terça-feira, 21 de abril de 2009

Meus heróis não morreram de overdose

Os mitos têm força no imaginário popular, seja como arquétipos propriamente ditos, seja como veículos para suporte aos ideários mais diversos. Pedro Américo que o diga, quando muito depois praticamente clonou um quadro europeu, para emprestar ao evento da Independência a pompa e circunstância que o factóide precisava. De um mero acordo político e econômico para o brado retumbante a distância foi encurtada pelas tintas. E desde então, lá está o mulherengo e fanfarrão Pedro I travestido de herói nacional.

Hoje é feridão da igualmente famosa Inconfidência Mineira. Na qualidade de consangüíneo de mineiros tenho muito pra desconfiar de qualquer empreitada supostamente ocorrida nessa região. Diz um dito popular que "farmacêutico mineiro não dá plantão, fica de tocaia". A política do café-com-leite foi (ou é) prova disso e às vezes dou graças pela existência do estado do Espírito Santo. Não fosse este os mineiros teriam portos para o Atlântico e aí sim que ninguém os segurava. Humor à parte - todos sabem que adoro principalmente As mineirAs - mas MG tem mesmo uma tradição política matuta e sábia. Notem que quando não são os protagonistas da presidência estão na qualidade de iminências pardas, fazendo crer que nunca deixam de fazer e acontecer na política brasileira.

Mas o post de hoje é sobre o meu tatara-tatara-tio-avô, Joaquim José da Silva Xavier. Nada contra ele, muito menos contra os demais dentistas. O duro é passarem anos cravando pseudo-heróis na cabeça da criançada, a título único de legitimar o atual estado político das coisas. Já é bem disseminado e aceito no meio acadêmico que o máximo ocorrido com o dentista maçom foi ter sido preso após uma reunião de liberais inspirados pelas máximas da Revolução Francesa. Até a prisão tudo bem. Mas o que houve depois foi uma seqüência de falácias até chegarem nos livrinhos de história - ou será estória? - com aqueles retratos piegas do barbudo com a corda no pescoço. Quem sabe o Tiradentes não inspire tanta identificação no povo pelos ideais, do que pela corda no pescoço, sina do brasileiro enforcado pelos baixos salários e custo de vida alto? Os mitos têm poder arquetípico muito além das suas imagens formais: falam ao espírito.

A imagem de Tiradentes, como retratada posteriormente, também remete a Jesus de Nazaré, outro forte emblema do herói martirizado. Só que mais sortudo do que este - até onde se sabe - o mártir mineiro foi substituído por um Barrabás, só que nos bastidores judiciários e mediante uma boa cifra em ouro. O ladrão em questão encontrava-se mais do que condenado por crime comum e era de execução certa, para fins de manutenção da moral da justiça. A coroa portuguesa estava enrolada financeiramente, não obstante o dreno mineral do Brasil, que já nem era mais tão significativo. E a Maçonaria estava suficientemente articulada, com o fim de extingüir com o anacrônico regime monárquico. Peças de um complexo xadrez político-econômico: um modelo colonial falido, uma coroa idem e uma colônia de enormes dimensões já fora de controle. Veja bem que o dentista nem era lá tão articulado com os planos do movimento independentista, mas era quadro bom e suficiente para lecionar e disseminar os ideais libertários defendidos pela Maçonaria.

Assim o nosso herói - meu velho tatara-tatara-tio-avô Joaquim José - fora resgatado na prisão, na calada da noite embarcando idem para a França. A família do ladrão que o substituiu também recebeu uma boa cifra como conhecido mecanismo "cala-boca". Um ano depois, segundo defendem alguns historiadores, o quase-enforcado já pôde ser visto e com lista de presença assinada em uma importante assembléia política na França. Logo depois teria ainda lecionado em uma universidade até seus últimos dias de fato. Enforcado não foi, nem ficou em nenhum momento e de nenhum modo, considerando que um acadêmico na Europa ganhava respeitável salário. O retrato ao lado é mais compatível com seus dias posteriores ao "seu" enforcamento.

Enforcados continuamos nós, nesse mar de impostos e tendo que recomprar serviços que deveriam ser públicos como Educação, Saúde e até mesmo segurança. Então vamos curtir o feriadão, fazer churrasco e colocar a filmoteca em dia, que é o que nos resta. Pobre povo que precisa de heróis. Ainda mais falsificados.

"Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria." (Tiradentes)

"Não sendo a minha, eu dou até vinte." (Tio Xavier)

Um comentário:

Carlota disse...

Tô bege. Agora MUITA coisa faz sentido...