sábado, 10 de dezembro de 2011

O mundo não é para os fracos

Família pobre. O pai operário, com baixa qualificação e de empregos inconstantes por muito tempo, o que exigia mudanças igualmente frequentes de residência da família, que morava de aluguel. Assim não era possível que o menino cultivasse amizades duradouras, circunstância que o afetava um bocado. A mãe, muito simples e que mal frequentara três anos incompletos de escola, cuidava do lar fazendo malabarismo para dar conta de alimentar a si, dois filhos e o marido, com os parcos recursos obtidos por este. Para os filhos, nada de materiais escolares abundantes e de boa qualidade, roupas de marca ou calçados vistosos. Tudo sempre do mais simplório, mas sem nada faltar. Lenta e tardiamente é que alguns pequenos confortos foram adentrando a casa da família, incluindo a televisão e a geladeira, pontos de honra para uma família da classe trabalhadora que via o The American Way of Life como modelo nunca alcançado. Essa na verdade é minha origem.

O que pode servir de pretexto para os letárgicos conformados pode servir de motivação para os afrontadores como me considero. De vez em quando tenho notícias de alguns que frequentaram os mesmos bancos escolares comigo e me decepciono. Considerando que em renda familiar e em benesses decorrentes minha família ficara sempre no rodapé dos remediados, se a perpetuação fosse uma lei, eu encontraria aqueles meus contemporâneos em situação social muito melhor que a minha. Mas tal não se dá. Na média deparo-me com ex-colegas sem profissão definida, muitos sem formação acadêmica e - em casos extremos - sujeitos com falta de dentes posteriores, o que considero caso de penúria e baixa autoestima alarmantes. Não por acaso é que intuitivamente me afasto destes, talvez mais por representarem o que poderia ser eu. Embora eu me sinta um pouco culpado por essa escolha, acho que me faria mais mal a proximidade deles. Só um bom terapeuta há de me ajudar a desvendar isto.

Também eu não sou lá grande coisa hoje. Mas me orgulho de minhas formações acadêmicas - algumas recentes e extemporâneas - assim como de minha múltipla formação profissional, que vão de lavar banheiro embosteado por patrão porco a já ter comandado programadores e analistas competentes, dialogando com (e arrancando grana de) empresários bem de vida. Formações ecléticas que me permitem dialogar com praticamente qualquer área de conhecimento sem manifestar ignorância plena ou, no caso de esta persistir, de demonstrá-la com a tranquilidade de quem já aprendeu que ninguém sabe tudo. Me orgulho de ser capaz de gerar recursos suficientes para manter um padrão de vida muito melhor do que daquele de onde vim, de jamais ter perdido a sede de saber e de estudar tudo o que consigo alcançar em uma estante, o que me fez investir muito do dinheiro que passou por minhas mãos em livros e cursos. E nestes últimos aspectos penso que resida o meu "sucesso sobrevivente", que nada tem a ver com esse sucesso pregado pelos embusteiros da cultura da autoajuda comportamental.

Ps.: Essa foto não é do colégio em que trabalho.
Creio que essas razões acima me fazem enxergar que os novos tempos de minha militância política hão de se dar na área educacional. É por isso que sinto tanta satisfação em colaborar com a educação de jovens e adultos, trabalho que hoje exerço ainda voluntariamente em um colégio em São Paulo. Nesta semana pude entregar, junto com outros professores, os certificados de conclusão de Ensino Fundamental I para alguns alunos que conseguiram passar nos exames de suplência. Não dá para esconder a emoção, ao constatar que esses tiveram sua autoestima elevada, sua dignidade resgatada e suas possibilidades de elevar o padrão de vida ampliadas. Esses já são vencedores ao romper com o continuísmo e o conformismo de que "sempre foi assim".

Esses são os meus. Aqueles que tiveram seu berço e suas chances, as desperdiçaram e hoje moram em casas precárias, andam com fala de dentes e desorientados profissionalmente, sinto muito. Por essas e tantas outras o meu tempo é dos que querem vencer!

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