domingo, 1 de novembro de 2009

Não perca por esperar

O tio não é vingativo. Jamais. Sou apenas um escorpiano que acredita que as leis da Natureza e os ciclos do deus Chronos colocam as pessoas em situações semelhantes, de tempos em tempos. É nesse intevalo que os seres mais preparados e iluminados do Universo são capazes de criar condições para reverter situações, a fim de revid... (ops!) digamos assim, retribuir gentilmente o que recebemos das pessoas, entende? Nada de vingança, nada de rancor. Apenas é uma característica dos escorpianos ter uma memória privilegiada. Explico:

Uma década e pouco atrás, a assistente do tio recebeu um telefonema de um dono de empresa interessado em um sistema de gestão empresarial. Justamente o que comercializo há mais de quinze anos ininterruptos. Dados anotados e data agendada pela eficaz colega, lá vai o tio encontrar-se com o suposto empresário. Não explicitarei aqui características étnicas ou religiosas do dito cujo, pois isso poderá servir para me acusarem de anti-qualquer-coisa, o que seria inverídico. Sou agnóstico, pluralista, estudioso da Filosofia e sei bem que comportamentos humanos têm pouco a ver com essas características de massa, mas são fruto de algo que chamo de pedigree humano. Um misto de qualidades advindas da linhagem familiar, tanto de modo inato quanto por socialização. Alguns conseguem superar parte das sinas de seus ascendentes, mas talvez não era o caso do bípede em questão.

Lá chegando, deparei-me com um sujeito de aparência e modos rudimentares. Era o dono de uma fábrica de velas que refletia exatamente a imagem dele. Me senti no século XIX e ao ver a precariedade das condições dos operários quase telefonei para Bakunin, mas o conceito de tempo me voltou à mente e desisti. A pergunta que me ocorreu foi: Será que, considerando o anacronismo deste lugar, esse sujeito compraria um bom sistema informatizado para gerir os seus negócios? À aparência negativa, tratei de todo o tempo manter-me teatralmente crente na hipótese positiva, apesar de a fabriqueta demonstrar que há centenas de anos nem um centavo fora investido em equipamentos, métodos, muito menos em condições de segurança operacional. Era aquilo que chamamos popularmente de moquifo.

Fiz uma demonstração com o meu notebook - na época um Toshiba de 200Kg! - porque nenhum dos computadores dele tinha condições mínimas para rodar o instalador do meu sistema. Todo tempo os comentários do "empresário" eram de que não precisava disto, essa outra função não era importante e coisas assim. Saquei de longe que a intenção era minimizar a relevância do produto, achando que com aquilo faríamos uma doação filantrópica para ele. Embora minha vontade fosse de me retirar eu toquei a reunião até o fim, quando ele me perguntou o preço. Não sei estabelecer a relação desse preço hoje, mas lembro era algo confortável para uma pequena empresa pois em outras empresas do mesmo porte meu sucesso era significativo. Dei-lhe uma tabela de preços e, sem delongar, fingi não ter ouvido seus comentários medíocres de que era caro, etc.. Zarpei e, como de costume, anotei um acompanhamento por telefone para os próximos dias.

Passada uma semana, a competente colega de trabalho telefonou para o cidadão. Qual não foi minha indignação ao saber que ela fora receptora de uma dezena de vocábulos impublicáveis neste seleto espaço. Pra você ter uma idéia, um dos palavrões que ele proferiu para a mulher incluía o nome popular do orifício sito ao final do reto. Segundo o nobre empresário, era um absurdo que um "programinha de computador" - palavras dele - custassem tanto e, enfim, a lista de impropérios torpes foi imensa. A coleguinha apenas desligou e deu a oportunidade de venda como encerrada. Ao fim da tarde, quando ela me contou eu cheguei a pensar em ligar para ele, mas fui demovido pela dama que já dava por demais ela ter ouvido o que ouviu. Disse que bastava sepultarmos a ficha daquele ser desprovido de qualitativos. Colega de nobreza. Assim, o assunto morreu.

Dois ou três anos depois o tio já estava trabalhando em outra empresa. Maior, de tecnologia mais sofisticada e de certo garbo, que incluíam um escritório na Av. Paulista e uma clientela onde constavam multinacionais renomadas. A secretária do departamento, desta vez era a adorável baiana "Nil" também competente. Certa feita ela encaminhou um agendamento para mim. Adivinha de onde e de quem era? Imagine então minha cara de espanto ao ver na ficha o nome daquele sujeito, da espelunca de sua propriedade, telefone e endereço tais e quais. Bem, well, seguindo as premissas do primeiro parágrafo, chegara a hora. Ri e pedi no ato que a colega ligasse para o hominídeo, mas que permanecesse na escuta para testemunhar e registrar os fatos. Ela o fez, inicialmente sem entender. Começa o diálogo:

- Alô, Sr. Schlebovitch*?

- É ele (sic!).

- Boa tarde, sou o Tio Xavier, da Acme Software Inc.* e o senhor ligou para nossa empresa procurando um sistema de gestão, correto?

- É. A moça falou que vai vim um cara aqui (sic). É você que vai vim (sic)?

- Não senhor.

- Então quem vai ser?

- Nem eu e nem ninguém desta empresa, sabia Schleb*?

- Como assim? Quem é você? Posso saber por quê?

- Como assim, é? O senhor por acaso ainda usa um programinha feito em Cobol há uns nove anos, certo?

- Uso, mas que é que você tem com isso? Quem é você?

- O que é que tenho? É que por acaso, em 1997, você recebeu a visita de um profissional da Acme Technologies Corp.*. Fui eu. Fiz-lhe uma simples oferta comercial e, não querendo, bastava-lhe rejeitar. Mas não. Ao receber a ligação da minha assistente dias depois você demonstrou uma baixeza inigualável. Falou uma série de palavrões para a moça, mostrando que não tem um pingo de educação básica, nem gabarito para possuir um computador. Quanto menos uma fábrica. Aliás, não tem pré-requisito nem para viver em sociedade. Por isso é que essa espelunca que você chama de empresa parece um porão escuro, é um nojo e você continuará para sempre usando a mesma porcaria de programa que usava nos seus micros 286. Você nunca vai evoluir e, por isso, a sua fabriqueta também não vai. Ela é seu reflexo.

Após uns trinta segundos mudo, certamente pego desprevenido ele recuperou-se:

- Quem é você? Eu quero falar com seu chefe agora!

- Quem tem chefe são grupos tribais pré-civilizados, compreende? Aqui tem diretores e um presidente. Mas eles jamais vão atender a um ser tão desprovido de espírito como você. Se quiser, ligue novamente no PABX e tente a sorte. O nome do presidente da nossa empresa é Frank Schulzenstein*. Mas ele só atende a pessoas socializadas e elevadas.

- Você vai ver com quem está falando! Eu vou aí nesse troço falar com alguma autoridade.

- Eu sei com quem falo. Sinto muito mas não sei o que é "troço". Aqui é uma renomada empresa e você sequer vai conseguir entrar com sua camiseta ensebada neste edifício. Pode tentar vestir uma roupa apresentável, mas seus modos mostrarão ao porteiro que não é do tipo de gente bem vinda aqui. Passar muito bem.

- Você vai ver se eu não apareço aí.

Por um instante achei até que ele tentaria. Esperei por mais um ano. Na verdade eu pagaria para que ele conseguisse entrar e chamássemos os seguranças para defenestrá-lo. Mas ele jamais foi.

Por que lembrei dessa história agora? Porque acessei a base de contatos recentes do site da empresa onde trabalho atualmente. Curiosamente, lá estava um pedido de informações de um tal Schlebovitch*. Isso mesmo: o dono da fabriqueta de velas, com o mesmo nome e endereço. Apenas fiz um comunicado à nossa telefonista, para que jamais dê atenção a um telefonema dele. Afinal, como novamente trabalho com uma empresa distinta e próspera, é meu dever selecionar a clientela. Certo, Schlebão?

O próximo, por favor.

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