sábado, 4 de outubro de 2008

Estado de quem, cara-pálida?

"Toda eleição é fraudulenta". Demorei um bocado de tempo para compreender esse postulado simples e direto de Wladimir Ilich Ulianov, esse cara aí ao lado, mais conhecido com Lênin. Certamente ele já falava dos rumos da democracia pós-revolução bolchevique que assinalava os contornos do fiasco totalitário em que iria se tornar a experiência russa nas mãos dos burocratas do PC soviético. Lá se enterrariam os sonhos da democracia proletária e da própria futura extinção das classes sociais. Nas terras bushianas, quiçá em breve barackianas, o Estado Burguês faz uma gigantesca operação financeira para "salvar a economia". Cá amanhã teremos eleições municipais que renovarão cem por cento das câmaras legislativas municipais e seus executivos alcaides. O que há de ligação em tudo isso?

Aqui entra um pouco de análise política. Quando falamos de Estado (com maiúscula), referimo-nos a organização política maior de uma nação. O Estado representa a classe que o constituiu ou que o tomou de assalto. Por isso um Estado é sempre classista. Desde os movimentos iluministas e as revoluções que puseram abaixo os regimes feudais e monarquias, a classe revolucionária que tomou o poder foi a burguesia economicamente ascendente. E que logo tomaram para si a política. Assim podemos entender que a política é o reflexo organizacional e normativo daqueles que detém o poder econômico, ao cabo, o poder de controlar quem mora, quem se alimenta, quem se veste e como o fazem.

O regime econômico que domina o mundo hoje, o Capitalismo, é fruto da ascenção burguesa a todas as esferas de poder político em nível mundial. E a faceta "globalista" do Capitalismo é exatamente a hegemonia dos extratos burgueses dos países mais ricos sobre os extratos burgueses dos países menos ricos e destes sobre as classes não possuidoras dos meios de produção. Nós que não possuímos riqueza e dependemos tão somente da nossa força de trabalho e inteligência para o sustento. Essa força de trabalho precisa geralmente ser exercida para os possuidores ou para o Estado, expressão maior das classes dominantes.

Curiosamente a burguesia é disseminadora do discurso mais falacioso e inconsistente do capital, desde os postulados de Adam Smith: o de que a economia pode seguir solta que se auto-regula pela força positiva da mão invisível do mercado. Por isso a burguesia em todos os países faz questão de pregar a extinção do Estado em prol de um mercado de homens livres no qual o desejo de progresso e prosperidade de todos impulsiona as forças produtivas para a construção de cada vez mais riqueza, o que é bom para todos, certo? E também que o risco é inerente às operações de investimento. Alguns ganham, outros perdem, depois a situação pode se inverter e no final todos ganham. Ahã...

Então observe para onde os capitalistas especuladores (ops!) os investidores dos mercados de capitais e bancários vão correr, quando o capital volátil das bolsas treme (por causas de peculiaridades do sistema de acumulação). Acabamos de ver nesta semana: para o Estado. Ora, ora... Lá se desnudam os valentes desbravadores do mundo financista que arriscam seus patrimônios heroicamente e que até então - enquanto lucram - pregam a extinção do Estado ou então o "Estado Mínimo". Estado Mínimo no conceito deles é o fim do Estado redistribuidor, que presta socorro aos que precisam do elementar, como educação, assistência médica, aposentadoria, programas de moradia, socorro a desabrigados, enfim o chamado Estado do Bem-Estar Social. Esse é o Estado que os capitalistas querem sepultar. O último resquício de que o Estado Burguês - outrora revolucionário - poderia promover melhoria de vida para a maioria das pessoas. O Estado que socorre o Capital, o defende com seus aparelhos jurídicos e com o braço armado - polícias e exércitos - esse fica.

Voltando a bushilândia, os "corajosos investidores" estão sempre destemidos para lucrar, mas correm com chapéu em mãos para o governo quando perdem alguns trocados. E este Estado, benevolentemente, em nome do bem-estar $ocial dele$, empenhou um socorro jamais antes visto. Foi muita grana. Procure as cifras nos noticiários. Os coitadinhos dos investidores foram lá apavorados porque não esperavam o baque em seus habituais megalucros. Curioso que um amigo do tio lá da bushilândia, ex-morador de New Orleans, contou-me semanas atrás que tantos anos após a tragédia do dique que matou trocentos pretos e hispânicos, ainda há milhares de desabrigados com famílias morando em traillers, esperando um socorro bem mais modesto da parte do Estado: um kitchenete do CDHU deles ou um empréstimo pra comprar um sobradinho de 40m². Pra esses não têm ajuda estatal. Por que não estou surpreso?

Chegamos aqui nas eleições municipais. Em cada cidade um dos potenciais prefeitos assumirá em janeiro. E todos os conglomerados de prestação de serviço que vivem de vender para a municipalidade já investiram nos elegíveis. Algum trocadinho para um ou outro minoritário porque este poderá se aliar ao eleito em troca de uma secretaria municipal e também favorecer as compras das prefeituras. Investimento sem risco, com retorno certo. Ao lado, milhares de candidatos se acotovelam em busca do shangri-lá de uma das vagas da Câmara Municipal e terão a árdua missão de avalizar atos do alcaide, além de renomear ruas e praças que são os projetos predominantes nas câmaras municipais. Tudo isso a preço de ouro e além dos custos formais, com muita grana saindo pelos cantos ajudando os pobres políticos eleitos e seus lacaios a ampliar seus modestos patrimônios.

Enquanto isso você eleitor que lê isto - se é que agüentou até aqui porque hoje estou prolixo demais - está aí pensando se vota no que prometeu hospital, no que prometeu escolas, no que diz que já fez tudo isso ou naquele que beija criancinhas na feira livre comendo pastel. Meu caro, minha cara, o baralho está marcado, os dados viciados e a roleta tem um pedal de freio escondido. Caia fora dessas. Nunca pensei que diria isso um dia, mas não há caminho para melhoria da nossa vidinha medíocre no tapetão deles. Forget it. Vamos lá para os (des)construtivos conselhos do tio:

NÃO VOTE OU VOTE NULO. Isso não mudará o quadro em nada, mas tirará o seu aval dessa balbúrdia que está aí.

COMPRE SEMPRE QUE PUDER de pequenos produtores, hortas comunitárias, cooperativas autônimas, do seu Zé que planta verduras no terreno ocupado, da dona Lola que costura em casa no anonimato. Corte o cabelo no seu Antônio que nem firma aberta possui e desconhece o que quer dizer ISS. Tudo isso ainda terá um resquício de imposto embutido mas a sua contribuição diminuirá bastante.

SONEGUE SEMPRE QUE PUDER os impostos. Os impostos vão para sustentar e perpetuar o Estado Burguês incluindo a polícia que te dá borrachada se você for pra rua reclamar. Infelizmente quase tudo que chega às nossas mãos já vem com impostos antecipados ou tributados do produtor (exceto os vegetais da horta do tiozinho do terreno invadido). Mas quando se tratar da suada rendinha do seu trampo, sempre que puder faça-a informalmente e enfie a grana no bolso. Com o $ que seria da tributação você poderá contribuir melhor do que ninguém para o bem-estar social da sua família. Isso inclui não cair no conto da Nota Fiscal Paulista e suas assemelhadas de outras unidades territoriais. O Estado não te devolve merda nenhuma no final das contas. Ele apenas quer saber quanto VOCÊ GANHA e o mesmo a respeito do cara que te vendeu.

E novamente eu insisto:

NÃO VOTE OU VOTE NULO. Não fará a menor diferença mas pelo menos você desencantará sua mente das ilusões, tornando sua visão mais limpa e realista. Se você se ausentar a multa é irrisória; mais barata do que o busão de ida e volta. Não caia também nessas histórias de que se X% mais tanto votarem branco, nulo, absterem-se, etc.. anulará o pleito. Isso não tem a menor base jurídica. E ainda que tivesse, se um colapso eleitoral ocorrer, o TSE, o STF e as câmaras legislativas federais darão um jeito rapidinho de mudar as regras e manter a legitimidade da farsa. Toda eleição é fraudulenta, já disse o tio Lênin. Ela traz no seu âmago as regras espúrias e o germe da locupletação.

Desculpe pelo mau humor. Por esses dias estou frio e realista demais.

Pode confirmar sem medo: o número está mais que certo.

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