
Veja a dona Francisca* do post mencionado no caput deste artigo. É bem possível que, depois de a Red´s ter se mandado da repartição pública, a dona Francisca tenha feito o mesmo. A fila para ela, enquanto terapia, já tinha cumprido sua função. Dona Francisca jamais ouvira falar em Freud e Jung e sequer teria grana para pagar um profissional da Psicologia. Mas o inconciente dela sabia que ela encontraria a Red´s na fila para ouvir as suas lamúrias bostiais. Nada mais. Dona Francisca foi embora aliviada e graças à função terapêutica da fila, conseguirá suportar o cheiro de fossa por mais alguns dias, sem esfaquear o vizinho imundo.

Falando em alimento, é só olhar os supermercados. Todos sabem que há carne cortada, selecionada e pesada nas bandejinhas das gôndolas refrigeradas. Mas o povão faz questão de pegar a fila do açougue do mercado. Não é como todos pensam - para obter cortes privilegiados - mas pelo simples ato de fazer parte de uma fila. Senão como explicar que o povão lote os supermercados nos mesmos dias do mês e nos demais encontrarmos os caixas vazios com as operadoras quase dormindo? O argumento do dia do pagamento não cola, já que o povão compra sempre com cartão de crédito e o que vale é o vencimento da fatura. Algumas investigações revelam que o povão se reúne em confrarias secretas, para combinar quando é que vão assediar os locais com filas. Isso explica as oscilações entre vazios e filas quilométricas, de alguns locais.
Mas a fila não é privilégio das classes proletárias. A paixão pela fila conquista gentalha de classes mais abastadas. É só passar diante de uma balada-badalada, para ver que a fila também exerce ali seu papel de formadora de opinião pois em última análise ela indica os lugares in do momento. Você entraria em um restaurante que em pleno domingo não exibisse uma fila na porta? Não minta. Ou você acha que o Famiglia Mancini em Sampa recebe centenas de clientes aos domingos por causa das deliciosas pastas e suculentos molhos? Nada disso. Experimente tirar a fila da porta, que é onde as pessoas bebem, conversam, tomam o sol escaldante e ficam em pé durante horas, para ver quantos fins-de-semana resistirá o hit gastronômico deles.

Por fim, a fila possui sua expressão e faceta lúdico-infantil. As brincadeiras inocentes como balança-caixão e piuí-abacaxi são embriões do que as crianças almejam para a idade adulta: a fila. Mesmo a brincadeira de ciranda cirandinha exprime um simbolismo filosófico sobre a fila. A roda é nesse caso representa uma fila infinita, que submete as crianças a guinadas de trezentos e sessenta graus. As crianças terminam sempre no mesmo lugar, só apenas um pouco mais tontas e risonhas. Isso é importantíssimo na infância, pois as prepara para a vida adulta, de modo que entrem e saiam de filas em repartições e bancos com um pouco mais de humor.
O estágio mais elevado da fila já foi atingido pela humanidade. Ele está expresso pela criação das filas de sentados. São aqueles locais onde você retira um ticket numerado e fica olhando um painel para ver se seu número é chamado. O painel comprova de forma inquestionável que você não é nada mais do que um número. As cadeiras formam um confortável ambiente, que alude aos sofás das salas de visitas onde as pessoas sentam-se para conversar e contar causos. É como se nem existisse fila e todos estivessem em uma grande reunião de amigos. Por isso raramente se vê pessoas reclamando, já que estão confortalmente sentadas e o painel universaliza a espera.

Na próxima vez que avistar uma fila, não critique o serviço em questão. Pense nos milhares de freqüentadores que se sentem melhor dia-a-dia ao passar pelas filas.
Um comentário:
No Orkute, colecionamos amigos de mentira e formamos com eles uma fila de gente descinhecida e conhecida, mas todos atrás de nós.
Logo, é uma fila do Ego!
Fila também pode ser de idolatria da imagem alheia, fila do perdão, fila do desespero, fila da porte e, no cemitério, a fila definitiva, todo mundo perfilado, deitadinho, pela eternidade.
Um ao lado do outro.
Desenvolve mais isso!
Há um alto valor paranóico nessa idéia!
Postar um comentário