terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Railway Life - Parte IV: The Singer

Ninguém merece. Quando eu penso que escapei dos crentes, depois de um dia de trabalho sou obrigado a ouvir isso: (ligue o som)



Eu postei o som porque é impossível de narrar e ninguém acreditaria.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Railway life - Parte-III: Cajú e Castanha

Em outro dos dias eu tinha uma reunião em um cliente antigo, sito no município de Santo André. Como ele praticamente divide muro com a estação ferroviária e Santo André é um adorável município no qual basta você pensar em ir para receber uma multa em casa, optei novamente pelo transporte suburbano. Tudo bem e em paz na ida, uma vez que a reunião era no final da manhã e fiquei livre da turba proletária amassada.

Mas na volta, uma hora da tarde, embarquei no trem e sentado vejo dois nordestinos de um metro e meio de altura anunciarem-se na ponta do vagão. Claro que meu assento tinha que ser a dois metros das figuras, por razões cármicas. Ambos abrem sacolinhas tiram pandeirinhos de plástico adquiríveis na 25th Street em Sampa por um real e começam o discurso alternando-se em forma de jogral.

[Som de pandeiro em ritmo de repente]
- Nóis pudia tá róbanu.

- Pudia mais num tamu.

- Cum esse tamanho todo

- De menos de metro e meio

- O tiozinho que tá ali

- Istorava nóis co'arreio

- E essa moça bunita

- Parece com a globeleza

- Vai dá uma ajuda pra nóis?

- Vai dá sim tenho certeza

- Nesse trem só tem gente bunita

- Acho que demo sorte

- Cum a ajuda de todos vocêis

- E os trocado que nos dão

- Sustentamu os fio no Norte
Eu fui mais rápido. Quando vi os pandeirinhos saírem das sacolas, troquei rapidamente os óculos pelos escuros. Fiz uma expressão steviewonderiana olhando pro infinito e evitei que eles me fizessem a (des)gentileza de compor algum verso em minha frente esperando um trocado. Eu até pagaria algo, se mediante o pagamento eles concordassem em saltar do trem em movimento e nunca mais encher o saco de ninguém.

Como é proibido tocar som, vender coisas, esmolar e perturbar os passageiros, o que inclui os pé-no-saco dos pregadores evangélicos, os repentistas evaporaram com suas doações e pandeiros, tão logo o trem chegou à estação. Certamente para disfarçar e mudar de vagão ou então esperar outro trem. Se não tivesse quem achasse graça naquilo e ninguém lhes desse dinheiro eles já tinham mudado de "profissão". Fazer o quê? Não tenho culpa de ter os ouvidos apurados.

Railway life - Parte-II

Grotesco é apelido. Além do suplício de Prometeu a que o passageiro ferroviário é submetido, uma horda de seres estranhos faz questão de completar o quadro.

Semana passada, em um dos dias a darling fez questão de levar a cria comigo para a escola e assim me acompanhou no trem, cada um rumo ao seu trampo. Dado o cenário impossível, deixamos passar duas composições enquanto analisávamos uma estratégia que nos garantisse o embarque. Percebemos que o primeiro vagão era menos abarrotado. Com um certo esforço físico era possível empurrar os cumpanhêro da crasse operária e ficarmos entre o contingente e a porta. E assim o fizemos. Fomos coladinhos um no outro e por mais que isso possa sugerir algum erotismo, lamento desapontar o leitor. Numa hora dessas é mais capaz que pensemos em jogar o outro pra fora por sobrevivência, do que tiremos proveito do grude.

Fechada a porta e pensei que estava delirando. Mas começo a ouvir vozes em côro:
"O Senhor é meu Pastor e nada, nada me faltará
O Senhor é meu Pastor e nada, nada me faltará
Já me deu o suficiente nesta vida, não peço mais
Já me deu o suficiente, já me deu o suficiente
Já me deu amor e paz"
Eu devo merecer. Não me bastava o calvário do transporte e ainda tinha que ouvir hinário evangélico. Atente que não tenho nada em absoluto contra a fé alheia. Desde que seja praticada em ambiente fechado entre seus adeptos. No mais vão todos à merda. Ninguém pediu para ouvir aquilo nem muito menos a pregação que algum deles fazia nos intervalos entre um cântico e outro. Juro. Além da musicaiada chata, piegas e carola que os pentelhos obrigavam-me a ouvir, um mala-sem-alça ainda intercalava exortações e citações bíblicas. Muito mal referenciadas e mal interpretadas, cabe-me dizer. Como é patente dos evangélicos chatos, as palavras eram proferidas aos brados retumbantes.

Talvez os desinfelizes sintam algum alívio no meio daquele sufoco, louvando e suplicando ao deus deles. Uma espécie de narcótico espiritual de efeito analgésico. Enfrentar a dureza da vida com a cara e a coragem não é para qualquer um. Escorar-se em deuses e entidades espirituais propicia alívio aos ingênuos e piedosos. Como quis dizer o velho Marx, quando afirmou que a religião era o ópio do povo. Para quem não sabe o ópio, droga extraída da papoula, na época de Marx não era uma droga nos moldes do narcotráfico de hoje. Era um anestésico de uso clínico-hospitalar. Como tal, aliviava as dores dos doentes. Sábio Marx. Pobre povo rezando no trenzão em busca dos seus salários de fome.

Só que vão cantar os seus hinos no inferno, no céu ou na PQP como preferirem. Cambada de chatos.

Eu "muito bem" vindo de trem de algum lugar

Estação Sé, em Sampa. Horário de pico. Embarque para ZL.

Diferente da terra dos nossos irmãos estadunidenses, aqui em Pindorama morar no subúrbio é sinônimo de má qualidade de vida. Se os subúrbios de lá, ao menos os dos filmes, são povoados com casas paradisíacas sem cercas e com jardins mimosos, morar na periferia aqui requer grades grossas, correntes, cadeados enormes e - por que não? - um bom três-oitão fácil de recorrer. Terras de Marlboro, com leis próprias, as periferias brasileiras não são o melhor lugar para se viver. Aliás, viver já é grande coisa. Sobreviver, melhor dizendo.

É nesse contexto que tenho provado de parte das dificuldades do proletariado, já que na periferia moro há muitos anos. Embora me encontre em uma escala intermediária, abaixo dos possuidores mas pouco acima dos despossuídos, posso fazer uma série de escolhas no meu cotidiano. Posso escolher entre andar de carro (quitado e abastecido à vista), escolher onde a cria estudará, dentro de um leque limitado, e não dependo de postos de trabalho anunciados em classificados, pois sei criar os meus.

Como o meu novo posto de trabalho fica no lado oposto da minha casa muitas vezes, quando não tenho que visitar clientes, opto por cruzar a cidade de trem. Trenzão de subúrbio mesmo. O antigo Fepasão que agora faz parte da Cia do Metropolitano de São Paulo. Deixo a cria na escola, boto o carro em um estacionamento ao lado de uma estação e embarco para uma sucessão de baldeações, mas que me possibilitam cruzar a cidade em cinqüenta minutos ao invés de duas horas e meia, como seria de carro. E de quebra é melhor para ir à faculdade à noite, pois a instituição fica ao lado de um terminal multimodal.

Confesso que não sei o que é pior: se é cruzar a cidade em duas horas e meia com cãibra de tanto embrear e engrenar o carro ou embarcar no trem às sete da madrugada - é madrugada sim - sendo compactado pela porta automática forçada pelos seguranças da estação. Acredite em mim que é impossível mover os braços depois de ver-se prensado na massa humana dentro do vagão. Ao entrar na lata de sardinhas gigantesca é preciso escolher previamente a posição dos pés e braços, porque nenhum movimento é possível durante o trajeto. No máximo se negociar com um dos prensados fronteiriços. Do lado em que embarco, o consolo é que a porta só se abre praticamente na estação final de modo que não entram mais pessoas. E também o trem é uma espécie de expresso, pois só pára a cada uns cinco quilômetros. O suplício dura menos.

Tente imaginar o cenário: não estou falando que o trem está cheio e não tem lugar pra sentar. Isso já é fato, inclusive porque o número de assentos vem se reduzindo a cada reforma. Afinal de contas, gado não precisa de assento. Estou falando que há vezes em que para se respirar é preciso revezar. O vizinho do corpo-a-corpo respira e você inspira. Sempre de forma alternada porque, se todos inspirarem ao mesmo tempo, as portas explodem para fora, por causa do aumento de volume dos corpos. Os trens em si até são bons. Têm vidros fumê, ar-condicionado funcionando e assentos acolchoados. Só que são em número insuficiente para a demanda. Mesmo somando a linha de metrô com as duas linhas de trem para a zona leste de Sampa, não dá nem pro começo durante o horário de pico. Por outro lado, vai saber se a infraestrutura de segurança, sinalização e comunicação comporta um aumento de tráfego. Suspeito que não.

Nesta semana um colega do trabalho, meio-parceiro meio-chefe me contou ter lido que o governo paulista receberá noventa e nove trens da Espanha, se não me engano. De segunda mão, claro, mas comparados às sucatas que ainda servem algumas linhas, equivalerão a transporte VIP. Achei até interessante o número. Por que não cem? Alguma coisa cabalística, deve ser. A merda é que não há políticas sérias para transporte público. Nenhuma instância de governo demonstra ter projetos concretos e factíveis para transportar a pobraiada em larga escala. No máximo obras viárias desconexas e assíncronas (malhas, viadutos, túneis) mas que privilegiam sempre o transporte individual, o carro que polui desproporcionalmente e entope as vias em prol do indivíduo. Enquanto isso a grande massa proletária pedestre passa sufoco no precário transporte público.

E ainda dizem que o brasileiro é vagabundo. Óbvio que depois de enfrentar um transporte desse naipe o peão chega na fábrica moído e indisposto. Cego é quem não quer ver.

Aliás neste ano tem eleições municipais, né?

Ops, desculpe. Essa é em Vancouver, Canadá.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Mea culpa

Peço aos 3 ou 4 leitores disto aqui, envergonhadas desculpas. Não é que me falte assunto para escrever nem que eu tenha perdido a destreza no teclar. Mas o leitor não sabe a quantas anda a vida do tio. Trampo novo, as aulas recomeçaram e, ao que tudo me faz crer, os professores estão a fim de formar PhDs Harvardianos, pela volúpia com que despejam seus programas do semestre, suas bibliografias e suas promessas de que a moleza acabou.

Acontece que depois de uns anos, durante os quais uma complexa tabela de cálculos e arredondamentos para cima conseguia fazer um vegetante ser diplomado, a reitoria da instituição resolveu voltar aos bons tempos. Acabaram-se os generosos arredondamentos automáticos "do sistema", as provas de peso diferenciado, as substitutivas para os faltosos e - pasmem - o exame. Este último era a tábua de salvação de uma turba de ancéfalos(as), que insistiam em constar na lista de chamada.

Ou seja: a casa dos vagabundos caiu. E a do tio, se eu quiser continuar sendo "o the best", vai exigir que eu rale um tantão mais do que o habitual. Já estou programando meu evento "back to the old books store". Preciso comprar uma meia-dúzia de livros de referência e espero encontrá-los desolados e abandonados nas banquinhas de cinco reais dos sebões do centro velho de Sampa. Tomara.

E no trampo novo as coisas prosperam. Somados o adiantamento do maldito Carnaval deste ano com a exímia competência comercial do tio e um upgrade nas oportunidades, tudo indica que estou rumando para meu primeiro milhão de dólares a passos largos.

Explicado o acima e considerando que já são trinta minutos de um novo dia, preciso dormir. Amanhã tenho clientes para visitar nos dois períodos. E quem dorme na mesa de negociação costuma levar a pior. Ou melhor dizendo, não levar nada.

Fui.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Sebastião Rodrigues Maia


- Mais som, mais grave, mais agudo, mais tudo.

Tim Maia é tão interessante que não achei um título decente para este post. Já devo estar no quarto ou quinto e talvez se você pressionar [F5] o título já tenha mudado. Acabo de ler a obra litero-jornalística de Nelson Motta. Vale tudo é um livro direto em linguagem objetiva, bem escrito e apaixonante. Não pela obra em si, mas pelo objeto da narrativa.

Tim Maia é, por si só, a figuraça mais balançante e mais pitoresca da MPB. Sempre gostei do Tim, principalmente por causa do gênero, dadas as "minhas raízes afro". Vivi e dancei toda a década de 80, que foi o apogeu da carreira musical do Tim com hits que explodiam as caixas nas pistas das casas. Esmerilhávamos o chão com nossos sapatos (minha geração procurava se vestir bem e usava sapatos para ir aos bailes) fazendo passos sincronizados em grupo, ao som de Sossego e Do Leme ao Pontal.

Nas palavras do próprio autor ninguém, nem cheirando tudo o que o Tim cheirou, bebendo tudo o que ele bebeu e fumando tudo o que ele fumou, jamais conseguirá se aproximar do perfil do músico mais doido, mais intempestivo e mais swingado que o Brasil já viu.

Compreender melhor as fases da vida e da obra timaiana me animou a dar um retoque na minha coleção de mp3 do gordo. Até então resumia-se à ripada de umas coletâneas que possuo, mais a digitalização de uma fita K7 e um LP. Como estou sem o menor saco de caçar agulha do toca-discos pra digitalizar os outros LPs e sem grana pra comprar mais CDs, o jeito foi apelar para São Download. E olha que tem coisa do Tim na rede. Do it and enjoy it.

Por fim recomendo a todos que leiam o livro. "Vale Tudo" valeu os cinqüenta merréis pagos. Lamento apenas pelo final, que não me furtarei de contar aqui: o Tim morre. A propósito em março fará dez anos. O Brasil ficou sem síndico.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Roteiro gastronômico do submundo 2008-01

Subtítulo: NÃO VENDA O QUE NÃO TEM

A pior coisa que pode ocorrer a um cliente é sofrer a tentativa de ser enganado pelo fornecedor. É o mesmo que chamá-lo de trouxa na cara. Tenho uma regra de ouro, de minha autoria, que serve para qualquer ramo de atividade:
"Quando não tiver a lebre que o cliente pediu não empurre o gato.
No máximo tente convencê-lo das vantagens do gato."
Infelizmente em um tempo em que a incompetência crassa, a malandragem cresce e a filhadaputice abunda, essa regrinha tão simples é desconhecida.

Não somos obrigados a ter sempre o que o cliente pede. Mas não é porque o cliente pediu algo que ele quer esse algo. Geralmente ele quer resolver alguma questão e cabe ao vendedor captá-la. Pode ser fome, pode ser uma solução técnica, pode ser um meio de transporte, sensação de segurança, etc.. Em resumo, quando o cliente pede especificamente por alguma coisa, em noventa e nove porcento das vezes essa coisa é passível de substituição. Mas tem que ser feita de forma honesta, transparente e competente.

Eu mesmo me vejo obrigado a reespecificar os pedidos de meus clientes todos os dias. E graças à minha competência, consigo apontar valor para o que tenho a oferecer, em relação ao que o cliente havia pedido. Para isso, depois de entendida a necessidade real, eu só trato de posicionar os holofotes em cima das melhores características do que eu possuo para vender. O freqüente resultado é que consigo vender, deixo o cliente satisfeito e ele torna a me ligar para comprar novamente. Fatos sim, mentiras jamais.

Mas os proto-profissionais que atenderam a mim e à tia darling na Panificadora Marengo (vide ficha técnica no rodapé) jamais ouviram falar de tudo isso. Aliás, estabelecimento alimentício lotado quase sempre é sinônimo de mau atendimento. Não deveria. Se a demanda é maior do que a capacidade, parabéns para o empreendedor. Esse é o sonho dourado de todos. Só que daí para satisfazer bem aos que conseguiram adentrar ao recinto é bem outra coisa. Veja se não estou sendo severo demais.

Depois de amargar uns trinta minutos na fila com a darling e eu faminto, conseguimos uma mesa. Logo notei que o in da noite era o rodízio de pizzas. A fisionomia de estresse da funcionária de cabelos mesclados de cor-de-rosa e dos demais empregados não era lá muito animadora. Mas eu não tinha ido lá para admirar as funcionárias e tampouco os seus pares masculinos. Sentamo-nos. Os pratos já estavam postos e, em poucos segundos, uma funcionária aporta em nossa mesa com uma fumegante pizza:

- Brócolis com muzzarela?

- Não. Por favor, pede para alguém... - mal tive tempo e a dita saiu-se voando a servir outra mesa - .

Chega outro servente:

- Atum com cebola ou atum com catupiry, senhor?

- Nenhuma. Eu quero o cardápio.

De novo, esse se manda, nada de cardápio e encosta um terceiro de mãos vazias:

- O que vão beber?

- Eu quero o cardápio primeiro.

- Não tem bebida no cardápio.

- Você pode trazer o cardápio?

- Mas não tem bebida no cardápio.

Eu sei que podia ter dado um berro e um murro na mesa para me fazer entender. Mas sou um ser com alma nobre e apenas estou estagiando na plebe enquanto meus milhões não me chegam. Tento explicar, como cabe a um futuro pedagogo:

- Você já me disse e eu ouvi. Mas eu quero escolher lanche. Posso?

- Não vão comer pizza?

- ...

Com uma delicadeza paquidermiana a baianinha inculta e mal-remunerada puxa os pratos da mesa, sem ao menos pedir licença. Ainda que mal, tive tempo de dizer que queríamos dois refrigerantes pretos com gelo e limão. O simpático casal da mesa ao lado riu da cena insólita. Comentei com eles e a darling que quebrar rotinas robotizadas dava nisso. O povinho que trabalhava lá estava em modo piloto automático, carregado com o software "rodízio.exe". Ser do contra seria meu desafio. Mais ou menos como os Luditas faziam nas fábricas durante a revolução industrial. Pane certa. Mas eu sou brasileiro e não desisto nunca.

Alguns ajustes no modus operandi dos robozinhos e o cardápio chega em nossa mesa. Procuro escolher rápido meu lanche. Na verdade eu já sabia de antemão o tipo de coisa que queria e só usei o cardápio para escolher a versão. A darling gostou da sugestão e clonou. Melhor mesmo, porque em um ambiente lotado como aquele pedir variações seria suicídio. Dois cheese-picanhas. Segundo a descrição do cardápio algo simples como: picanha frita em tiras, com queijo derretido e salada, no meio de um pão de hambúrguer. Eu já havia comido isso lá mesmo, um ano antes. E achei que seria satisfação garantida. Ao menos foi o que pensei.

Minutos depois chegam os enormes e vaporosos lanches no prato com talheres. A servente de madeixas rosadas despenca-os rapidamente na mesa junto com um catchup. Tomo fôlego para pedir a mostarda mas ela já estava a um quilômetro. Tudo bem, esperaria outro atendente passar. Corto o primeiro pedaço, degusto e puto da vida decreto para a darling:

- Isso aqui só é picanha se for na casa da senhora mãe deles.

O casal vizinho só observa, tranqüilos que estavam com o serviço-padrão de pizzas randômicas.

- Não é? - pergunta minha companheira - .

- Nem a pau. Desde quando picanha tem nervinhos? E a aparência dessa gordura? Isto é contra-filé.

Tiro um pedaço com o garfo, destrincho no prato e mostro para a amada ironizando:

- Eu adoro pedir algo e me darem outro sem maiores explicações.

Acontece que, quando essas coisas são feitas nos estabelecimentos, os funcionários - ao menos os nascidos de profissionais do sexo - já sabem bem o que estão fazendo. A técnica é a famosa SPP: Se passar, passou. E para isso, após arremessar a entrega na mesa do cliente eles tratam de se mandar. Se possível encerram o expediente ou voltam somente quando o cliente pedir a conta. Antes de mais nada, peço para uma garçonete chamar a senhorita pink-hair. Ela chega à mesa atabalhoada com aquela cara de "fala logo que tô ocupada" e ouve a queixa do pobre freguês:

- Isto aqui não é picanha em lugar nenhum do mundo. É contra-filé.

Ela persiste e comete o pênalti. Acha de argumentar, sugerindo que me falte sanidade mental ou conhecimento:

- Impossível, porque hoje nós nem temos contra-filé.

- Querida - puxo o pedaço de carne com o garfo e mosto a ela destrinchando com os dedos - isto aqui não tem textura de picanha, não tem gosto de picanha, nem cheiro de picanha e nem gordura de picanha. Na melhor das hipóteses seria contra-filé. Mas se você diz que não têm contra-filé, aí me preocupa. Que diabo será?

Visivelmente emburrada a esguia mulher pega o meu lanche e coloca na janela do chapeiro. Conversam de forma que eu não escute, mas a darling ainda consegue ouvir. O senhor chapeiro queria reafirmar o milagre da transubstanciação bovina dizendo que não tinham contra-filé. Vão às putasqueospariram com essa insistência. Se se tratasse de pessoas leigas eu juro que perdoava. Mas esses merdas trabalham com isso o dia todo. Sabem o que receberam do fornecedor, o que cortaram e o que fritaram, mas insistem em chamar o cliente de idiota. Mais destestável impossível. A moça volta à mesa com mesmo o prato, na vã tentativa de me convencer dos poderes sobrenaturais do estabelecimento.

- Isto é picanha. Se o senhor pedir outro lanche vai vir igual. Porque não temos contra-filé. Impossível.

Que dane-se a modéstia, mas tenho um paladar de gourmê francês, olfato de cão e conheço alimentos um bocado. Mas raciocinei de forma pragmática. Eram nove e meia da noite, tínhamos ficado na fila por trinta minutos, eu não tinha almoçado e tudo nos arredores tinha filas nas portas. Então condicionei, inegociável:

- Olha jovem, não sou inimigo de contra-filé. Mas eu pago pelo gato, não pela lebre. Continem enganando aos que não conhecem carne. Vou ficar com o lanche mas jamais vou pagar isto como cheese-picanha. Tudo bem? Se vire com a especificação da conta e obrigado. Se estamos conversados, com licença que vou comer.

Não sei se resignada, aliviada, ou sei lá o quê, a ditinha ainda avisou que na hora de saírmos era para chamá-la. Entendi que era para fazer a correção da comanda. A darling, por sacanagem ou por estar com menos fome que eu, fez questão de rejeitar alguns dos pequenos pedaços que achou duros, abandonando-os mordidos no prato auxiliar. Chamei a atendente que digitou algo no micro-terminal, levantamo-nos e ao passar pelos chapeiros lancei um olhar fulminante ao time de pilantras. Estivesse eu com adereços e trajes apropriados de vodu, eles sairiam de lá direto pra se benzer. Ao pagar a conta atentei ao que era processado e vi que a magrela tinha bilhetado os lanches como "churrasco com queijo". Aqui em Sampa o têrmo define um sanduíche simplório de carne picada. Menos da metade do preço da iguaria que eu pedira e queria. Mas fome aplacada e instatisfeito com o atendimento, me mandei para casa com a querida.

Atenção senhores da Marengo: não façam mais isso. É muito feio, desonesto, ofensivo e canalha. Não tem, não tem. Um cliente satisfeito recomenda a mais dez. Um insatisfeito alerta a cem. Ou bloga, que é bem mais eficiente.

FICHA TÉCNICA:

Dia: 08/02/2008.
Hora: 21h00.
Local: bairro do Tatuapé, em Sampa.
Estabelecimento: Panificadora Marengo
Conceito: Sacanagem não se perdoa. Não merece bis.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Momento merchan

É com grata satisfação que veiculo gratuitamente neste blog, sem qualquer solicitação ou autorização dos proprietários, a seguinte empresa:

Para mais informações, visite o site www.xavier.com.br.

Ps.: O tio Xavier, até onde se sabe, não tem nenhum vínculo societário ou consangüíneo com os acionistas da empresa em questão. Senhores seqüestradores não percam vosso tempo.