segunda-feira, 5 de junho de 2006

Um dia de fúria

Era 1998, ano de Copa do mundo. Eu trabalhava na Av. Paulista e morava no alto da zona norte. E tinha um Gol com pneus 195 sem direção hidráulica. O trajeto da Paulista até minha casa demorava até uma hora ou mais no horário de pico. Mas naquela noite estava mais horrível ainda, pois demorei duas horas até chegar em meu bairro. Imagine os pneus 195, a direção mecânica, o trânsito e a fadiga para você entender este post.

Minha casa ficava em uma pequena rua, em formato de "U", que começava e terminava na mesma secundária. Naquela noite saí da avenida principal, entrei nessa secundária e, mal trafeguei dez metros, dei de cara com cavaletes ripas improvisando uma barricada. Um moleque vem à minha janela:

- Tio, não dá pra entrá aqui não. A gente tamo pintano a rua.
- Ah é? E não podia ser durante o dia, já que vocês não trabalham?
- Não dá tio. O cara que traz as tinta chegô tarde.
- Hum...

Minha darling, contemporizadora que é, me sugeriu contornar pelo outro lado. Dei meia-volta, antes que meu saco já na lua me fizesse xingar o pobre garoto. Afinal estava só se divertindo, embalado pelo ufanismo babaca da Copa. Para quem não conhece, os quarteirões no bairro do Mandaqui são disformes, colossais e a região é quase toda morro. Uma voltinha no quarteirão pode demorar cinco minutos de carro. Mas fui. Eis que chego à outra extremidade da tal secundária e me deparo com o quê? Tente adivinhar. Acertou, se pensou em outra barricada! Lá se ia a última possibilidade de um pobre, pacato e cansado trabalhador chegar em sua casa. Dois outros moleques vieram falar com o tio e começaram a explicar tecnicamente questões sobre tinta fresca e tempo de secagem. Foi quando minha involuntária mediunidade - que me isenta de responsabilidade pelo que seguiu - me fez incorporar o "caboclo Carlos Ray Norris Jr.", também conhecido como Chuck Norris.

Norris desceu do carro e com a inconfundível botinada norriana colocou um dos cavaletes em órbita. Começaram os protestos. Os moleques da outra barricada bem que tentaram correr para conter o ímpeto destrutivo mas já era tarde. Com faróis altos, buzinando intermitente e com minha darling apavorada ao lado dele, Chuck Norris já tinha avançado com o meu carro sobre o que sobrou do bloqueio e deixado as trilhas dos Firestone 195 sobre as pinturas da bandeira brasileira, da bola, da taça, do Ronaldinho fenômeno e das putas-que-pariram aqueles moleques de merda. Imagino que a turba juvenil tenha proferido alguns adjetivos indecorosos, mas isso não vem ao caso. Em estado mediúnico, eu não ouvi nada mesmo. Foi Chuck quem ouviu e obviamente estava de bom humor. Caso contrário ele teria engrenado a marcha à ré e grudado a todos no asfalto formando uma bela decoração de torcida em alto relevo.

Por favor, evitem bloquear ruas nos meus trajetos durante a Copa. Tentarei colaborar publicando os trajetos neste blog com a antecedência que for possível. Não me levem a mal. Eu sou uma boa pessoa, mas sou médium. E Chuck Norris é muito bravo.

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