketing literário "jamais visto na história" para parafrasear o nosso iletrado presidente. Li apenas três das primeiras obras de sucesso de Paulo Coelho, a saber: O Diário de Um Mago, O Alquimista e Brida no início da década de 90, quando o escritor tornava-se um best-seller brasileiro. A proposta dos livros - claramente situados no universo da auto-ajuda - é de uma espiritualidade profunda como um pires. Talvez eu tenha sido exigente demais por conhecer coisas interessantes sobre diversas manifestações religiosas e filosóficas. Mas o "conteúdo" dos três livros na época não me serviu muito mais do que como gancho para impressionar moçoilas desavisadas e arrastá-las para intimidades, no que fui razoavelmente eficaz. No aspecto espiritual-religioso os livros "coelhais" são emaranhados de mitos, práticas religiosas e fraseado recortado de diversas tradições aqui e acolá. Portanto, eu não gastaria meu escasso tempo de hoje em dia para ler algo dele.

Mas por trás da obra está um homem e uma história. Ao passar pela narração de O Mago, o leitor entrará em contato com um personagem concreto, bem contextualizado e bem demarcado. Paulo Coelho não fora nenhum mendigo, proletário ou andarilho, que passou a vender sonhos e se notabilizou do zero social à notoriedade mundial, a ponto de ser convidado de honra de pessoas como a rainha da Inglaterra. As origens de Paulo Coelho remetem primeiro a ascendências nobres, que ele viria a descobrir mais tarde. Mas também especificamente a uma classe média-alta em ascensão na capital fluminense da década de 60. Esse lastro familiar, com casa bem situada, pai com profissão notória, passagens por colégios renomados (embora com desempenho questionável) permitiu que o escritor concedesse a si vários luxos como "vadiar" pelo mundo artístico teatral por anos seguidos, enfiar o nariz e as veias no alucinante mundo das drogas, surtasse em suas crises existenciais quebrando todos os pertences da casa paterna, fosse internado em clínica psiquiátrica a título bem oneroso, espairecesse nos EUA e na Inglaterra (sempre salvaguardado por ajuda financeira dos pais) e em suma contasse com o que Bourdieu chama de "capital social". Dessa maneira, seus surtos e desbundes foram progressivamente resultando em mais aquisições sociais até situá-lo de forma quase irreversível no seguro círculo dos possuidores. Tragam à luz novamente o escritor em uma residência proletária e seus intentos literários não resistirão sequer até a sua adolescência.

O mérito do escritor de maior sucesso mundial, está fragmentado em uma conjunção de fatores favoráveis dos quais o maior sustentáculo está na mediocridade filosófica dos leitores. Só pra citar um exemplo: se alguém leu os quatro volumes de As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, saberá que apenas estes tomos valem pelos os não-sei-quantos opúsculos de Paulo Coelho. Mas a tiragem de Bradley e a quantidade de idiomas traduzidos não chega às botas do nosso mago brazuca. E, quem sabe, a gana dela por ser a maior escritora do mundo de todos os tempos não exista, ora bolas. Porque segundo Morais, Paulo Coelho já na mais tenra idade manifestava em seus diários pueris o desejo de ser um grande escritor. Sua persistência de décadas na participação de concursos literários demonstra que a construção do escritor de maior renome mundial não nasceu de um insight no balcão de um bar, do dia para a noite. O homem queria por que queria estar onde está. Hoje, o feito e a suas posições (social e mercadológica) homologam por si o que ele quiser escrever. Posso elucubrar que se de repente ele resolvesse negar a existência do deus que ele prega, mais da metade do mundo, independente da religião de origem se tornaria atéia. E se depois tornasse a pregar a crença, reverteria o quadro tão logo seus escritos chegassem às bancas.

Outro dia eu me arrisquei ao apedrejamento ao comentar sobre o escritor com uma colega da faculdade. Após tatear o assunto com cuidado soube que ela tem grande admiração pela "simplicidade" de Paulo Coelho, que vive de uma maneira muito despojada e blá, blá, blá... Assim como Morais eu entendo que para um multimilionário - por seu mérito e custas - ele e a sua esposa vivem até que de maneira bastante espartana. Mas isso é bem fácil quando se tem escolhas. Eu também viveria de modo bem simples, se tivesse acesso a um casarão-castelinho em uma cidade pacata ao sul da França, obviamente para não ser importunado (por ora meu insignificante ser tem que se contentar em pagar as prestações da CEF do meu - mais modesto ainda - sobradinho a leste de Sampa). A opinião da minha colega foi só uma mostra do poder de persuasão do personagem criado pelo escritor-mago, que mistura catecismo católico com a suposta pertença a ordens religiosas secretas, peregrinações por caminhos considerados místicos e um caldeirão de peanuts espirituais para pessoas crédulas dos mais diversificados matizes. Embora o que ele faça com a invejável e merecida grana que possui não seja da conta de ninguém, cabe-me ressaltar que Paulo Coelho mantém uma porção de obras sociais próprias e contribui com inúmeros institutos, coisa que nem todo milionário faz. Sem falar em sua incansável militância ao, por exemplo, ter sido um importante porta-voz político pela extinção dos manicômios e suas terapias tão agressivas quanto ineficazes, como o eletrochoque. Nada como ter sentido na pele durante suas três internações para compreender, não é mesmo?

Enfim Paulo funde em um só personagem um controverso mago e o coelho que sai da própria cartola para os aplausos do mercado editorial mundial. Concluo este post com duas sugestões: 1) Leia O Mago (aliás leia qualquer outro livro do Fernando Morais); e 2) Se você gosta do Paulo Coelho e das suas prosopopéias espiritualistas, continue comprando e lendo. Afinal de contas gera empregos e, tirando o fato de ser simplório e raso, se lhe faz bem que mal tem?

2 comentários:

Lu Ribeiro disse...

Parabéns, Tio!!! me surpreende q vc tenha conseguido ler 3 'obras' dele... eu tentei nos tempos de facul por influência de uma amiga que considera Coelho HO-KARA, mas após muito esforço, já pensando q o problema era meu por não estar assimilando a tal 'profundidade do pires' me deparei com um trecho marcante que determinou minha liberdade pois desde então - como compôs Latino - "tô nem aí" para os campeões de venda... as sábias palavras eram: 'as emoções cavalgam'... não posso negar q o autor mudou minha vida!!! bjs

Gerson disse...

Eu também já comi muita mulher citando PaunoCuelho, tio. O foda era o cheiro de incenso depois...