sexta-feira, 17 de março de 2006

A véia e o bilhete único

Não sou o que chamam de buon vivant porque me falta grana. Mas gosto de ir para o trabalho confortavelmente em meu carrinho popular, porém com ar-condicionado e som de boa qualidade, que são coisas básicas. Pois hoje decidi-me por um desafio olímpico: deixei o carro em casa e vim para o escritório de metrô e ônibus. É tão rápido quanto o carro para mim, ainda mais sendo sexta-feira, dia em que todos os nós-cegos tiram das garagens suas jabiracas caindo aos pedaços e entopem as vias com fumaça e sucatas em pane. Eles deixam Sampa City insuportável, digna de Michael Douglas em "Um dia de fúria". Só não rola a mosquinha na nuca porque fico com os vidros fechados e o geladinho ligado.

No metrô encontrei uma vizinha, de modo que fizemos o rápido trajeto de vinte minutos papagueando. E sempre tem uma ou outra senhorita de agradar os olhos nas proximidades. Por essas, a viagem não tem nada de torturante.

A comédia ficou para depois, no mini-ônibus - sucessor da antiga lotação - que resolveu pifar a cinco pontos de onde eu desceria. Impaciente de primeira, fui o pioneiro a liderar o movimento de desembarque, seguido dos vinte passageiros. Logo atrás veio outro da linha e parou para o embarque dos náufragos. Todos já estávamos com o "bilhete único" em mãos. Para quem não é de Sampa, bilhete único é um cartão inteligente, que nos permite tomar até quatro ônibus no intervalo de duas horas, pagando somente a primeira passagem deixando as outras três "de grátis".

Mas tinha que ter uma senhora de idade avançada e desprovida de atributos intelectuais básicos, ou seja: uma velha burra. Ao embarcar no veículo que nos resgatou, ela resolveu arranjar confusão com o motorista:
- Eu não vou pagar de novo!
- Não vai pagar senhora. É só passar o cartão, que já está integrado.
- Não vem não. Meu cartão eu não passo. Passa o seu!
- Não posso senhora. Se eu passar o meu, aí eu pago. O da senhora não vai debitar porque já foi passado no outro carro.
- O outro carro quebrou por culpa de vocês. Eu não tenho nada com isso.
- Mas... -
Não me contive e, aproveitando o anonimato no carro cheio, mandei uma palavra-de-ordem:
- Deixa essa véia fora e vamo embora!

O motorista, sem saber como resolver o imbróglio, condicionou que ela viajaria no carro se fosse sentada no motor, sem passar a catraca. E não é que ela topou de bate-pronto? Lá foi ela com a bunda no motor, pedante e satisfeita, como quem conquistasse uma primeira classe na American Airlines. Ela perceberia o ridículo, se não lhe faltassem conexões neurais.

Ê povinho bunda! Isto é Sampa. Adoro este lugar!

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