sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Chatos culinários

Post escrito em parceria com a Red's.

Você conhece um? Claro que sim, todo mundo conhece. Talvez você seja um deles - os chatos culinários, pessoas sem noção cuja missão no mundo é azucrinar a paciência alheia querendo convencer as pessoas de que eles e o seus egos inflados são verdadeiros chefs milagrosos, capazes de fazer todos os seres humanos mudarem de opinião a respeito de comida, mesmo os mais resistentes.

É muito fácil identificar um chato culinário. Tal personalidade vem à tona quando uma pessoa ousa divulgar que não suporta determinado prato. Vamos pegar o exemplo da Red, que odeia todo e qualquer tipo de prato com peixe.

- Odeio peixe.

- Mas Red.. isso é porque você nunca comeu o peixe QUE EU PREPARO (há muita ênfase neste trecho da frase). Eu preparo uma tainha recheada de nozes que vc vai ADORAR!!! Você VAI TER QUE adorar... Não vai ter como não ficar fã.

- Tudo bem, mas não é o preparo. Eu não gosto é DO peixe em si.

- Um dia, Red, eu vou fazer um peixe lá em casa. Você vai ter que comer, nem que seja só um pouco. Vai experimentar. Depois de comer minha tainha com nozes eu DU-VI-DO que você não coma até se entupir.

- Você não entendeu. Eu tenho certeza que você prepara um peixe espetacular. Para quem gosta de peixe. Vou tentar explicar mais uma vez: EU NÃO GOSTO DE PEIXE.

O exemplo cita os peixes, mas o exemplo pode ser utilizado para qualquer prato.

É possível supor que o interlocutor compreendeu, tal a objetividade da frase e sua estrutura sucinta, certo? Errado. Durante seu desenvolvimento cognitivo, o chato culinário só conseguiu estabelecer sinapses o suficiente para processar operações de adição de ingredientes na panela. Ao contrário do que estudou Jean Piaget, depois dessa fase de operações concretas, o chato culinário não seguiu para a fase de operações abstratas. Por isso é que elucubrações complexas quanto "ele gosta disso", "ela não gosta daquilo" e muito menos "será que estou enchendo o saco?" não fazem parte do universo cerebral do chato culinário.

Na verdade ele está apenas processando a sua vaidade. Eis o raciocínio: a pessoa pode até não gostar de peixe, mas isso não tem nada a ver com o peixe DELE. O peixe DELE, assim como ele, é o máximo. Não dá pra aceitar, assim, de bate pronto, que um ser humano QUALQUER não o aprecie revirando os olhos e batendo palminha.

Até que um belo dia o chato convida Red para almoçar o tal peixe, a obriga a enfiar uma garfada goela abaixo e eis que ela emite o seu parecer:

- Não gostei.

E no segundo seguinte o chato culinário deve dizer:

- Ah, mas não é possível!

Sim, não é possível. A pessoa DEVE AMAR o peixe. Caso contrário, ele amarrará uma tromba, ficará ofendido para o resto da vida ou pensará - esta é a hipótese mais provável - que a pessoa é um caso perdido, um ser inferior que não sabe apreciar uma boa culinária.

Do alto da sua soberba o chato culinário tem semelhanças com o fundamentalista religioso. Ele vê como única hipótese de salvação - nesse caso gastronômica - que você se obrigue a amar, respeitar e adorar o que ele faz ao fogão, ainda que contenha toneladas de coentro, galões de dendê e um barril de cominho, por exemplo, e você diga claramente que não gosta de temperos muito fortes.

Assim também ao rejeitar a buchada de bode de um chato culinário você será taxado de fresco, de não saber o que é bom na vida, de não ter paladar e que deveria participar da sessão de descarrego, porque só um espírito das trevas pode fazer alguém não gostar do que ele gosta.

Nessa hora, a única saída plausível para a vítima é firmar o pé e não ameaçar ceder um milímetro, sob o risco de o chato culinário achar que ela tem potencial de gostar de tudo o que ele gosta. Se a pessoa fingir que gostou, já era.

Para o chato culinário não existem coisas como personalidade, gosto pessoal, preferências individuais, nem nada. Pessoas que não gostam do que ele gosta são problemáticas ou estão apenas a fim de ser do contra. Não existe outra possibilidade. De qualquer maneira, a outra pessoa deve ser convertida, e esforços para isso não devem ser poupados.

O chato culinário, porém, tem outras formas de abordagem que podem ser tão irritantes quanto esta citada. A primeira é sempre partir do princípio de que o que ele gosta é algo universal, e que não existem preferências particulares. Logo, quando a pessoa diz que não gosta de buchada de bode, ele fará a pergunta mais óbvia e mais cretina do universo:

- Mas você já comeu?

Ele usará uma expressão facial e uma entonação de voz de quem está questionando seriamente a afirmação da outra pessoa. Ele deixa bem claro que quem faz tal afirmação não pode ter embasamento algum no que diz. Ele pensa em desmerecer a vítima até a última gota, levando o tom da conversa para o seguinte raciocínio: "Você nunca comeu, logo não sabe do que está falando, pare de espalhar a sua ignorância pelo mundo!". Isso fará com que a vítima se sinta mal ou culpada por emitir tal opinião, e que seja reduzida ao tamanho de uma reles azeitona.

Se a pessoa disser que nunca comeu porque tem nojo de se imaginar comendo bucho de bode (ou é vegetariana), o chato imediatamente pula para a chatice descrita no começo. Se ela disser que já comeu e não gostou, então dê a resposta fatal:

- Ah, isso é porque você nunca comeu uma buchada bem preparada...

E emenda a ladainha anterior.

* * *

Fato mais inusitado ocorreu dias atrás com uma amiga psicóloga. Era aniversário de alguém em um barzinho. Aniversário em barzinho por si só é recheado de impessoalidade e torna-se ocasião em que você vai encontrar dezenas de pessoas que são "amigos, do amigo, do amigo do aniversariante" e, então, toda sorte de chatos pode aparecer. E, claro, o chato culinário está lá. Vejam esse diálogo verídico, narrado pela vítima:

- Oi, como você se chama, gracinha?

- Victoria*.

- Então, Vic. Posso lhe chamar de Vic né?

- Hãhã...

- Vic, vou pedir uma porção de rã fritinha, vai nessa?

- Não obrigada.

- Não gosta?

- Er... olha, não me ocorre degustar anfíbios. Ainda mais um batráquio.

- Batr... o quê? Você já comeu rã?

- Não, mas não quero comer. Não me agrada a ideia.

- Como não? Nâo pode ser. Você vai comer umazinha sim.

- Não, obrigada mesmo. Agradeço, mas dispenso.

- Ninguém resiste depois de comer a primeira. Você vai ver.

- Não vou não.

- Ah, vai. Você não tem a menor ideia do quê está perdendo.

- Tá bom, mas... entende? Eu apenas não quero.

Dali uns minutos aterrisa na mesa a travessa com os sapos efeminados. Acredite que o cara ainda pegou um e fez menção de leva-lo à boca da educada moça, que apenas levantou-se foi ao banheiro e demorou uns quarenta minutos para voltar, pois passou na pista de dança onde ficou um tanto. Para sua sorte a volúpia e gula do chato em questão foram maiores que sua pentelhice.

Mas neste caso acima, a chatice não se resume apenas às questões gastronômicas. Ao que parece, o estrago é bem maior. Mas este não é o assunto deste post.

Eu aposto meus dedos que vários chatos gastronômicos estão lendo este texto e pensando: "Isso é porque ela nunca comeu o MEU ____________________ (digite aqui o prato de preferência)".

2 comentários:

cidaneuenschwander@gmail.com disse...

Tio Xavier? Estranho chamá-lo assim, porém instigante. Vamos lá tio. Sou adepta de que na minha cozinha haveria uma sala de estar...Divorciada, filhos grandes e independentes, não chego nem perto do fogão e ainda tenho a petulância de fechá-lo na sexta à noite com o aviso: Casa de repouso, cozinheiros ausentes...

Gosto de peixe, mas, por favor como opção bem escolhida e respeito os nordestinos,soteropolitanos da minha casa, que adoram tudo que se refere ao mar, ao rio, ao que cheire a peixe e cá entre nós, há maravilhas, mas come quem quiser. Se eu vir um peixe branco cozido na minha frente, meu pouco apetite passará a ser zero e o substituirei por alguma sopa instantanea.Enfim, por experiencia digo: há coisas maravilhosas do mar a serem desgustadas. Inacreditáveis por sinal. Só que como a educação recebida e a vida já me enfiaram goela abaixo muita coisa que não gostei de engolir, concordo com sua posição:há muito chato por aí...não apenas os culinários. Chatos aos quilos e com todos os temperos e sabores disponíveis.
Meu abraço.
Cida

Unknown disse...

Chatice...meeeeeeeeeeeesmo foi falar tanto dos chatos...Cada chato com sua mania e cada chato com seu prato.
Afinal, você gosta de peixe?