sábado, 1 de setembro de 2007

Profissões em extinção

Há um tempo atrás eu bloguei sobre o Dimas, a quem considero um personagem interessante, do mundo dos técnicos em aparelhos eletrônicos. Você que não leu ou não lembra, clique aqui antes de ler o restante deste tópico. (Pausa...) Já leu? Então vamos em frente.

Há três ou quatro semanas entreguei aos cuidados do Dimas um aparelho de som. Trata-se de um quatro-em-um da Philips, modelo AS465, bem antigo mesmo. Deve ter uns quinze anos de concepção. O AS465 já é contemporâneo do CD e possui uma unidade para tal, só que também preserva duas funcionalidades que me inclinaram a comprá-lo há uns onze anos: o sonoro possui um toca-discos e dois tape-decks.

Aos leitores mais jovens explico que toca-discos é um aparato capaz de ler discos de vinil de cinco ou doze polegadas de diâmetro, cuja música vem gravada em sulcos espirais. O disco de vinil é análogo ao CD, só que é antepassado dele e usa uma agulha de leitura, ao invés de feixe de laser. Sem saudosismo, há características de fidelidade e amplitude na reprodução sonora do vinil, que até agora não foram conseguidas pelos seus sucessores digitais. Mas isso é uma longa discussão. A respeito dos tape-decks não me alongarei, até porque nunca achei aquilo fantástico em qualidade. Meu AS465 é cuidadosamente preservado e reparado, quando necessário, sobretudo porque eu o uso como tocador quando vou digitalizar gravações analógicas.

Voltando ao Dimas, eu havia pedido que ele trocasse a cápsula do toca-discos, que era meio chinfrim, por uma magnética, que eu mesmo forneci. Dimas, já cansado e sem a destreza dos tempos passados, atualmente costuma demorar muitos dias para fazer certas coisas, que antes fazia de um dia para outro. Mas esse não é de longe seu maior problema hoje. Eu havia pedido também que comprasse uma agulha diamantada decente para instalar na cápsula. E quem disse que ele conseguiu achar a dita? De jeito algum. Quando eu fui buscar o aparelho, ele todo sem jeito pediu-me desculpas pelo insucesso parcial, avisando que não iria cobrar o serviço. Declinei à oferta dele de não cobrar e no fim ele aceitou receber ao menos a metade do valor. Visivelmente chateado, mostrou-me uma pilha enorme de aparelhos que incluíam televisores, CD players, rádios e outros tantos, todos nem tão antigos. De cada um ele sabe o defeito exato e o componente que é necessário trocar. Mas não consegue concluir seus feitos, porque o mercado não tem mais peças. Trabalho perdido, pois ele não se permite cobrar serviços incompletos. Nem mesmo a tal "taxa de orçamento", que alguns praticam no mercado. Ele acha que é desonestidade.

O fato é que Dimas dá mostras de que as suas dificuldades financeiras se avolumam, proporcionais à pilha de serviços não concluídos por inexistência de peças. Implacável, o aluguel da garagem que ocupa não leva isso em conta e idem com a necessidade de alimentar a si e à mulher. Segundo me disse, ele pressente que está na hora de encerrar a carreira. E sabe-se lá viver do quê. Dimas é dos últimos de uma competente geração de profissionais. Mas a idade avançada, a saúde não tão viçosa e algumas manobras não feitas no passado o impediram de reinventar sua profissão. Isso mesmo: reinventar-se é necessário. A Natureza nos ensina isso com a adaptação as espécies. Pobres de nós quando não o conseguimos. Pobre Dimas, que não adaptou sua profissão aos novos tempos. Torço por ele para que ainda tenha forças para tentar e consiga. E para que não tarde a fazê-lo.

E você, já reinventou sua profissão hoje? Fique esperto.

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