quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Vem pra Caixa você também

Cena do cotidiano:

Um idiota vai à agência da CEF em Itaquera. Para quem não é de Sampa, Itaquera é um bairro longínquo, quase além da civilização. Lembra aqueles aqueles seriados americanos com fundamentalistas Quackers se organizando em fazendas e colônias. Isso é Itaquera. Já a CEF todos conhecem. Well, ao adentrar a agência o babaca aqui é quase impedido por uma estagiariazinha - bem graciosa, por sinal - mas com um velho roteiro para enganar os pobres analfabetos:

- Senhor, já fez o agendamento do serviço?
- Não queridinha, que agendamento?
- Para qualquer coisa que o senhor 'vá estar fazendo', precisa 'estar agendando' - aspas minhas para os insuportáveis gerúndios - para poderem 'estar chamando'. Só que para hoje não tem mais agenda.
- Sim, mas eu vou pagar a prestação da minha casa e o banco ainda está aberto. São quinze horas.
- Mas o senhor não pode 'estar entrando' porque não vai 'estar sendo atendido'.
- Olhe senhorita, me desculpe os têrmos, mas EU VOU 'ESTAR ENTRANDO' NESSA PORRA DE BANCO, PORQUE NÃO EXISTE CARALHO DE AGENDA NENHUMA. ISSO É PROIBIDO POR LEI. CASO TENTE 'ESTAR ME IMPEDINDO DE ESTAR ENTRANDO E ESTAR PAGANDO' MINHAS CONTAS, EU PODEREI 'ESTAR CHAMANDO' A POLÍCIA. Tudo bem? - arrematei com um sorriso cortês e cínico - .
- Bem, nesse caso o senhor pode entrar, mas não poderei 'estar agendando' aqui - persistiu a pobre criatura - .

Eu juro que pensei em 'estar mandando ela estar enfiando' a agenda em algum local discreto, mas a moça era tão bonitinha que me proibi de ser mal-educado com ela. Simplesmente entrei. Depois de checar o local, vi que a retaguarda da tal agenda era em uma mesinha ocupada por outro pobre estagiário.
- Por favor, coloque meu nome aí para me chamarem.
- Já está. O senhor não agendou lá na entrada?
- Não, a moça me disse que não tinha mais horário.
- Ah.. Sinto muito então porque...

Saí de perto do jovem para não ouvir o resto e liguei para o 190. Expliquei rapidamente e fui atendido pela policial do COPOM com mais espírito de serviço do que naquela bosta de banco. Ela ainda me perguntou se eu estava sendo coagido fisicamente ao que neguei. Então, a policial apenas me orientou a tentar resolver pacificamente. Mas me incentivou para que à menor tentativa de coação física ou moral, eu ligasse novamente, que eles enviariam soldados para garantir meus direitos.

Nesse momento senti-me como morador de um país onde as instituições funcionam. Eu sei que foi um lapso de pensamento. Mas as palavras da policial ao telefone me causaram vontade de cantar o Hino Nacional no meio da agência com a mão direita no peito. Passado o rápido devaneio, dirigi-me ao estagiário interno do departamento de agenda-pega-trouxa. Fiz uma cara de Jack Nicholson e falei pausadamente:
- O meu jovem querido, acabei de falar com o Comando da Polícia Militar. Me inclua nessa bosta de lista ou eles virão aqui. Será muito chato ver você sair algemado por causa de uma merda de banco, que nem lhe paga um salário decente. Sacou?

Fique surpreso com a prontidão do jovem. Essa juventude ainda vai fazer deste um grande país, sabe? Ele imediatamente incluiu meu nome, ainda que na 18474847ª posição da lista. Era a lanterna mesmo, mas que ao menos me garantiria o atendimento dentro da data corrente. Lá fiquei esperando quase feliz não fosse pela multidão à minha frente. Parecia que todos os figurantes de "Os Dez Mandamentos" tinham ido àquela agência receber o cachê.

Aí entre um devaneio e outro, resolvo sair de fino e subir umas escadas que davam em um mesanino. Lá parecia o atendimento vip da Tiffany´s. Internet, sofás, água gelada e o escambau. Em nada se parecia com aquele salão abarrotado proletários suados no andar de baixo. Não resisto e me dirijo a uma mesa onde duas jovens senhoras, portadoras de crachás de gerente, pareciam se afogar em meio aos papéis:
- Nossa, posso pôr fogo nessa papelada toda? Vocês parecem ter trabalho até 2.009 aqui.
- Você nos faria um imenso favor - respondeu uma delas rindo - mas não diga que eu autorizei.
- Pena que não posso ajudá-las, mas quem sabe vocês conseguem a mim, vejam só... blá blá blá blá blá... E eu ainda preciso chegar ao centro de S. Paulo antes das dezessete horas.
- Espera que vamos pedir para a menina lhe chamar - pega o interfone - alô, fulana? Estamos aqui com o tio Xavier, faz um favor pra gente? Põe o nome dele na frente da lista... é... ele vai fazer uns serviços no caixa... obrigada, viu fulana? Tio desça lá que já vão lhe chamar.
- Muito obrigado, viu? Vocês não sabem o quanto me ajudaram.
- Não tem de que, tio. Feliz Ano-Novo.
- Pra vocês um ótimo. Valeu hein? E vê se dão um fim nesses papéis.
- Bem que a gente queria.

Moral da história: Banco é uma merda.

Um comentário:

JRP disse...

No final, venceu o mais sacana.
Interessante que você burlou o jogo do esquema exatamente seguindo regras que prejudicariam outros que estava atrás de você.
Você, que bancou o cidadão indignado e injustiçado, injustiçou todo mundo que estava na tal lista de espera!
Interessante isso!