terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cadê a Fraternité?

Um excelente professor com quem tive aulas, disse certa vez que “dos dois filhotes da revolução francesa, o capitalismo concentrou-se apenas na liberté, o socialismo na egalité, mas a palavra de ordem mais importante - a fraternité - fora abandonada”. Nunca me esqueci dessa fala. Sistemas formam mentes, pois são as estruturas (o mundo concreto) que condicionam as superestruturas - o imaginário de símbolos e valores - e não o contrário. Com essa constatação, o legado marxista propiciou ao pensamento humano a ruptura efetiva com o idealismo. Ponto para o tio Marx!

Definidas essas premissas, analiso um fenômeno recente. Não é por acaso que justamente agora, Marine Le Pen, líder do partido francês de ultradireita “Frente Nacional”, apareça na liderança de uma pesquisa para a eleição presidencial de 2012, à frente do atual presidente (de direita) Nicolas Sarkozy e da provável candidata socialista, Martine Aubry. Marine não é de “qualquer direita”. Ela defende coisas como retorno à pena de morte, repatriamento de imigrantes e sobre o Islamismo tem posições nada conciliadoras.

Ocorre na França que sobrevieram sobre os trabalhadores carências com as quais a maioria estava desabituada, após a recuperação pós 2ª guerra. Situações semelhantes se dão em praticamente todo o continente. Não é por acaso que, em todos os países considerados de “capitalismo avançado”, desemprego, quebra de empresas, inadimplência, escassez de crédito, queda no consumo, inflação, enfim, todos componentes típicos de uma crise do processo de acumulação do capital desandam.

Quem paga a conta? Acertou quem disse “os trabalhadores”. Banqueiros, burocratas de alto escalão estatal, acionistas de empresas de topo, especuladores, agiotas, contrabandistas e toda sorte de parasitas sociais continuam contando seus quinhões ainda que, talvez, um pouco diminuídos. Some-se que com a queda de transações no mercado oficial, caem também as arrecadações tributárias de modo que, os outrora “Estados do Bem Estar Social” (Welfaire States), danam a cortar a assistência à população justo quando ela se torna mais necessária.

Cheguei à consequência: com recursos e empregos escassos, desassistência estatal e inflação, o bem estar para todos dá lugar ao bem estar apenas para uma minoria. Às massas a penúria. Estão dadas as condições objetivas para que as pessoas mostrem suas piores facetas. Os mitos de povos plurais, calorosos, cultos, educados e receptivos, apregoados nas democracias, dão lugar à crueldade dos seres humanos que se revelam egoístas, sexistas, racistas e xeonófobos. Estendam esse fenômeno às demais “democracias”: Grécia, Itália, EUA, Espanha, Portugal... e por aí vai. As fotos são muito parecidas pois, em todos esses lugares, negros, estrangeiros, homossexuais, asiáticos e qualquer um que tenha cara de “o outro” passaram a ser alvo de repulsa. Na onda, candidatos reacionários da pior estirpe começam a se projetar nas pesquisas. Vale recordarmos um passado recente, no qual Hitler não foi imposto: foi eleito, ante uma crise econômica desgraçada.

O cenário devolve nossa espécie ao seu devido lugar: somos criaturas tão irracionais como ratos de experiências comportamentais de laboratório. Reagimos de modo tão semelhante, que alguns princípios de Psicologia podem ser aferidos mediante esse tipo de experimento. Apenas dominamos o fogo antes dos demais animais, o que nos fez mais poderosos, mas não necessariamente melhores.

Vem a pergunta final: onde ficam os valores “superiores”: liberdade, igualdade e fraternidade? Afinal de contas nossa espécie se julga tão superior às outras que arroga para si a virtude de ser semelhante às divindades que lhe teriam criado e soprado o espírito. Essas concepções fantasiosas só subsistem nos gabinetes dos escritores românticos pequeno-burgueses. Tirem-lhes a pena, o teto e a comida e vejamos quais de suas virtudes subsistem. Pessimista, eu? Jamais! Realista sim.

Se não lutarmos para expropriar dos acumuladores o que é direito coletivo caminharemos para a barbárie. Como ratos em caixas de experiências. Podem apostar nisso.

(Texto publicado originalmente no site: http://www.primeiroprograma.com.br)


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