sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Independence day

Um sábio professor do tio disse uma coisa que, se na ocasião deixou-me incomodado, hoje se me ressente como uma facada de verdade no fígado. Ele disse que uma das razões de o Brasil ser esta mesmice burra é o fato de o processo de descolonização de Portugal ter sido feito sem uma gota de sangue. Fato é que, dentro da sua perspectiva extrativista e predadora, Portugal já havia praticamente esgotado seu divertimento aqui em Pindorama, quando ocorreu a tal "independência" (aspas propositais).

O que foi a proclamação da independência senão uma reunião de barões burocratas, com um jovem fidalgo nada chegado às obrigações da realeza? Jovem esse - vale dizer - muito mais chegado aos tragos nas bodegas e aos agrados das senhoritas gentis, do que aos deveres de um dirigente político. Não houve mais nada, senhores. O pomposo afresco de Pedro Américo que ilustra o seu xará no alto de um morro, erguendo a espada e cercado de cavaleiros autonomistas, nada tem a ver com o conchavão de elite que afastou a família real do Brasil. A verdade é que os portugas da corôa lusa jamais gostaram desta terra selvagem, quente e povoada por silvícolas peladões. É de se concluir facilmente que, dentre os nobres que para cá vinham, a maioria tenha sido composta de estafetas reais falidos, endividados e desapropriados de suas moradias, cujos destinos e cargos destinados se originavam de castigo real. É mais ou menos como hoje ser nomeado para um posto de secretário adjunto de assuntos diplomáticos no Acre, para ganhar mil reais e trabalhar na divisa com a Bolívia, sem ar-condicionado, sem parabólica, sem internet e sem repelente de mosquitos.

Por isso entre as histórias bizarras que se contam dos nobres portugas acá aportados, sobram narrativas de mulheres de muitos homens, fidalgos efeminados e gente com pouca sanidade ou nenhuma clareza intelectual. Se houve um retrato realista desse período, terá sido sim o pintado por Walcyr Carrasco na novela Xica da Silva. Condes falidos, condessas endividadas e libidinosas e capatazes do terceiro escalão, que vinham fazer pavão aqui desfilando de liteira. Alguns até arrecadavam fundos para supostas obras de caridade, que na verdade tinham por únicos beneficiários a si próprios. Mais real do que Walcyr Carrasco, só mesmo o rei.

Mas voltando à independência do Brasil, enquanto se ressalta a maravilha de o brasileiro ser um povo pacífico, do bem e que não aprecia contendas, eu lamento exatamente pelas mesmas características. Posso traduzir pacífico como acomodado e do bem como vassalo. Aqui as divindades do Olimpo são bem diferentes das imaginadas pelos gregos. Passividade é filha de Comodismo, Pacifismo casado com a Preguiça e Benevolência irmã de Desestima. Tudo é bem-vindo, tudo está bom, tudo fica bem. As poucas histórias de bravura que aqui ocorreram, se não foram deveras provincianas como Canudos ou específicas demais como as greves no ABC paulista, foram atos impetuosos de indivíduos que raramente conseguiram arrastar massas. Ou de mártires que se negaram ao confronto e foram assassinados covardemente. As massas preferem mesmo os botecos, onde enchem a cara ou as igrejas onde clamam para que Deus dê hoje o pedaço de pão com bromato e o leite tipo C que lhes cabe. Muito pouco para um país tão grande, tão rico em natureza, tão fértil e tão abençoado em sua geografia exuberante. Penso que esta beleza toda da Terra Brasilis seja mais digna de um povo mais ativo, mais convicto e mais impetuoso do que os acomodados brazucas. Quem sabe os muçulmanos do Oriente Médio ou os vietinamitas?

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