quinta-feira, 15 de junho de 2006

Super Nanny, por favor nos ajude!

O ingênuo e cômico apelo faz parte de uma recente atração do SBT, de formato comprado e licenciado de uma emissora estrangeira. Ingênuo porque é proferido por casais jovens, na maioria de idade inferior a quarenta anos. Cômico porque retrata uma situação cada vez mais comum entre famílias, sobre as quais seria razoável imaginar terem um mínimo de preparo para criar filhos. Mas eis que a cultura outsourcing, depois de minar o ambiente empresarial, já invade os lares na educação de adoráveis crias, transformadas em pequenos gremlins¹ pela incapacidade educacional dos pais e mães contemporâneos.

Para solicitar a participação no reality-show é simples: depois de jogar a toalha e assumir que estão reféns e dominados pelos pequenos, o casal se inscreve no programa, entregando os pormenores do difícil relacionamento com a prole e aguarda o seletivo contato da produção. Provavelmente por questões de marketing e público-alvo, as famílias eleitas até o momento são de classe média e possuem um nível de conforto razoável. Por trás disso podem estar alguns pensamentos como o de que "casa de pobre só atrai audiência em quadros vida-desgraçada no Gugú", ou mesmo de que "filho de pobre é largado e não merece psicóloga". No fundo é porque a classe média é potencial e voraz consumidora para os anunciantes durante o horário do programa, regra esta que rege quase todas as escolhas dos diretores de programação. Seja qual for a lógica, fato é que as casas apresentadas possuem ao menos dois quartos, DVD, TV de porte, automóvel recente na garagem, y otras cositas más, que possam propiciar à Super Nanny - encarnada pela educadora argentina Cris Poli - um ambiente com estrutura adequada à prática dos ensinamentos skinnerianos² da heroína.

A audiência do programa é inegável. Ao menos foi o que apurou o IXVA (Instituto Xavier de Verificação de Audiência), já que dez entre dez famílias de amigos que possuo já me comentaram ter assistido a alguns episódios da série. A pergunta que não quer calar é: que raios estará acontecendo nas famílias para que esse assunto interesse tanto? Minha humilde resposta é o apelo do próprio programa: os casais atuais são prisioneiros em suas próprias casas, tomadas de assalto pelos monstrinhos que eles próprios criam. Não me leve a mal pelo têrmo, você que não me conhece. O tio Xavier adora crianças a ponto de nunca ter deixado morrer aquela que vive em seu espírito. Crianças são os "bichinhos" mais adoráveis e abençoados que há sobre a terra e são a única esperança de que esta merda onde vivemos é capaz de virar algo habitável um dia. Mas há que se considerar algumas características de nossos tempos...

Uma que o contato do pai e da mãe com os filhos têm sido marcado pela superficialidade, escassez de tempo e - por conseqüência indevida - um sentimento de culpa por parte das mães. Daí é simples entender porque elas não conseguem impor o mesmo nível de respeito de há duas ou três década atrás, quando nossas mães passavam o dia todo conosco. Sim, porque os pais em geral são e sempre foram seres anos-luz distantes da rotina dos filhos. É comum serem alçados ao nível de STF³ quando a mãe já não consegue mais coordenar as rotinas profissional, doméstica e materna. Então o pai vira objeto da expressão: "... você vai se ver com seu pai!". Abaixo, esses pais se dividem em duas categorias: os laisse-fair (que mal-traduzo do francês como: "foda-se, não é comigo") e os executores penais. Os primeiros já estão explicados pela minha torpe tradução. A segunda classe compreende os aplicadores de cintos, chinelos e amplas mãos capazes de abranger com uma só palmada as pequenas nádegas, parte do dorso e a traseira das coxas dos pequenos. Não sou pedagogo - ainda -, nem psicólogo e nem santo para poder apontar o dedo no nariz de ninguém. Mas qualquer ser pensante em estado de tranqüilidade há de convir que o espancamento, antes de ser solução, é reflexo da perda de razão e das dimensões da real autoridade por parte dos pais e das mães.

Mas a solução dada por Nanny é invariável. É o que chamo cientificamente de "paradoxo da obviedade do behaviourismo nannysta": LIMITES e ROTINA. Duas palavrinhas que bem praticadas com afeto e amor são capazes de formar seres sociáveis e responsáveis da melhor qualidade. O que seria de nós se nossos pais e a nossa escola de outrora não nos tivessem dado limites? O que é a vida em sociedade senão uma sucessão de rituais, rotinas e disciplinas, que nos propiciam um mínimo de conviviabilidade social? Desse modo em todos os episódios, a heroína tasca plaquinhas ilustradas, contendo regras de o que se deve e o que não se deve fazer, destinadas aos pequenos. Para os adultos, cartolinas com o óbvio ululante: cronogramas de condução da casa adaptados ao escasso tempo do casal, confimando o absurdo despreparo deste para a vida em família.

Parabéns para os idealizadores originais do programa e meu "sinto muito" para os casais tão despreparados. Sugiro às instituições religiosas e aos educadores de ensinos médio e superior que incluam em seus currículos o que deveria ser natural no aprendizado familiar: como conduzir serenamente uma casa e educar filhos. Garanto que a médio prazo a humanidade estará livre até mesmo de Christianes Richtoffens e as Secretarias de Segurança Pública diminuirão consideravelmente os seus gastos com carceragem.

¹ Se você também não assistiu, não gaste seu tempo com isso. Clique AQUI para saber o que é.
² Para mais detalhes e informações sobre Skinner há um bom trabalho AQUI.
³ Supremo Tribunal Federal. Mais informações em http://www.stf.gov.br.

Um comentário:

Georgia Martins disse...

Ótimo post!!!