sábado, 23 de fevereiro de 2008

Railway life - Parte-II

Grotesco é apelido. Além do suplício de Prometeu a que o passageiro ferroviário é submetido, uma horda de seres estranhos faz questão de completar o quadro.

Semana passada, em um dos dias a darling fez questão de levar a cria comigo para a escola e assim me acompanhou no trem, cada um rumo ao seu trampo. Dado o cenário impossível, deixamos passar duas composições enquanto analisávamos uma estratégia que nos garantisse o embarque. Percebemos que o primeiro vagão era menos abarrotado. Com um certo esforço físico era possível empurrar os cumpanhêro da crasse operária e ficarmos entre o contingente e a porta. E assim o fizemos. Fomos coladinhos um no outro e por mais que isso possa sugerir algum erotismo, lamento desapontar o leitor. Numa hora dessas é mais capaz que pensemos em jogar o outro pra fora por sobrevivência, do que tiremos proveito do grude.

Fechada a porta e pensei que estava delirando. Mas começo a ouvir vozes em côro:
"O Senhor é meu Pastor e nada, nada me faltará
O Senhor é meu Pastor e nada, nada me faltará
Já me deu o suficiente nesta vida, não peço mais
Já me deu o suficiente, já me deu o suficiente
Já me deu amor e paz"
Eu devo merecer. Não me bastava o calvário do transporte e ainda tinha que ouvir hinário evangélico. Atente que não tenho nada em absoluto contra a fé alheia. Desde que seja praticada em ambiente fechado entre seus adeptos. No mais vão todos à merda. Ninguém pediu para ouvir aquilo nem muito menos a pregação que algum deles fazia nos intervalos entre um cântico e outro. Juro. Além da musicaiada chata, piegas e carola que os pentelhos obrigavam-me a ouvir, um mala-sem-alça ainda intercalava exortações e citações bíblicas. Muito mal referenciadas e mal interpretadas, cabe-me dizer. Como é patente dos evangélicos chatos, as palavras eram proferidas aos brados retumbantes.

Talvez os desinfelizes sintam algum alívio no meio daquele sufoco, louvando e suplicando ao deus deles. Uma espécie de narcótico espiritual de efeito analgésico. Enfrentar a dureza da vida com a cara e a coragem não é para qualquer um. Escorar-se em deuses e entidades espirituais propicia alívio aos ingênuos e piedosos. Como quis dizer o velho Marx, quando afirmou que a religião era o ópio do povo. Para quem não sabe o ópio, droga extraída da papoula, na época de Marx não era uma droga nos moldes do narcotráfico de hoje. Era um anestésico de uso clínico-hospitalar. Como tal, aliviava as dores dos doentes. Sábio Marx. Pobre povo rezando no trenzão em busca dos seus salários de fome.

Só que vão cantar os seus hinos no inferno, no céu ou na PQP como preferirem. Cambada de chatos.

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