domingo, 29 de outubro de 2006

Não tem tu, vai tu mesmo

Um pouco de história de bastidores. Nem tanto bastidores. Parte do assunto é de conhecimento de milhares de militantes do então Partido dos Trabalhadores. Mas a coisa requer um bocado de compreensão sociológica, política e filosófica. Talvez por isso tenha passado debaixo do nariz desses milhares de militantes sem a devida percepção. Conhecimento histórico e teoria política ainda são artigos de luxo em um país que transitou aos trancos de uma recente ditadura militar para o barranco de uma democracia esteticamente confusa e politicamente questionável. É o que chama-se classicamente de democracia burguesa, já que ainda é feita nos moldes da revolução francesa promovida pela burguesia. Por favor, se tiver alguma dúvida sobre esta premissa, vá estudar um pouco ou simplesmente não leia este post.

Desde a época da abertura política, com a extinção do AI5, a posterior liberação dos partidos políticos e eleição - ainda indireta - do primeiro governo não-militar após o malôgro de 64, a grande estrela que começou a diferenciar-se no cenário político foi então o PT. Surgido a partir de estruturas de militância social com o pé no chão e sonhos nas nuvens como os sindicatos, movimentos populares urbanos e movimentos pró-reforma agrária, o PT trazia no seu núcleo um ideário político que tinha bem menos a ver com calendário eleitoral do que com as preocupações cotidianas dos trabalhadores e suas famílias. Era fortemente centrado em bandeiras como o questionamento da dívida externa, a luta pela reforma agrária, as batalhas salariais contra a inflação e orbitava uma idéia de greve geral por tempo indeterminado, ainda que os objetivos desta fossem deveras confusos e distintos entre as correntes internas do PT. No campo internacional a militância discutia e a interferência política dos países ricos sobre a América Latina, a solidariedade internacional pela causa palestina, o apoio ao sindicato Solidariedade na Polônia contra a burocracia soviética, as campanhas de apoio aos estudantes chineses contra a burocracia chinesa, enfim tudo o que se identificava com as mais legítimas aspirações populares. O calendário eleitoral vinha à reboque de tudo isso. Não que eleger parlamentares e concorrer a cargos majoritários não tivesse importância. Mas o condutor era a conscientização política.

Todavia, quando as tendências majoritárias, compostas por dirigentes de índole duvidosa e de perfis divididos entre stalinistas e democratas-burgueses, foram tomando mais e mais força dentro do PT, uma nova faceta foi sendo consolidada. Um forte vetor dessa mudança ocorreu pela participação crescente de contribuições financeiras nas finanças partidárias que se originavam do salário dos parlamentares eleitos. Pela regra universal do Capitalismo, manda mais quem põe mais grana. Logo os parlamentares e majoritários eleitos foram progressivamente dando o tom das discussões e impondo suas pautas políticas. O que a militância não questionou em tempo hábil foi a absorção dos políticos eleitos pelo PT pela estrutura dos aparelhos políticos do Estado Burguês. As prioridades, regras, limitações, leis e mesmo conceitos da democracia burguesa foram tomando o lugar das aspirações populares que tinham originado o PT. Nesse ponto está a confusa linha divisória que desviou o foco do partido das reivindicações e aspirações populares para uma versão praticamente acomodada à democracia eleitoral.

O PT que está aí e o governo constituído são resultados dessa descaracterização. As regras dos parlamentos da democracia burguesa são alicerçadas pelos conchavos, pelas negociatas, pelos mensalões, pelas liberações orçamentárias para emendas parlamentares, pelos favorecimentos às empresas e trustes de investidores. Menos pelos anseios e necessidades das famílias de trabalhadores. Em termos de pragmática não tem muito pra onde correr. Ética e decência em ambientes como esse tendem à morte ou pelo menos ao ostracismo. O que esperar de um governo como esse? Nada, do ponto de vista das origens do partido que ele representava. Absolutamente nada. As regras e o tom da orquestra já são mais que dadas pela Contituição e pela estrutura de poder - poder de fato - representadas na sociedade. No máximo um programinha assistencialista ali, outro acolá, uma campanhazinha contra a fome em alguma região, algum projeto de otimização de empregos. Mas nenhuma mudança estrutural como tal. Tudo mais ou menos como antes, talvez com um pouco de retardo na putrefação social e econômica do Capitalismo. Menos ruim que os outros apenas. Mas ruim e perfurado pelas brocas da corrupção e do fisiologismo que caracterizam a forma de representação política do Congresso, do Senado e dos Executivos nas três esferas. Como os outros.

Hoje será o dia mais duro de apertar o 13 em toda a minha vida. Quem me viu e quem me vê. Quem os viu e quem os vê...

2 comentários:

JRP disse...

O senhor endossou a desmoralização ética e moral, seu Xavier.
Apenas isso.

Tio Xavier™ 4.5 Plus disse...

Amigo Lancaster: se fôssemos levar em conta a lisura dos candidatos em questão, o voto nulo seria a única opção coerente. Mas o tio não tem vocações anarquistas.