domingo, 15 de outubro de 2006

Um weekend com você

Um conhecido meu apaixonado por veleiros uma vez me disse algo que me marcou bastante. Que passar algumas semanas em um barco, juntando duas famílias era um teste de amizade bastante severo para qualquer um. Amante da privacidade familiar que sou, entendi perfeitamente o que ele quis dizer. Como eu jamais seria capaz de passar semanas em um barco, sozinho ou acompanhado de quem quer que fosse, comparo a uma hipotética estadia em um imóvel litorâneo em um feriadão.

Sabe quando aquele amigo ou parente arranja um super fim-de-semana na praia e gentilmente convida a sua família? Então você topa e com mapa na mão, porta-malas cheio de pertences, criança(s) no banco de trás, lá vai ao encontro do endereço passado pelo e-mail. Arrisco-me na previsão de alguns episódios memoráveis e prováveis, dessa longa odisséia que poderá durar três ou quatro dias.

A chegada: o clima invariavelmente será de excitação. A família anfitriã mostrará a casa, pedirá desculpas por algum detalhe imaginavelmente desconfortável. Tomara que se trate de gente a quem você conheça razoavelmente bem, até mesmo para equilibrar as expectativas. Nesse instante, as crianças de ambas as famílias estarão a suar adrenalina pelos poros. Começará a correria e gritaria infantil, já que para criança tudo é festa. Vocês ajeitarão as bagagens, acomodar-se-ão no recinto apropriado e tentarão encaixar-se na nova e temporária rotina em comum. As mulheres providenciarão o preparo da alimentação e os homens abrirão sucessivas latas de cerveja, enquanto se amontoarão em frente ao aparelho de tv à caça de futebol. Tomara que você seja adepto de algum desses afazeres, pois o pior estará por vir.

A primeira refeição: será quando você sentirá que todo o esforço pela educação do(s) seu(s) filho(s) poderá ir pelo ralo em segundos. Você, que tanto prima pelo mínimo de qualidade na alimentação, verá os filhos dos outros acessando livremente todo tipo de bugigangas, tomando refrigerante no lugar de água, desprezando impunes as refeições regulares e sequer sentando-se à mesa. E seu filho sentir-se-á atraído pela anarquia alimentícia. Começará a hora do pânico.

O prédio: você terá se hospedado em um apartamento. Por alguma razão desconhecida, os pais das outras crianças não se importarão em ver seus pequenos de sete anos e sem nenhum discernimento subirem e descerem de elevador sozinhos. Será a hora do pânico II: o resgate.

A praia: impressionante como pais maiores de trinta anos e com formação universitária, podem se mostrar relapsos no zêlo com os pequerruchos. Continuo não conseguindo conceber o que pode haver de normal em crianças pequenas ficarem brincando sozinhas no mar, sem nenhuma supervisão adulta. Estou sendo terrorista em supor que os pequenos não têm nenhuma noção dos perigos que o oceano oferece? Só pode ser, porque prevejo que os tais pais e mães permanecerão com cara de alheios, sem nenhum interesse pela profundidade, nem local onde os pequenos estarão. Será a hora do pânico III: o naufrágio.

A hora de dormir: Entende que, para o bem da saúde infantil, les petits devem dormir em um horário razoável. Digamos que conciliando o horário de silêncio do condomínio com um mínimo de flexibilidade, por ser fim-de-semana, 23h poderá ser uma boa sugestão. Mas nada que se pareça com algazarras, gritarias e correrias próximas da meia-noite será compreensível, ok? Estou delirando novamente? Mas a postura de estátua dos outros pais indicará que sim. Será a hora do pânico IV: o desespero.

O churrasco: Se escolherem fazê-lo em algum almoço, procure não ficar na praia enchendo a cara até as 17h. Caso contrário todos voltarão falando dialetos estranhos e só então começarão a acender o carvão. Almoços por volta das 14 horas seriam razoáveis. Caso desconheça o local e equipamentos disponíveis o melhor é checar antes para garantir os apetrechos mínimos e sua limpeza. Principalmente uma boa faca de corte. O risco será perceber tardiamente que a única faca disponível é uma de serra e de eficiência criminosa e, quando você tentar cortar a picanha, produzirá fatias esfoladas e hemorrágicas. O resultado será um pseudo-churrasco, tardio, mal-feito, assado em grelha suja, desidratado e duro. Será a hora do pânico V: a fuga.

Nesse momento todo o cenário indicará que:
1) A bebedeira não terá fim.
2) Os arremedos de refeição doravante terão sua qualidade e paz comprometidos.
3) O jogo de dominó irá até a 798ª eliminatória e será tão ruidoso quanto truco, independente do horário.
4) Que o zêlo pela ordem infantil cairá a índices bem abaixo dos recomendados pelo Unicef.
5) Que o seu esforço educativo pelas suas crias levará semanas para ser restaurado.
6) Que será hora de lembrar ao seu cônjuge de que há inúmeros afazeres em casa e vocês têm que subir mais cedo. E você deverá fazê-lo com urgência.

Mas tudo isso são situações absolutamente hipotéticas e fictícias. Claro que jamais acontecerão.

2 comentários:

katia disse...

será? acho que é por isso que sempre procuro ficar sozinha com as minhas crias rsrsrs,
bj

JRP disse...

Detesto gente.