- Tio?
- ...
- Você não lembra de mim, né?
[Tio procurando o botão eject]
- Lembrando eu tô sim... mas...
[Tio pensando: "Cazzo e se for um cliente e não comprar mais de mim?"]
- É tio! Como você tá de cabelo branco! Tá 'véio' hein?
[Tio pensando em mandá-lo tomar no ânus, mesmo que ele for presidente de multinacional]
- Tenta lembrar quem eu sou.
[Tio pensando: E por que eu deveria?]
- É tio... você ainda é católico?
[Tio pensando: porra, o que você tem com isso?]
- Não. Não sou católico.
- Nãããããããão?
- Não.
- Mas o que você é agora?
- Eu tenho que 'ser' alguma coisa?
- Ah.. eu sou católico. Não vou mais na igreja. Mas continuo católico. É que aqueles caras da Renovação Carismática lá estavam insuportáveis. E aí blá blá blá blá blá blá...
[Tio pensando: mas quem perguntou algo?]
A essa altura eu lembrei mais ou menos quem era. Assim de vista, mas nome nem pensar. Era um bocoió da Igreja que o tio freqüentava na juventude. Bocoió mesmo, daqueles mais incautos e ingênuos. Por exemplo, enquanto o tio coletava donativos pra acampamento de ocupação de sem-terra, à qual eu ajudara pessoalmente a invadir, o tonto tava rezando terço com a turma Legião de Maria e falando que o que eu fazia era coisa do demônio.
Mas agora, pra você ter uma idéia da significância dele para mim e do "reencontro", tente imaginar como foi que o bocoió se foi do boteco e como nos despedimos. Pois é. Eu não tenho a menor idéia. Acho que ele foi ficando invisível. Veja você leitor, como ele foi importante. Acho que naquele momento de extrema chatice fui apagando ele da mente e ignorando-o até que sumiu. Não o vi saindo do bar.
Lembrei-me dos ensinamentos de Buda, para quem o Universo é produto de nossa mente. Nesse caso eu "desproduzi" parte do Universo, por sorte o bocoió. Mas agora há pouco quando narrava essa história pra uma amiga, ela concluiu: "The Secret" também funciona para se livrar dos chatos. A mente produz aquelas ondinhas como no filme e desmaterializa os chatos. Que bom. Preciso praticar mais isso.