quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Ali has gone

Embora eu o tivesse conhecido há bem pouco tempo, Ali J. Mohamed se tornara um amigo desses impagáveis. Posso dizer que, de um ano para cá, onde eu estava Ali quase sempre estava. Sua espontaneidade e bom-humor contantes contrastavam com a imagem que até então eu tinha dos adeptos da religião dele. Temos por idéia padronizada que o Islã de Maomé e de Alah não combina com alegria, com festividade e com piadas politicamente incorretas. Entre outras coisas, Ali mostrou-me na prática que essa idéia é totalmente errada.

Curiosamente também Ali cultivava gostos bem exóticos para um afegão. Música negra e artistas norte-americanos da Motown não são lá uma coisas muito comum, para um povo que tem quase por norma repudiar a tudo o que vem dos EUA. Mas Ali não era um cara comum. Nunca fora. E a troca de músicas em .mp3 de artistas como Marvin Gaye, Earth Wind & Fire, Barry White e até mesmo do The Jacksons fez-nos amigos. Nunca imaginei que um simples software P2P de compartilhamento de arquivos fosse capaz de originar amizades verdadeiras. Do mundo virtual para o mundo real.

A única coisa que sempre me intrigou foi Ali evitar sempre comentar seu passado e coisas de família. Ele demonstrava ser o mais reservado de todos os seres que conheci, quando eu perguntava sobre seu casamento anterior, sobre a sua relação com os filhos e sobre a cidade onde morou no interior de São Paulo, logo que veio para o Brasil. Praticamente nunca falou nada. Pelo pouco que sei, ele fora casado e fruto dessa relação, pai de um casal de filhos. Era nítido que o assunto o incomodava e não seria eu a perturbá-lo com isso, se preferia nada falar.

No mais o amigo era bom trabalhador, honesto, habilidoso e magnético no trato com o semelhante. Era também muito inclinado às ciências. Estudara em uma Universidade Islâmica no Afeganistão no final da década de 80 mas não concluíra os estudos, posto que fora cuidar dos negócios de comércio da família.

Infelizmente, na noite passada Ali ao chegar em casa, abriu seu Orkut e viu algo pelo qual não esperava. Uma dezena de familiares de sua ex-mulher o localizara no site de relacionamentos, não se sabe como. Ao ver em seu mural a série de recados com gracejos e frases engraçadinhas como: "Aí hein Ali, nunca falou que tinha perfil no Orkut" e pedidos de "Me add, tio" vindo de ex-parentes, que ainda se consideram sobrinhos, Ali enlouqueceu. Correu em desabalada carreira até a avenida próxima de sua casa e atirou-se sob um ônibus que descia velozmente rumo à Cidade Tiradentes. Quase tão rápido quanto um clique do mouse, Ali simplesmente deixou de existir para tornar-se apenas uma lembrança para os que os conheceram.

E assim, Ali nunca mais postará suas frases ácidas, nem irônicas, nem entediadas nas comunidades do Orkut, nem no Msn no qual passava horas a fio se entretendo com suas amigas e amigos.

Que o Alah, que ele tanto mencionava, o receba no harém celestial e lhe entregue as cem odaliscas prometidas. Sua expressão de debochado e suas tiradas de sarro ligeiras sempre ficarão em minha mente.

Fique bem, amigo Ali.

4 comentários:

Anônimo disse...

Por que me sinto culpado? por que? POR QUE????

Tio Xavier™ 4.5 Plus disse...

Não sei não, Luiz. Esse teu sentimento de culpa está me cheirando que tens algo a dizer. Desembucha logo!

JRP disse...

Há pessoas que não conseguem se livrar do próprio passado.
Não se culpe.
Você não o matou.
Ele decidiu acabar consigo mesmo.
Não faz sentido se culpar pela decisão descabida e absurda de um amigo.
Louve-o pelo o que ele tinha de bom e não pelos fantasmas que o perseguiam.

Anônimo disse...

Que Alá o tenha.