domingo, 19 de março de 2006

DJ sofre

Sábado retrasado eu protagonizei de DJ em uma festinha fechada, no salão da casa de minha irmã. Apenas para famílias de amigos, com seus respectivos filhos, crianças, aborrecentes ou jovens. Era sobretudo um baile de flashback dançante, considerando a média de idade do meu círculo de amizades, que é acima de 35 anos. Não escrevi isto antes por falta de razões. Depois, por conta de uns ocorridos bestas nos dias que sucederam, achei que o Sem Sentido seria um bom lugar para o recado.

Tecnófilo e preguiçoso de plantão, rolei o baile usando meu PC. Conectei-o a um mixer e este a dois amplificadores. É bem mais prático montar playlists com antecedência, deixar as mixagens pré-programadas e ficar monitorando, do que espalhar dezenas de vinis como já fiz no passado. Agora são intervenções mínimas, só mesmo quando percebo que ninguém vai agüentar a versão de doze minutos de You make me feel com Silvester ou quando percebo que alguma música não está sendo suficiente para chacoalhar os esqueletos quarentões. E tome MP3! Tecnologia é para isso, ainda que esta opinião provoque náuseas em algum ortodoxo da seita dos Vinilistas do 7º Dia.

Quando sou chamado para fazer algo, assumo a empreitada e não aprecio co-pilotos e palpiteiros. Penso que discotecagem - ou emepetrêsagem no caso presente - seja uma espécie de trabalho artístico e não possa ficar à mercê de pitacos pentelhos. Deve ser por isso que nos bailes e danceterias o DJ costuma ficar em um aquário, inacessível aos freqüentadores. Como minha modesta estrutura ficava acessível aos mortais, tive que aturar candidatos a produtor musical de todas as idades. Coisa mais chata é passar horas antes montando a programação e depois ficar ouvindo: "toca isto, toca aquilo". Nessas horas, aproveito-me dos decibéis do som para simular surdez.

Como amante da Discoteca e da clássica Black Music dos anos 80, o que mais me surpreende hoje é a falta de senso crítico com a podridão musical que a mídia vende atualmente. Ouvir pedidos para tocar lixos de baile funk de morro me provoca diarréia. Grande parte das pessoas repetem estupidamente os cacófatos de baixo nível. Tem um que usa uma marca de fogão e sugere que fornecer a saída do reto é extremamente benéfico. Tudo indica que mundo está no fim. O próximo som a tocar será a sexta trombeta, prenunciando a ceifa da terça parte dos homens (Ap 9, 13-15).

O pior é ver as pessoas fornecerem essas pérolas musicais de baixíssimo calão aos filhos e netos da mais tenra idade. O que terá acontecido? Será que as trilhas sonoras do Castelo-Rá-Tim-Bum e do Sítio do Picapau Amarelo perderam o encanto? Essas novas religiões musicais desprovidas de arranjo instrumental, de poesia e de melodia, provocam uma tal distorção cerebral, que ao verem seus pedidos rejeitados ou ouvirem meus sarcasmos a respeito, seus adeptos se transformam em potenciais membros da Al Qaeda. No semblante deles é visível que só não mandam a mesa de som e o salão pelos ares por falta de cintos-bomba. Há que ser feito um estudo sério se os tais "batidões" não seriam mecanismos de abertura e bloqueio de portais mentais, para neutralizar a inteligência e o senso-crítico dos ouvintes. Muito embora na década de 80 não era assim com Afrika Bambataa & The Soul Sonic Force, um tremendo batidão.

Por favor: se você é daqueles que ficam pentelhando o DJ ou a banda ao vivo com seus pedidos, faça um esforço autocrítico antes de dirigir-se aos mesmos. Salvo se os protagonistas do vexame sonoro pocotista forem os próprios DJs ou a banda. Nesses casos, pedir para mudar o repertório passará a ser dever cívico, pela campanha de Despocotização do Brasil. A propósito desta, clique aqui. Fui.

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