sábado, 1 de julho de 2006

Até que algo os separe

A profusão de separações conjugais no meu círculo de amigos tem me intrigado. Estou falando de cerca de quinze casais, ou pouco mais, dos quais uns dez se separaram recentemente. Não me importo de graça com isso, pois é compreensível que dois seres não tenham que coabitar pela eternidade, em meio à intolerância e ao desamor. A nossa existência é muito breve e urge vivermos de maneira a evoluírmos em todos os aspectos. Então, o senhor padre que me desculpe, mas passa da hora de ele mudar o livrinho de ritos e substituir o "... até que a morte os separe" por algo menos sentencial como "... até que o desamor, a ausência de respeito e o fim da cumplicidade os separem". Sorry man, mas a indissolubilidade do matrimônio já foi algo bom, caso o senhor padre não saiba. Era uma forma de proteção à mulher. Dos tempos bíblicos até muito recentemente, a mulher pobre descasada foi vítima do desamparo e da miséria social irreversíveis. A pobre, viu? Porque a rica, sempre continuou a ser cobiçada e, não raro, a desposar um novo príncipe. Nas cortes européias e, mesmo nas suas crias tupiniquins, isso foi fato e perdura até hoje. Mas quem quereria uma mulher rejeitada, com uma penca de filhos e duranga? Hã? Hã? O cavalheiro aí atrás, com a mão levantada? Ah... quer ir ao banheiro? Segunda porta à direita.

Com o advento da invasão da mulher no mercado de trabalho, a dependência financeira passou a ser mais solidária e equilibrada. Com os ganhos assalariados médios em queda, o trabalho profissional da mulher tornou-se até uma necessidade para a manutenção do núcleo familiar. Aí reside o respiro aliviado das descasadas e viúvas que trabalham fora. Boa parte do contingente masculino passou a necessitar da coabitação feminina, inclusive por razões econômicas. Então good news, meus queridos noivos! Como todos já perceberam (menos o padre), não há mais motivos para esperar a morte os separar. Até porque é uma espera muito funesta, sinistra e de mau gosto. É bem possível que esse contexto sócio-econômico esteja sendo o apoio principal das inúmeras separações que tenho contabilizado em meu círculo de amigos. Alguns psicólogos e psicanalistas já falam em monogamias temporárias, como sendo o ato de ter sucessivos relacionamentos monogâmicos e estáveis ao longo da vida.

Mas há outra característica que percebi no meu círculo: Praticamente de todos os casais separados ao menos um dos cônjuges era "de primeira viagem". Traduzindo: não tinha nenhuma experiência anterior de moradia a dois e, conseqüentemente, "da dor e a delícia de ser o que é" um casal. Inegável fato é que o convívio em nossa primeira experiência de núcleo familiar - a casa de nossos pais - raramente nos prepara positivamente para o que advém do ato de acordar e dormir com outra pessoa diariamente. Essa situação abrange o compartilhamento de papéis (não gosto da palavra divisão) que a coabitação traz consigo. E afeta todos os aspectos imagináveis da vida doméstica, incluindo: finanças, decisões sobre prole, compartilhamento e conservação do habitat, cultivo de amizades comuns e individuais, vida social, lazer e troca de experiências profissionais, dentre outros.

É quase certo que, em cada um dos casais supra referidos, ao menos um dos cônjuges teve suas expectativas frustradas com relação ao outro ou com as conseqüências da união. Pensando nessa linha e analisando meu suscinto círculo de amigos, posso concluir que as separações de primeira viagem estão por cessar, se é que não terminaram. Mas por falta de protagonistas. Temo que eu e a darling estejamos momentaneamente imersos em uma rede de amigos new-singles. Mas que bom que nenhum deles foi separado pela morte. Né seu padre?

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