sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Horror, náusea e nojo

Eu prometi a mim mesmo que não escreveria uma linha sequer sobre essa monstruosidade. Há muito que detesto noticiários, jornais em geral e programas mundo-cão. Mas ouvi por acaso a notícia no Transnotícias, programa de rádio protagonizado por três amigos muito queridos, de quem já falei aqui.

Como pai de uma criança na exata idade do pequeno barbarizado, o que senti ao tomar conhecimento foi o mesmo sentimento nauseabundo, ao imaginar o terror e abandono vivido pelo pequeno, nos minutos que o dilaceraram e tiraram sua preciosa vidinha. E penso no coração também dilacerado da mãe, no sentimento de impotência e na cena da absurda tragédia desaparecendo no horizonte, coisas que jamais abandonarão sua alma. Hoje, após lembrar involuntariamente da notícia e não conseguir conter minhas lágrimas decidi republicar a coluna do meu amigo Pelegi. Ele de certo modo conseguiu traduzir parte dos meus sentimentos e quiçá de todos os seres conscientes da vida.
Náusea (Texto de Alexandre Pelegi)

"Vi o noticiário nas primeiras horas desta manhã e fiquei paralisada ao saber do assalto no Rio de Janeiro que culminou na morte violenta de um menino de 6 anos. O espaço que há em mim para alocar barbáries e atrocidades não é o bastante para conter a minha consternação. O choro não ameniza o que sinto quando inevitavelmente se repete na minha imaginação a cena da criança sendo arrastada e esfacelada diante da impotência do público apavorado. Tampouco me conforta quando me coloco no lugar da mãe zelosa que conduzia seus filhos na segurança dos cintos que a maioria ignora e que, pela ação dos assaltantes, é lançada à mais dilacerante das experiências ao alcance de alguém; assistir à dor e agonia de seu filho, impossibilitada de qualquer atitude que possa salvá-lo do sofrimento e morte trágica. Estou em estado de aniquilamento. O que preciso hoje é esquecer que sou da espécie "natureza humana", portadora tanto do que faz bem quanto de monstruosidades como esta."

É minha amiga Maria Balé quem escreve, enojada com o desfecho trágico de mais um assalto nas ruas de nossas cidades. Aconteceu no Rio de Janeiro, mas sabemos que poderia ter acontecido – e poderá acontecer a qualquer instante – em qualquer parte do país. Vi mais tarde, pelos jornais da TV e na internet, que a polícia prendera os assassinos – três rapazes, um deles classificado nessa cada vez mais elástica denominação “menor de idade”.

Os bandidos – não seria mais correto chamá-los monstros? -, com o intuito de roubar um carro, arrastaram uma criança por sete quilômetros, atravessaram quatro bairros, passaram em frente a um quartel do Corpo de Bombeiros, a um Fórum de Justiça e a um quartel do Exército. Não havia polícia, não houve quem os detivesse. Os jornais informam que os jovens assassinos estavam tão certos de que não seriam presos, que estacionaram e trancaram o carro antes da fuga, e saíram calmamente da cena do crime.

Minha amiga descreveu com precisão a revolta que sinto. Nestes dias em que ainda repercutem as notícias de que nosso planeta está à beira do caos ambiental, culpa da ganância e irresponsabilidade de muitos, reforço ainda mais minha certeza de que a natureza apenas reage aos monstros em que nos convertemos. Me assusta o pressentimento de que nossa destruição como raça acontecerá da pior maneira possível – muitos de nós estão se tornando a cada dia mais cruéis, mais insensíveis, mais egoístas.

Que a revolta que sentimos não nos tire o pouco de esperança que ainda resta em um planeta viável. Mas que sirva, ao menos, para aumentar nossa indignação. Por trás de cada crime há várias autoridades omissas, muitos políticos corruptos, quase nenhuma punição. Não basta reclamar penas mais duras contra bandidos conhecidos. É preciso cortar o círculo vicioso que alimenta a violência.
(Texto publicado em "Voz Corrente" no site do programa nesta data)

Um comentário:

JRP disse...

O planeta é viável.
Já o Brasil...?
Tenho dúvidas.