Mas na volta, uma hora da tarde, embarquei no trem e sentado vejo dois nordestinos de um metro e meio de altura anunciarem-se na ponta do vagão. Claro que meu assento tinha que ser a dois metros das figuras, por razões cármicas. Ambos abrem sacolinhas tiram pandeirinhos de plástico adquiríveis na 25th Street em Sampa por um real e começam o discurso alternando-se em forma de jogral.
[Som de pandeiro em ritmo de repente]
- Nóis pudia tá róbanu.Eu fui mais rápido. Quando vi os pandeirinhos saírem das sacolas, troquei rapidamente os óculos pelos escuros. Fiz uma expressão steviewonderiana olhando pro infinito e evitei que eles me fizessem a (des)gentileza de compor algum verso em minha frente esperando um trocado. Eu até pagaria algo, se mediante o pagamento eles concordassem em saltar do trem em movimento e nunca mais encher o saco de ninguém.
- Pudia mais num tamu.
- Cum esse tamanho todo
- De menos de metro e meio
- O tiozinho que tá ali
- Istorava nóis co'arreio
- E essa moça bunita
- Parece com a globeleza
- Vai dá uma ajuda pra nóis?
- Vai dá sim tenho certeza
- Nesse trem só tem gente bunita
- Acho que demo sorte
- Cum a ajuda de todos vocêis
- E os trocado que nos dão
- Sustentamu os fio no Norte
Como é proibido tocar som, vender coisas, esmolar e perturbar os passageiros, o que inclui os pé-no-saco dos pregadores evangélicos, os repentistas evaporaram com suas doações e pandeiros, tão logo o trem chegou à estação. Certamente para disfarçar e mudar de vagão ou então esperar outro trem. Se não tivesse quem achasse graça naquilo e ninguém lhes desse dinheiro eles já tinham mudado de "profissão". Fazer o quê? Não tenho culpa de ter os ouvidos apurados.
Um comentário:
Eu não freqüento os trens metropolitanos, mas convivo bastante com a turminha do "você gosta de poesia?" na rua Augusta. Com esses eu costumo usar o celular. Me faço de ocupadíssima e ai do hippie que me interromper.
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