sábado, 29 de setembro de 2007

O futuro da Educação - Parte II

Hoje tive uma conversa virtual via chat com um professor que sequer conheço e nem sei se o conhecerei. Nada espantoso, a não ser pelo fato de ele ser um dos atuais professores do tio. Ocorre que a universidade onde o tio estuda, para algumas matérias, aderiu ao novo modal de ensino: o Ensino à Distância - EAD - como é chamado lá. A regra é clara - já diria Arnaldo César Coelho - e reza que o aluno deve acessar periodicamente uma tal plataforma de estudos pela internet. E rachar de estudar, no melhor da auto-didática. Uma lenda conta que os acessos ao tal ambiente virtual são computados, para validar freqüência do aluno. Cabe também ao aluno copiar ou ler as matérias e posteriormente entregar, via plataforma, os trabalhos solicitados pelo professor através de uma lista de tarefas e prazos. Coisas da mudérrnidade. Até o momento, nessas matérias em formato EAD, só as provas são presenciais. Minha vidência tecnológica prevê que é só uma questão de tempo para que os exames passem a ser à distância, monitorados por webcam e os chats digitados sejam substituídos por visualizações ao vivo entre professores e alunos, com direito à voz e até acesso remoto mútuo entre os computadores. Não há de demorar.

O encontro virtual de hoje era obrigatório para toda a turma. O objetivo era bem simples: o professor iria tirar as dúvidas do aluno (tio) e das alunas, acerca de quatro dos textos que estavam à disposição há semanas. Consideremos que, por tirar dúvidas entendo algo assim: 1) o conteúdo é de conhecimento prévio das partes; 2) ao docente virtual cabe responder às perguntas formuladas pelos alunos, que já teriam lido o texto. Correto? Há controvérsias. Para contextualizar o assunto de hoje, a matéria é Antropologia Cultural. Abaixo tentarei reproduzir algumas questões, posto que não consegui em tempo copiar e salvar todo o encontro. Junto de cada uma pus o comentário que mereceria em tempo real.

* * * /openchat

[Professor Fulano]:
- Boa tarde pessoal. Bem vindos ao nosso encontro. Podem começar a expôr as dúvidas.

[Aluna 349830843098]:
- Pro, o que é Antropologia?

É um troço que você deveria ter lido há quatro semanas e consultado no dicionário, isto é, se não fosse analfabeta.

[Aluna 879793497974]:
- Aproveitando o gancho da colega, o que é Cultural, pro?

É um aspecto que não existe em sua formação de fã de axé e telespectadora do Gugu Liberato.

[Professor Fulano]:
- Ok gente (...) - quase pude ouvir um suspiro dele - Antropologia é o estudo de... blá blá blá blá blá...

[Aluna 632632992377]:
- Pro, uma colega tá ligando pra mim falando que não consegue entrar na plataforma. O que eu digo pra ela fazer?

Pega o mouse e enf... (deixa pra lá).

[Professor Fulano]:
- Rezar.

[Aluna 632632992377]:
- Rezar? - pausa para cair a ficha - Ahahahahahaha agora entendi ahahahahahahah. Ê pro...

Surpreende neste caso a capacidade de sinapse, ainda que com efeito retardado.

[Aluna 349830843098]:
- Então Antropologia é 'tipo assim' uma ideologia?

Deve ser. Desde que você me explique o que é uma ideologia, sua jumenta.

[Professor Fulano]:
- Absolutamente não.

[Aluna 349830843098]:
- Não? Então é o que?

Leia o texto vinte vezes e não me encha o saco com perguntas tão básicas.

[Aluna 728347329404]:
- Pro, pra quê que a gente tem que estudar Antropologia, se a gente não vai lecionar pra índios?

Pra entender como é que uma família iletrada como a sua envia uma anta como você à universidade.

* * * /closechat

Esta última o professor certamente fingiu não ler, talvez enquanto rezava - ele sim - para que o encontro terminasse logo. Houve gente que chegou a comentar que as aulas EAD deveriam ser em sala de aula. Putz, então não seria EAD. Uma outra falou que é muito difícil estudar sozinha, que ela não tem paciência de ler. Que cazzo de professora vai se formar, já assumindo que não gosta de ler? Outra colega disse no chat que é difícil ficar clicando e lendo as matérias online. Detalhe à parte é que a ditinha tem perfil no Orkut e, pelo que pude investigar, é ativa e assídua freqüentadora do site de relacionamento, onde posta e lê com afinco.

Me recuso a transcrever mais do besteirol que rolou no chat. Foram eternos sessenta minutos com aberrações ortográficas e desconstruções gramaticais que a meninada escrevia. Confundiam a plataforma da universidade com o bate-papo da candinha.com, tais eram a informalidade e os vícios do new-idioma internetês. Se após os primeiros cinco minutos eu já anseava pelo término, fico imaginando o pobre e decepcionado professor. É assustador saber que algumas universitárias sequer sabem redigir uma pergunta objetiva. Quanto menos respostas tais.

E assim caminha a Humanidade. Rezem para suas divindades para que elas iluminem as mentes dessas pessoas, antes de elas se habilitarem ao Ensino.

Enquanto isso, Paulo Freire dá cambalhotas no túmulo.

O futuro da Educação - Parte I

É a primeira vez, acho, que escrevo um texto e já o intitulo como "Parte I" antes de conceber a segunda parte. O que me motivou a esta audaciosa iniciativa literária nunca antes vista, foi a sucessão de fatos que observei esta semana na turma acadêmica do tio. Daria até para escrever uma nova versão do Febeapá.

Primeiro, recordemos que o tio é um recente universitário de Pedagogia. Tardio talvez, mas aí é outro assunto. Relembro a todos também que a minha turma é composta de setenta e duas mulheres e o tio. Dito isso, vamos aos fatos.

Na sala de aula existe um aparelho de TV que fica fixo acima da lousa. Serve obviamente para apresentações de multimídia e audiovisuais. Mas em nenhum lugar está escrito que deva servir para isso. Por essa razão, o tio tratou de descobrir os meandros necessários para ligar o aparelho. E em alguns minutos, poucos antes da aula, lá estava o SPTV sendo exibido diante da turma. Ingenuamente julguei que a turma apreciaria assistir a um noticiário antes dos estudos.

Mas surge o problema principal: seria possível ouvir algo se as setenta e duas matracas ao menos abaixassem o tom de voz. Deus do céu, onde é que as mulheres arranjam tanto assunto? E por que falam tão alto? Se não consegue abstrair a ordem de grandeza do absurdo volume da fala feminina em minha sala, isso pode ser expresso pela equação abaixo.

Onde:
CTF = Capacidade Total de Fala
FI = Fala Individual (em dB)
ETS = Espaço Total da Sala (em m³)

Considere uma variável generosa de 3dB para FI. Mas lembre que uma mulher, na verdade, produz cerca de 10dB (se estiver calma). Para calcular a área da sala, multiplique A x L x C em metros lineares. A do tio deve ter aproximadamente 3,5m x 10m x 15m, o que dá 510m³. A CTF da turma nesse caso é de 3 multiplicado por 10 elevado à 72ª potência, divididos por 510. Eu bem que tentei fazer isso na planilha de cálculo mas estourou. E se os números estouram as células, imaginem o que aquelas vozes esganiçadas fazem com os refinados tímpanos do tio. Para os ruins de cálculo dou outro exemplo mais direto: um pregão de bolsa de valores dominado por fêmeas. Em suma, um horror.

O Carlos Tramontina da Globo anunciava as matérias do noticiário. Com um esforço inédito de leitura labial e interpretação de imagens, identifiquei que as três principais reportagens estavam relacionadas de algum modo com o Ensino. A primeira sobre um vazamento de gás em uma escola. A segunda de uma garota que teria esfaqueado a colega dentro da sala de aula. A terceira acerca da greve dos professores municipais de Sampa. Eureka, pensei. Já sei como hei de obter silêncio.

- Aí meninas: vejam o que as espera. Viram a violência na sala de aula? Olha lá greve dos professores municipais - meu tom e minha expressão eram as de um pregoeiro público - .

Diante dos olhares de interrogação, apontei a TV. E deu certo. Silêncio. Só que eu gostaria que o silêncio durasse mais do que os dez segundos que durou. No décimo-primeiro segundo lá estavam de novo as sete dezenas de tagarelas falando sobre o último lançamento da Natura®, a nova fio-dental da De Millus® e que fulana da turma de Letras, tinha ido pro motel com beltrano de Comércio Exterior. Toca o pobre tio tentar ler os lábios das pessoas do telejornal, praticamente em vão. Até que chegou a professora e desliguei o aparelho. Agora vem a cena dois.

Nove horas da noite - habitual horário do intervalo - e uma colega inspirada pela iniciativa do tio corre ligar a TV. Hora da novela. Essa da Globo, que acabou ontem ou hoje. Adivinhem se havia algum som de voz além obviamente das vozes dos atores da novela. Não fosse o som do televisor poderíamos identificar o sexo de uma mosca pela freqüência do bater das asas.

Vejam que tipo de professoras estão se formando lá. E o que o pobre tio tem que agüentar. Daqui a alguns anos elas estarão se candidatando a postos de professoras nas escolas públicas e particulares da cidade. Espero que eu não me depare com nenhuma, onde algum de meus filhos vá estudar.

Mas não pára por aí. Tem mais.

Ps.: Santo Expedito aceita devolução?

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Clique aqui, anda logo

É espantoso descobrirmos por quanto tempo os usuários da Informática estiveram na caverna, acorrentados e assistindo às sombras em lugar da vida.

Não perderei tempo explicando o mais novo recurso do Google Docs. Agora prepare sua mente e seus olhos.

Preparado? Então clique AQUI.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Sacaneando com a Telefônica

O Fernando, um cliente muito gente boa, me mandou uma seleção de tiradinhas - e colocadinhas - que todos podem fazer quando estiverem com saco cheio dessa empresa escrota que é a Telefônica. Não requer prática nem tampouco habilidade. Qualquer um pode fazer de sua própria casa ou até do trabalho. Dentre as tantas, esta foi eleita pelo tio a the best.

Ps.: Este blog requer um mínimo de cultura para ser lido.
Se você não assistiu a "Cidade de Deus" não faça perguntas.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Como melhorar a umidade do seu ambiente

A umidade relativa do ar está em percentuais alarmantemente baixos. A CETESB anda falando em 11% aqui em Sampa, o que é absurdo e tem conseqüências respiratórias funestas. O tio mesmo andava mal, com uma tosse chatérrima aos finais de tarde. Fora os lindos olhos azuis-esverdeados do tio, que lacrimejavam como cachoeiras ao simples ler de uma página escrita.

Mas meus problemas acabaram-se. Após exaustivos estudos técnicos e uma extensa pesquisa científica, na última segunda-feira cheguei ao protótipo final de um experimento revolucionário e de baixíssimo custo, que modificará para sempre a qualidade do ar no cubículo 2m x 1,5m que abriga a multinacional do tio. Faça você mesmo.

Lista de materiais:

1 botija cerâmica, dessas que o povo do interior ainda usa para armazenar água. Você há de achá-la por vinte reais em qualquer casa de quinquilharias. Se é que não tenha uma no seu sótão ou na casa da sua avó para você afanar.

1 aquecedor elétrico para aquários (recomendável de 10W). Encontrável em qualquer petshop por menos de dez reais.

Modo de fazer:

Siga estreita e minuciosamente esses procedimentos, sob pena de o artefato não funcionar e você continuar com seus problemas respiratórios. WMO*, de Goiânia, não o fez corretamente e foi acometido de gravíssimos problemas pulmonares, tendo ido à óbito na semana retrasada. MMS* de Belo Horizonte, cometeu alguns erros e a sogra dela veio morar definitivamente em sua casa. Por isso avalie cada passo dessas complicadas instruções.

1) Encha a botija com água até o gargalo.

2) Coloque a botija em um canto, o mais próximo possível de uma tomada elétrica.

3) Insira com cuidado o aquecedor dentro do recipiente, deixando chegar até o fundo e obviamente o fio elétrico para fora.

4) Verifique a voltagem do aquecedor e da tomada em questão; só ligue se forem compatíveis.

5) Após ligar, feche as janelas e portas do recinto, para que ocorra uma primeira umidificação no ambiente. Uma boa idéia é fazer isso à noite.

6) Esse processo inicial pode durar umas oito horas e depois disso você já notará a diferença na qualidade do ar. Já poderá abrir a janela normalmente.

7) Procure não deixar a porta e a janela abertas simultaneamente pois a ventilação poderá drenar a umidade criada com tanto trabalho. Ou um ou outro.

8) Verifique com freqüência o nível da botija e mantenha-a cheia até o máximo possível. Evite que a água desça até o nível do aquecedor, pois este poderá se danificar irremediavelmente.

Ps.: Deixe o recipiente sempre destampado. Senão como o vapor há de sair de lá de dentro? Dãããããã.

Registros técnicos:

A evaporação, para a relação 10W de aquecimento x 1,5 litros de água é de aproximadamente 200ml por dia, segundo apontamentos do tio. Ou seja, você terá que repor um copo de água por dia, para manter a botija cheia. Se me lembro um pouco das aulas de Física do ginásio, o volume gerado calcula-se: 0,200 x 10³ = 200 m³ de vapor. Não sei o que significa isso em percentual de umidade aqui no cubículo, mas o ar está deveras agradável graças também à porta ser mantida fechada.

Até então, torço para que o fumante da sala da frente mude-se em breve para o Haiti ou Soweto, ou mesmo faleça de asfixia nas próximas semanas.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Leiden: você ainda não conhece?

Na faixa litorânea da Holanda, com Amsterdã ao norte e Roterdã ao sul, existe um pequeno pedaço de céu na terra, incrivelmente sob tutela do que chamam de civilização humana. Trata-se de Leiden, uma pequena localidade onde mora uma amiga virtual do tio.

Els Vink é uma vovozinha agora com seus sessenta e cinco anos. O tio conheceu há uns três anos, em um dia de ócio, usando o compartilhador de músicas online. Na época era o WinMx, que consta estar extinto. Veja só as inusitadas oportunidades que a internet nos propicia. Ao detectar um usuário "puxando" uma música dentre as compartilhadas do tio, iniciou-se um bate-papo despretensioso, com ambos querendo saber quem está do outro lado do universo cibernético. Demorados alguns minutos, dado domínio escasso do idioma inglês de ambos, conseguimos nos identificar. Do lado de cá, o tio. Lá na Holanda, em uma casa linda, florida e sutil em cada detalhe de arrumação e zelo, estava a senhora Els, que vagava na internet após o almoço. Tocamos os msn´s e passamos a nos comunicar com certa freqüência.

Dessa troca de músicas - sinceramente as músicas holandesas me parecem estranhas - e de conversas à toa pelo Msn, surgiu uma interessante amizade virtual. A tia de lá mora com o marido aposentado e tem uma vidinha hiperpacata. Digna de inveja por nós, que vivemos em meio à violência, à custa do estresse, das horas pouco e mal dormidas e dos inúmeros sacrifícios que fazemos em busca de um lugar ao sol. Sol este que bate durante o dia todo, durante a primavera e o verão na casa de Els. Aí está um dos tantos lados bons da internet: acrescentei uns pontos a mais nos meus miseráveis conhecimentos de Geografia e a tia Els aprendeu que na MPB tem muito mais do que "The girl of Ipanema", até então a única canção brasileira da qual ela me disse ter ouvido falar. Se querem saber, depois da amizade com o tio até Ed Mota e Jorge Benjor a tia Els está curtindo.

Finalmente conheça um pouco desse pedaço do Éden encravado na Holanda. Veja essas fotos que tia Els me enviou no fim-de-semana. E faço um desafio: ache uma garrafa pet boiando no riacho, uma lata de cerveja no chão, uma sacola de supermercado ao vento ou mesmo o carro de um idiota, com porta-malas aberto tocando funk no último volume. Quem achar ganha um vale-brinde.

Leiden - Holland

Ps.: A tia Els podia me adotar. Vou checar essa possibilidade.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Independence day

Um sábio professor do tio disse uma coisa que, se na ocasião deixou-me incomodado, hoje se me ressente como uma facada de verdade no fígado. Ele disse que uma das razões de o Brasil ser esta mesmice burra é o fato de o processo de descolonização de Portugal ter sido feito sem uma gota de sangue. Fato é que, dentro da sua perspectiva extrativista e predadora, Portugal já havia praticamente esgotado seu divertimento aqui em Pindorama, quando ocorreu a tal "independência" (aspas propositais).

O que foi a proclamação da independência senão uma reunião de barões burocratas, com um jovem fidalgo nada chegado às obrigações da realeza? Jovem esse - vale dizer - muito mais chegado aos tragos nas bodegas e aos agrados das senhoritas gentis, do que aos deveres de um dirigente político. Não houve mais nada, senhores. O pomposo afresco de Pedro Américo que ilustra o seu xará no alto de um morro, erguendo a espada e cercado de cavaleiros autonomistas, nada tem a ver com o conchavão de elite que afastou a família real do Brasil. A verdade é que os portugas da corôa lusa jamais gostaram desta terra selvagem, quente e povoada por silvícolas peladões. É de se concluir facilmente que, dentre os nobres que para cá vinham, a maioria tenha sido composta de estafetas reais falidos, endividados e desapropriados de suas moradias, cujos destinos e cargos destinados se originavam de castigo real. É mais ou menos como hoje ser nomeado para um posto de secretário adjunto de assuntos diplomáticos no Acre, para ganhar mil reais e trabalhar na divisa com a Bolívia, sem ar-condicionado, sem parabólica, sem internet e sem repelente de mosquitos.

Por isso entre as histórias bizarras que se contam dos nobres portugas acá aportados, sobram narrativas de mulheres de muitos homens, fidalgos efeminados e gente com pouca sanidade ou nenhuma clareza intelectual. Se houve um retrato realista desse período, terá sido sim o pintado por Walcyr Carrasco na novela Xica da Silva. Condes falidos, condessas endividadas e libidinosas e capatazes do terceiro escalão, que vinham fazer pavão aqui desfilando de liteira. Alguns até arrecadavam fundos para supostas obras de caridade, que na verdade tinham por únicos beneficiários a si próprios. Mais real do que Walcyr Carrasco, só mesmo o rei.

Mas voltando à independência do Brasil, enquanto se ressalta a maravilha de o brasileiro ser um povo pacífico, do bem e que não aprecia contendas, eu lamento exatamente pelas mesmas características. Posso traduzir pacífico como acomodado e do bem como vassalo. Aqui as divindades do Olimpo são bem diferentes das imaginadas pelos gregos. Passividade é filha de Comodismo, Pacifismo casado com a Preguiça e Benevolência irmã de Desestima. Tudo é bem-vindo, tudo está bom, tudo fica bem. As poucas histórias de bravura que aqui ocorreram, se não foram deveras provincianas como Canudos ou específicas demais como as greves no ABC paulista, foram atos impetuosos de indivíduos que raramente conseguiram arrastar massas. Ou de mártires que se negaram ao confronto e foram assassinados covardemente. As massas preferem mesmo os botecos, onde enchem a cara ou as igrejas onde clamam para que Deus dê hoje o pedaço de pão com bromato e o leite tipo C que lhes cabe. Muito pouco para um país tão grande, tão rico em natureza, tão fértil e tão abençoado em sua geografia exuberante. Penso que esta beleza toda da Terra Brasilis seja mais digna de um povo mais ativo, mais convicto e mais impetuoso do que os acomodados brazucas. Quem sabe os muçulmanos do Oriente Médio ou os vietinamitas?

sábado, 1 de setembro de 2007

Profissões em extinção

Há um tempo atrás eu bloguei sobre o Dimas, a quem considero um personagem interessante, do mundo dos técnicos em aparelhos eletrônicos. Você que não leu ou não lembra, clique aqui antes de ler o restante deste tópico. (Pausa...) Já leu? Então vamos em frente.

Há três ou quatro semanas entreguei aos cuidados do Dimas um aparelho de som. Trata-se de um quatro-em-um da Philips, modelo AS465, bem antigo mesmo. Deve ter uns quinze anos de concepção. O AS465 já é contemporâneo do CD e possui uma unidade para tal, só que também preserva duas funcionalidades que me inclinaram a comprá-lo há uns onze anos: o sonoro possui um toca-discos e dois tape-decks.

Aos leitores mais jovens explico que toca-discos é um aparato capaz de ler discos de vinil de cinco ou doze polegadas de diâmetro, cuja música vem gravada em sulcos espirais. O disco de vinil é análogo ao CD, só que é antepassado dele e usa uma agulha de leitura, ao invés de feixe de laser. Sem saudosismo, há características de fidelidade e amplitude na reprodução sonora do vinil, que até agora não foram conseguidas pelos seus sucessores digitais. Mas isso é uma longa discussão. A respeito dos tape-decks não me alongarei, até porque nunca achei aquilo fantástico em qualidade. Meu AS465 é cuidadosamente preservado e reparado, quando necessário, sobretudo porque eu o uso como tocador quando vou digitalizar gravações analógicas.

Voltando ao Dimas, eu havia pedido que ele trocasse a cápsula do toca-discos, que era meio chinfrim, por uma magnética, que eu mesmo forneci. Dimas, já cansado e sem a destreza dos tempos passados, atualmente costuma demorar muitos dias para fazer certas coisas, que antes fazia de um dia para outro. Mas esse não é de longe seu maior problema hoje. Eu havia pedido também que comprasse uma agulha diamantada decente para instalar na cápsula. E quem disse que ele conseguiu achar a dita? De jeito algum. Quando eu fui buscar o aparelho, ele todo sem jeito pediu-me desculpas pelo insucesso parcial, avisando que não iria cobrar o serviço. Declinei à oferta dele de não cobrar e no fim ele aceitou receber ao menos a metade do valor. Visivelmente chateado, mostrou-me uma pilha enorme de aparelhos que incluíam televisores, CD players, rádios e outros tantos, todos nem tão antigos. De cada um ele sabe o defeito exato e o componente que é necessário trocar. Mas não consegue concluir seus feitos, porque o mercado não tem mais peças. Trabalho perdido, pois ele não se permite cobrar serviços incompletos. Nem mesmo a tal "taxa de orçamento", que alguns praticam no mercado. Ele acha que é desonestidade.

O fato é que Dimas dá mostras de que as suas dificuldades financeiras se avolumam, proporcionais à pilha de serviços não concluídos por inexistência de peças. Implacável, o aluguel da garagem que ocupa não leva isso em conta e idem com a necessidade de alimentar a si e à mulher. Segundo me disse, ele pressente que está na hora de encerrar a carreira. E sabe-se lá viver do quê. Dimas é dos últimos de uma competente geração de profissionais. Mas a idade avançada, a saúde não tão viçosa e algumas manobras não feitas no passado o impediram de reinventar sua profissão. Isso mesmo: reinventar-se é necessário. A Natureza nos ensina isso com a adaptação as espécies. Pobres de nós quando não o conseguimos. Pobre Dimas, que não adaptou sua profissão aos novos tempos. Torço por ele para que ainda tenha forças para tentar e consiga. E para que não tarde a fazê-lo.

E você, já reinventou sua profissão hoje? Fique esperto.