Ontem foi uma noite singular nos meus três anos mais recentes. Foi o último dia de comparecimento em minha graduação em Pedagogia. Foi uma dádiva da darling que, tendo acesso a duas bolsas de graduação, adiantou-se em ceder uma para mim e outra para meu sorrateiro e sábio enteado. Podendo escolher qualquer curso da universidade, exceto Medicina (para a qual não tenho a menor vocação), optei pela Pedagogia. Em parte, devido a um voluntariado na Educação de Jovens e Adultos (
EJA), na qual eu militava pouco antes, e para o qual senti que devia me capacitar melhor. Mas o curso acabou me reavivando das cinzas a fênix de um projeto antigo, do qual eu me esquivara há duas décadas, que era uma possível carreira acadêmica. Agora, picado novamente pelo mosquito do estudo, tratarei de me matricular no
lato sensu para o próximo semestre, aproveitando o movimento inercial. Concluo meu curso satisfeito. Se não fiz mais nele foi por absoluta impossibilidade, já que meus papéis sociais somados me exigem um desdobramento inimaginável. Mas fiz sim o meu melhor que, sem falsa modéstia, foi melhor em absoluto do que a maioria dos meus contemporâneos de lá.
Embora eu cursasse sem pagar mensalidades, a empreitada me custou muito alto: tanto em dinheiro direto - mensalidade é apenas parte dos gastos em um curso universitário - quanto em capital pessoal. Do alto dos meus quarenta e tantos anos tenho a percepção de que o tempo é nosso bem mais escasso e que nossa dedicação a algo nos consome esse tempo que nunca mais recuperamos. Por isso nunca consegui disfarçar minha irritação em todas as vezes nas quais foi dificultoso o simples ato de ouvir a fala de um professor (cerca de 90% do tempo), dado o desinteresse e desrespeito coletivo das moçoilas da turma a tagarelar, de modo estridente, sobre qualquer assunto alheio à aula. Continua incompreensível para mim que pessoas saiam de suas casas ou trabalhos, enfrentem congestionamentos ou conduções lotadas, submetam seus estômagos à junk food dos arredores e subtraiam preciosas horas do convívio familiar ou do lazer, para passar de qualquer maneira por um curso universitário.
Penso que um curso superior, ainda mais em educação, seja algo tão importante quanto incompatível com comportamentos desrespeitosos dentro de uma sala de aula, que foi o que mais presenciei. Tendo frequentado outrora dois outros cursos superiores, foi neste último que encontrei as posturas mais inadequadas, considerando que as pessoas que lá se graduaram foram licenciadas para o ensino. Sem falar em plágio, trabalhos comprados ou tomados de terceiros e toda sorte de subterfúgios apenas para não fazer o mais razoável, que seria estudar e se capacitar. Perdoe-me a minoria que de fato tenha levado a sério. Mas cabe ressaltar que é minoria mesmo, não passando muito de um décimo da turma. Surpreendeu-se? Eu não mais.
Voltando a ontem, na última sala ocupada pela turma - a de nº 304 do prédio - havia festinha com comes, bebes e uma alegria incontida. As moças e jovens senhoras concluintes fantasiaram-se, tocaram cornetas e apitos corredor afora e tiraram centenas de fotos que já devem estar nos perfis do Orkut. Mostravam em suas faces uma sensação de alívio invejável. Pena que esse alívio não tenha sido uma explosão de realização por um trabalho dedicado e extenuante. No fundo foi alívio por ter acesso a um diploma e não ter mais que ir àquelas “porcarias de aulas”, não ter mais que fazer as “porcarias de trabalhos”, não ter mais que ler as “porcarias de textos” e, enfim, não ter mais que fazer o mínimo paupérrimo que a maioria delas fez, apenas para obter conceitos mínimos para aprovação e um mero pedaço de papel. Infelizmente este papel teoricamente as credencia a pleitear um cargo de... professora! Mas o que terá para ensinar alguém que não tem prazer em aprender? Como poderão ensinar a estudar, sendo isto algo que pouco ou mal fizeram? O que terão para dizer às crianças, adolescentes e jovens, sobre o bem intrínseco do conhecimento, pessoas que não o descobriram ou até rejeitam-no?

Essas são as professoras que poderão estar em escolas públicas e particulares fingindo educar. Volto a dizer que essa minha observação não se aplica à totalidade dos que lá estiveram, posto haver meia dúzia contada de colegas que realmente se dedicaram, buscando se tornar pessoas melhores. Mas em uma sala com quase sessenta alunos... e o “resto”? Bem, o “resto”, meus caros três ou quatro leitores, perpetuará a geração média, mediana e medíocre que está aí. Tanto as que conseguirem vagas como “professorinhas” - ou então “tias” - como aquelas que pendurarão os diplomas em cima dos seus fogões domésticos ou nas baias de seus subempregos, apenas para engordar as estatísticas de diplomados incapazes do que consta em seus diplomas. Uma pena...
Foi por tudo isso a minha falta de sorriso, fuga das máquinas fotográficas e minha visível recusa em participar da animada festa. De pouquíssimos de lá levarei boas recordações. São Paulo Freire rogai por nós!