sábado, 23 de fevereiro de 2008

Eu "muito bem" vindo de trem de algum lugar

Estação Sé, em Sampa. Horário de pico. Embarque para ZL.

Diferente da terra dos nossos irmãos estadunidenses, aqui em Pindorama morar no subúrbio é sinônimo de má qualidade de vida. Se os subúrbios de lá, ao menos os dos filmes, são povoados com casas paradisíacas sem cercas e com jardins mimosos, morar na periferia aqui requer grades grossas, correntes, cadeados enormes e - por que não? - um bom três-oitão fácil de recorrer. Terras de Marlboro, com leis próprias, as periferias brasileiras não são o melhor lugar para se viver. Aliás, viver já é grande coisa. Sobreviver, melhor dizendo.

É nesse contexto que tenho provado de parte das dificuldades do proletariado, já que na periferia moro há muitos anos. Embora me encontre em uma escala intermediária, abaixo dos possuidores mas pouco acima dos despossuídos, posso fazer uma série de escolhas no meu cotidiano. Posso escolher entre andar de carro (quitado e abastecido à vista), escolher onde a cria estudará, dentro de um leque limitado, e não dependo de postos de trabalho anunciados em classificados, pois sei criar os meus.

Como o meu novo posto de trabalho fica no lado oposto da minha casa muitas vezes, quando não tenho que visitar clientes, opto por cruzar a cidade de trem. Trenzão de subúrbio mesmo. O antigo Fepasão que agora faz parte da Cia do Metropolitano de São Paulo. Deixo a cria na escola, boto o carro em um estacionamento ao lado de uma estação e embarco para uma sucessão de baldeações, mas que me possibilitam cruzar a cidade em cinqüenta minutos ao invés de duas horas e meia, como seria de carro. E de quebra é melhor para ir à faculdade à noite, pois a instituição fica ao lado de um terminal multimodal.

Confesso que não sei o que é pior: se é cruzar a cidade em duas horas e meia com cãibra de tanto embrear e engrenar o carro ou embarcar no trem às sete da madrugada - é madrugada sim - sendo compactado pela porta automática forçada pelos seguranças da estação. Acredite em mim que é impossível mover os braços depois de ver-se prensado na massa humana dentro do vagão. Ao entrar na lata de sardinhas gigantesca é preciso escolher previamente a posição dos pés e braços, porque nenhum movimento é possível durante o trajeto. No máximo se negociar com um dos prensados fronteiriços. Do lado em que embarco, o consolo é que a porta só se abre praticamente na estação final de modo que não entram mais pessoas. E também o trem é uma espécie de expresso, pois só pára a cada uns cinco quilômetros. O suplício dura menos.

Tente imaginar o cenário: não estou falando que o trem está cheio e não tem lugar pra sentar. Isso já é fato, inclusive porque o número de assentos vem se reduzindo a cada reforma. Afinal de contas, gado não precisa de assento. Estou falando que há vezes em que para se respirar é preciso revezar. O vizinho do corpo-a-corpo respira e você inspira. Sempre de forma alternada porque, se todos inspirarem ao mesmo tempo, as portas explodem para fora, por causa do aumento de volume dos corpos. Os trens em si até são bons. Têm vidros fumê, ar-condicionado funcionando e assentos acolchoados. Só que são em número insuficiente para a demanda. Mesmo somando a linha de metrô com as duas linhas de trem para a zona leste de Sampa, não dá nem pro começo durante o horário de pico. Por outro lado, vai saber se a infraestrutura de segurança, sinalização e comunicação comporta um aumento de tráfego. Suspeito que não.

Nesta semana um colega do trabalho, meio-parceiro meio-chefe me contou ter lido que o governo paulista receberá noventa e nove trens da Espanha, se não me engano. De segunda mão, claro, mas comparados às sucatas que ainda servem algumas linhas, equivalerão a transporte VIP. Achei até interessante o número. Por que não cem? Alguma coisa cabalística, deve ser. A merda é que não há políticas sérias para transporte público. Nenhuma instância de governo demonstra ter projetos concretos e factíveis para transportar a pobraiada em larga escala. No máximo obras viárias desconexas e assíncronas (malhas, viadutos, túneis) mas que privilegiam sempre o transporte individual, o carro que polui desproporcionalmente e entope as vias em prol do indivíduo. Enquanto isso a grande massa proletária pedestre passa sufoco no precário transporte público.

E ainda dizem que o brasileiro é vagabundo. Óbvio que depois de enfrentar um transporte desse naipe o peão chega na fábrica moído e indisposto. Cego é quem não quer ver.

Aliás neste ano tem eleições municipais, né?

Ops, desculpe. Essa é em Vancouver, Canadá.

Um comentário:

Lu Ribeiro disse...

Tio, se serve de consolo aqui na "Cidade Maravilhosa" tb somos enlatados...