sábado, 5 de junho de 2010

Chega de desculpas

Créditos da foto: Profª Eloísa Meneses / Editora Plus

Há poucos dias o Governo definiu uma nova redução de orçamento, sendo que o Ministério da Educação foi o mais afetado: R$ 1,28 bilhão a menos em 2010. Essa questão do corte de gastos sociais já é antiga. Está na linha de destruição do "Estado do Bem-Estar Social" (Welfaire State - WS). O WS foi, no século passado, motor político e econômico internacional para tirar o Capitalismo da crise de 29 e, sobretudo, fomentar a mão-de-obra fabril da indústria crescente. A política do WS durou até meados dos anos 70, cujo reflexo aqui no Brasil foi o chamado "milagre econômico". Daí para diante o que vemos cá e lá é a paulatina destruição do WS. Então, meus caros, não se espantem. Para aumentar os lucros dos bancos e dos grandes conglomerados tudo vale: redução de salários, subtração de garantias trabalhistas e sucateamento dos serviços públicos. O processo de ataque inclui também o encolhimento destes ainda que, paradoxalmente, mantenha-se o inchamento de algumas máquinas estatais, claro que por apadrinhados da burguesia dirigente.

Sem ligar para isso tudo, a professora de Língua Portuguesa Eloísa Meneses, da periferia pobre de Porto Alegre (RS), cansou-se de ver o reflexo da violência local invadir a sala de aula sob a forma de indisciplina, ofensas, brigas e bullying. O cenário onde trabalha reflete o fim do WS: lousa velha e ruim, carteiras idem, tudo dentro de uma escola pública com instalações que remetem ao século passado, e ainda deteriorada pelo tempo de uso. Quem sabe ótimos pretextos para um professor pensar que não há nada a fazer.

Mas a professora Eloísa apostou no inusitado: convocou seus alunos para escrever um livro. Colocar suas identidades em algo que pudessem produzir refletindo sobre si mesmos. Pensando na diminuição da violência escolar concluiu que podia ensinar os alunos a usar a voz, a escrita e os sentidos para fazer algo de bom. Assim que tomou conhecimento do projeto Faça um E-book na Escola da Editora Plus, inscreveu a turma e organizou os alunos para a empreitada. Montou com sua turma uma coletânea de textos, desenhos e fotos dentro de um trabalho cooperativo, no qual as crianças colocaram em prática o ato de refletir e realizar, coisas que deveriam ser comuns em qualquer escola. O resultado, além do resgate do ambiente escolar, foi o livro Brincando Com Os Sentidos e pode ser baixado gratuitamente. Leia AQUI os detalhes da obra. Os incrédulos que me desculpem, mas a práxis educativa refletida pelo professor é capaz de remover montanhas.

Saiba a professora Eloísa ou não (tenho quase certeza que sabe), foi Paulo Freire quem sistematizou as premissas desse tipo de trabalho, no qual ninguém ensina a ninguém mas todos se auxiliam na reflexão e elaboração do conhecimento. Não é sonho: é prática educativa pensada, planejada e com objetivos. Quando o educando, em qualquer nível educacional, se torna protagonista do ato de aprender, coloca em movimento o que é mais peculiar na aprendizagem: a reflexão. Não dá mais para conceber, ainda mais hoje com tantas fontes de informação, que um professor se poste diante de uma turma e discurse ininterrupta e enfadonhamente. O trabalho educativo implica em pensar novas práticas que envolvam a TODOS na elaboração de conhecimentos. O professor passa a ser aquele que desafia os alunos a fazer e estes, construindo seus próprio conhecimentos, passam à construção de si mesmos como cidadãos conscientes. Agora chegou no ponto onde eu queria chegar...

A professora Eloísa pode nem ter intenções tão politizadas mas, ao voltar o olhar dos alunos para si mesmos, lança as bases para uma educação política. Educar não é senão um ato político, onde não há vez para neutralidade, como o próprio Freire nos esclareceu. Somente pessoas pensantes e conscientes são capazes de entender os mecanismos macabros e egoístas que movem a politicagem da camarilha que subtrai as verbas da educação e dos demais serviços públicos. O bom trabalho educacional implica TAMBÉM em desmascarar os que exploram, os que roubam do bem público, os que ludibriam o eleitor, os que favorecem aos bancos e conglomerados capitalistas em detrimento dos trabalhadores. A propósito, depois desse belo exemplo dessa professora Eloísa, o Governo Federal bem que podia diminuir alguns reais do corte nos gastos e enviar uns computadores para a Escola Estadual Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, onde ela leciona, não é mesmo senhores Lula e Guido Mantega? Enquanto isso não ocorre, vamos lá professor e professora, mãos à obra! Botem suas crianças para trabalhar de verdade. Mas aproveitem para mostrar a eles quem são esses senhores que estão na política.

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