domingo, 22 de fevereiro de 2009

Ah, o Carnaval... em casa

Uma pena. O tio estava tentando ir para um bucólico lugar no interior de São Paulo durante o Carnaval. Trata-se do sítio de uns amigos finesse, sito à beira de uma represa onde felizmente até as ondas de celular são raras e dificultosas. O objetivo indubitável era ficar longe do bumbum-paticumbum-prugurundum, de carros com porta-malas escancarados tocando axé, de gente ensandecida achando que o deus dos cristãos vai lançar chamas sobre o planeta na quarta-feira de cinzas e resta-lhe procurar os últimos suspiros de prazer, dentro das bizarrices que lhes aprazem. Resumindo: apenas um pouco de paz.

Antes de mais nada o tio não tem nada contra o Carnaval. Festa é festa. E se em questa cazzo di vita não tivermos momentos para festejar um pouco, melhor morrer. Mas há momentos em que queremos apenas olhar o campo, acordar com o trinar de pássaros, cacarejos e latidos. Só isso. Voltando ao sítio dos amigos, ficamos sabendo os refinados proprietários receberiam outra família de conhecidos - a quem secretamente me refiro como cohabentos - pra passar o feriadão. E isso foi o bastante para nos demover dos planos. Não que sejam má gente, jamais. São pessoas da melhor índole possível, calorosos, prestativos e amistosos.

Mas digamos que o adjetivo cohabentos que lhes atribuo tem a ver com hábitos muito ruidosos, esfuziantes demais, festivos demais e por que não dizer muvuqueiros demais. O pobre tio, que pensava apenas na paz do campo, no alvorecer por trás da serra, no trinar matinal do passaredo e nos coachar noturno dos batráquios, teria que se contentar com porta-malas de carros abertos, boomboxes ligados e até com o aparelho de som da sala tocando axé, bléque míuzique e pagode a quatrocentos e cinqüenta decibéis. Isso sem falar nas coreografias, dancinhas e brincadeiras divertidíssimas, como seqüestrar um desavisado e arremessá-lo na piscina. As sonhadas tranqüilas refeições seriam substituídas por banquetes dignos de castelos nórdicos medievais, tal a variedade de comidas gordurosas e quantidade de pessoas a se servir. Tudo com muito coentro e cominho (argh!). Mas não é só isso.

Como degustador de uma boa cachacinha de roça, tragada vagarosamente em copo minúsculo eu também não apreciaria passar o dia vendo pessoas abrindo latas e mais latas de cerveja e produzindo jarras de caipirinha (de 51 ou Velho Barreiro), mantendo-se em estado de torpidez permanente e puxando conversas nada a ver, em dialetos quase ininteligíveis. Sabe, não é ser chato, porque chato nesse caso é ver um monte de bêbados de sunga e sem camisa andando pra lá e pra cá com passos inseguros indo buscar cada vez mais bebida. Isso quando não mandam os filhos crianças buscar a bebida, o que acho abominável ao quadrado.

Também gosto de acordar bem cedo quando estou nesses lugares, só pra ver o sol nascer e também costumo tirar uma soneca na rede depois do almoço. Aliás dormir é uma das coisas que mais faço em sítios, devido à paz que me transmitem. E quando é possível, à noitinha eu gosto de sentar-me no alpendre com a darling pra namorar um pouco, coisa que não é muito acessível aos casados com filhos pequenos e às pessoas social e profissionalmente atarefadas. Daí que tentar namorar com gente do lado sempre empunhando uma lata de cerveja e puxando papo furado também fugiria um tantão do meu propósito.

Peço que o leitor me entenda, caso ele seja um respeitável trabalhador mutuário do CDHU ou da Cohab. Cohabento nesse caso é um modo de ser, um estado de espírito que a pessoa escolhe pra si. O tio há três décadas morou e estudou na Cohab-II, quando nem iluminação pública lá havia. Mas nem por isso voto no Netinho de Paula, nem sou foi adepto de muvucas como as descritas acima. Não penduro roupas e toalhas nas janelas e tento tratar os espaços coletivos como algo sagrado, imune à ações invasivas de qualquer espécie. Desta feita, terei que me resignar a ficar em Sampa e visitar o sítio dos bondosos amigos em outra ocasião, claro que num dia em que eu tenha assegurado que os cohabentos não estarão. Desejo a estes um ótimo feriado porque - apesar de tudo e como eu já disse - são boa gente. Uma pena mesmo... [suspiro]

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