terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A conversão

É curioso como a falta de alternativas às vezes é de grande ajuda nos momentos de dúvidas. É um paradoxo. Costumo dizer que deve ser fácil ser fiel de seitas fundamentalistas radicais, porque as escolhas terminam no dia em que se entra nelas. Daí por diante escolhem por você e, quando não, fica-se refém de uma única alternativa. Esse rodeio todo é para justificar o final da maratona na escolha de uma escola para a caçula. No meio do sétimo ano de vida dela (incompleto) vi-me na árdua tarefa de pesquisar escolas, posto que encerrou-se o período de Educação Infantil. Ela vai para o segundo ano e a escola onde permaneceu não oferece o Ensino Fundamental.

Por causa das rotinas de trabalho da darling e minha, período integral foi uma premissa inegociável. Depois viria - supunha eu - a enquete sobre a proposta pedagógica, preço, estrutura predial, serviços agregados e coisas assim. Descartei de cara a escola pública, deteriorada que está por aqui e em todo lugar. Puxei uma lista de escolas no site do sindicato patronal, filtrei por faixa de CEP para ver as mais próximas e comecei os telefonemas. A pergunta inicial e primeira eliminatória era: "Vocês têm período integral no Ensino Fundamental-I ?". À resposta negativa eu agradecia e desligava. Assim liquidei 90% da lista em minutos. E a angústia aumentava na mesma proporção.

Sou avesso ao ensino básico ligado a instituições religiosas. Por mais que a obrigatoriedade do conteúdo laico seja uma exigência legal até respeitada não tem jeito. A "pegada" religiosa da mantenedora vaza pelos poros da instituição. E não-praticante religioso que sou, mais precisamente anti-clerical, entendo que a educação básica deva ser laica, plural e científica. Mas da peneira do listão, eliminados os estabelecimentos que não ofereciam período integral, sobraram apenas dois. Visitei-os. Ambos bem pequenos, sendo que um era dirigido por... religiosas católicas. A cria foi junto, afinal de contas a "cliente" de fato era ela.

No final das duas visitas, fui para casa mais preocupado ainda. Não me apaixonei por nenhum e o calendário, a logística e as modestas finanças jogavam-me contra a busca de outras possibilidades. Enfim, perguntei para a criaturinha de qual das duas ela havia gostado mais.

- A das freiras.

- A das freiras? Por que?

- Porque tem uma igreja.

Para quem recentemente tinha proferido umas dez blasfêmias na mesa do café da manhã, aquilo parecia-se com a conversão de Saulo de Tarso. Dias atrás ao ouvir uma das expressões corriqueiras da darling - coisa simplória como "se deus quiser" ou algo assim - a cria desfiou frases que fariam tremer até os exorcistas mais renomados do Vaticano. "Tô com saco cheio desse deus de vocês" foi a mais branda de todas. A darling ficou ainda mais branca do que já é. Eu fiquei esperando a cria dar um giro de trezentos e sessenta graus com o pescoço, a mesa levitar e ela expelir um jato de vômito verde. Mas nada aconteceu e continuei a passar manteiga no pão. Notei que era mais um de seus teatros para apavorar a ingênua e piedosa mãe, que continuou paralisada e de olhos arregalados por uns dez minutos.

Voltando à questão de fundo, como em todo colégio religioso que se preze há uma capela no interior dele. E a minha filha, justamente a filha de um marxista, agnóstico, ex-católico e auto-excomungado, escolhe o dito por causa do mini-templo cristão dentro dele. Comecei a refazer minhas idéias, mais movido pela falta de escolhas e em consciente processo de acomodação à realidade. No fim, conversei com as freiras por quem nutro respeito e foi assim. Lá está a criaturinha de pacote completo. Curso regular, atividades extras e ensino religioso suplementar, o qual autorizei também. Quem tá na chuva é pra se molhar e não haverá de fazer-lhe mal. Quem sabe ela pára de perturbar o café da manhã da mãe com blasfêmias.

Não ter escolhas facilita as coisas.

2 comentários:

JRP disse...

Então tenha escolhas.
Leia isto:
http://boizebu.blogspot.com/2008/01/zeitgeist-movie.html

Anônimo disse...

Tio:
auto-excomungado é apóstata!

De seu sobrinho apóstata,

Isaac