domingo, 26 de julho de 2009

Envelhecer com dignidade

A questão da velhice sempre me intrigou. Me lembro de quando criança pegar nas mãos de uma tia-bisavó e ficar brincando com a sua pele flácida. Não achava beleza nem feiúra. Era apenas uma mistura de carinho e brincadeira de criança. Ao mesmo tempo, seus cabelos branquinhos e presos em coque me transmitiam uma imagem de grandiosidade que eu não sabia explicar. Hoje entendo mais racionalmente como sinais externos da experiência histórica de décadas vividas, a prenunciar a escassez do tempo restante.

Semana passada eu estava com a família em um balneário tirando uns dias de férias. No local, considerável parcela dos hóspedes eram pessoas acima dos sessenta anos, algumas das quais organizadas em excursões. O convívio inevitável nas áreas comuns - como no restaurante - permitiam-me observar trejeitos e comportamentos de vários deles, como em uma pesquisa de campo descompromissada. Os perfis eram dos mais variados e cada um denotava nas entrelinhas as diferentes concepções de vida.

Um dos casais parecia em plena lua de mel. O zelo e o trato mútuos levantavam-me a suspeita de que poderia não ser um casamento de bodas de ouro, mas sim um namoro recente. A história verossímil que construí mentalmente para eles dava conta de que ambos haviam enviuvado há alguns anos e tinham se conhecido em um baile. Com efeito eles dançavam com desenvoltura invejável durante os bailes noturnos no balneário. Tinham simplicidade no vestir, mas de modo esmerado, transmitindo a imagem de pessoas de poucas posses, porém caprichosas consigo. Os cabelos rareando e os rostos marcados pelo tempo nem pareciam ser das mesmas pessoas, que demonstravam gana por tirar o melhor proveito do cotidiano. Acima de tudo um bonito par de namoradinhos, isso eram mesmo.

Já outro casal destacava-se pelo contraste de aparências. Ela, curiosamente andava de bobes na cabeça durante parte do dia, sempre vestida de modo exagerado para o local. Era como se a qualquer momento fosse participar de um evento diplomático ou receber um célebre. O seu companheiro parecia mais velho. Era despojado, mas não menos distinto. Andava sempre bem arrumado e com boas costuras, mesmo que trajado de modo informal. A dona tinha características visíveis de quem passou por cirurgia plástica. Se sua face emprestava-lhe uma década a menos à primeira olhada - o que explicava a aparência de mais jovem que o marido - não resistia à segunda fitada, pois ostentava aqueles olhos repuxados pelo esticamento da pele. Chegava mesmo a ser estranha pelas vestes e aparência um bocado artificializadas. Sua postura era altiva e um tanto pedante, enquanto a de seu marido insinuava a vassalagem de quem ficava com parte bem menor das posses sociais e materiais.

No local haviam outros tantos. Uns solitários, de olhar perdido, e outros que mesmo sem par misturavam-se aos dançantes fazendo a própria festa. Vi também turmas de senhoras desacompanhadas, que ficavam em rodinhas tagarelando, cada qual encenando a seu modo o teatro concreto da velhice. No que será que pensavam quando estavam em silêncio? Fofocando com minha querida reparávamos em um e outro, aqui e acolá, enquanto aproveitávamos para elucubrar sobre como deveríamos viver a nossa terceira idade. De consenso até o momento só temos que o zelo com a aparência não resolve as questões da alma e que envelhecer com saúde, autonomia, dignidade e alegria possa ser o suficiente, apesar de ser um desafio grandioso por si só.

Acabamos elegendo como modelo a simplicidade do primeiro casal - os supostos viúvos - que acima de tudo faziam notar um equilíbrio carinhoso e sadio na relação amorosa. Não vejo com bons olhos o esforço desmedido em cirurgias e tratamentos estéticos, pois mais desfiguram do que configuram. Tentar resgatar forçosamente com bisturis e enxertos, o viço de décadas que já passaram, sempre me soou um pouco doentio.

Generalizando um pouco, minha percepção é que as pessoas que mais se sacrificam e gastam dinheiro pela aparência física curiosamente são as que menos zelam pela espiritualidade. Por espiritualidade, entenda aqui a busca de saberes mais profundos, de transcendência, de completude, de autoconhecimento e de um modo de viver presente e reflexivo. Para mim é como se a ganância cega pelo visual buscasse compensação pela esqualidez e fugacidade da alma desnutrida. Hoje em dia essa busca já não é exclusiva dos mais velhos. Podemos encontrar moças de vinte anos ou até menos entregando-se às clínicas de cirurgia estética, como quem rasteja diante dos ditames comerciais da beleza física a qualquer preço. O desespero pela aparência pode ser apenas uma válvula de escape, paradoxalmente por causa de um vazio interior. Em um mundo marcado pelo consumo não é de se estranhar que a embalagem ganhe mais atenção do que o produto. Mas são escolhas. Cada pessoa faz as suas.

Um comentário:

Gerson disse...

Já dizia o Juca Chaves, tio, que "O velho é quem se ilude que idade é juventude; ser jovem é saber envelhecer". É uma das frases mais sensíveis e mais bonitas sobre o processo de envelhecimento humano que eu já tive contato. Envelhecer é a coisa que mais sabemos fazer, pois já estamos envelhecendo desde o dia que nascemos. Eu quero continuar sendo o mesmo quando ficar velho, só que melhor ainda. Belo texto, by the way.