sábado, 10 de junho de 2006

Rumo ao hexa, Brasil!

Da janela do meu quarto e estarrecido vejo hoje a invejável disposição do povo da minha rua. Meus vizinhos mergulharam de corpo e alma no clima festivo da tal da Copa do Mundo. Homens e mulheres de todas as idades, neste exato momento estão sendo auxiliados por crianças e aborrecentes, na tarefa de pintar a rua com os símbolos cabalísticos e esotéricos da Copa. Até o emblema da CBF entrou no esquema. Pelo que pude perceber será bem na porta da minha casa. Um dos sujeitos, claramente mais apto ao desenho, contorna com giz branco e precisão geométrica os detalhes do distintivo da tal confederação. No tempo comum, é provável que ele seja um dos tantos a praquejar contra os dirigentes da entidade. Mas agora lá estão, ele e a mulher com os moleques, a especificar detalhadamente a correspondência de partes e cores, para que a logomarca da CBF saia perfeita. Vai entender esse povo.

O meu espanto maior não é pelo empenho desportivo-vassalo do pessoal. É pelo absoluto contraste com a vida cotidiana. Os pais e mães conseguem contagiar suas crias a ponto de pô-los a trabalhar na tarefa da pintura, com sorrisos de orelha a orelha. Será que esses mesmos pirralhos recolhem seus brinquedos em casa ou ao menos colocam as próprias roupas sujas no cesto com o mesmo sorriso? Quanto aos pais e mães propriamente ditos, juro que gostaria de vê-los em multirão a pintar alguma das escolas públicas do nosso bairro que - diga-se de passagem - estão com aparência péssima. Mas no caso destas, obviamente alguns deles dirão que isso é obrigação do Governo. Sempre dele. Não digo o contrário, mas há situações em que a mobilização e cooperação é a única forma de melhorar algo. Por que será que não acham que decorar as ruas para a Copa seja uma obrigação da CBF então? O que vejo agora é um absurdo em incoerência e desperdício de energia.

Não sei em quais dias, mas sei que logo logo todos os empreiteiros decorativos da minha rua estarão reunidos em volta de aparelhos de TV gritando, aplaudindo, sofrendo e sorrindo por algo que jamais será capaz de melhorar um milímetro de nossas medíocres vidas. Nos dias de vitória do timeco amarelo rirão gratuitamente como hienas pelas ruas do bairro. E nos dias de derrota culparão o juiz, a FIFA, a CBF, o técnico (juro que sequer lembro quem é), um dos Ronaldinhos ou mesmo a pqp pela derrota. Chorarão lamentando a "irrecuperável perda" que suas vidas sofrerão pelo gol tomado ou perdido.

Mas todos, terminado o estado de dopagem, terão que voltar à realidade e trabalhar para o Leviatã do Capital para sustentar o sistema. E alimentarão a cada um seus componentes: as redes bancárias, a estrutura voraz do Estado, a Imprensa, as religiões e partidos. Só que neste momento eles sequer se dão conta disso, entorpecidos que estão pelo cheiro das tintas e pela propaganda ufanista. O que terão ganho com a dedicação deles? Responda você mesmo.

Ps.: Se você é meu vizinho e está lendo isto, peço a gentileza de fazer pouco barulho durante os tais jogos da selecinha. Provavelmente estarei dormindo, ok?

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