domingo, 15 de outubro de 2006

Sem medo de ser (in)feliz.

Sinceramente não agüento a pobreza espiritual de nossa classe média decadente e endividada que insiste em posar de elite. Eles argumentam com os mesmos malhados e repetitivos (pré)conceitos com que tratam o pintor, o pedreiro e a diarista de suas casas. Encarnam um nazi-facismo na sua pior versão tupiniquim. Gente que compra home teather e tv de plasma em cem prestações e os usa para assistir Faustão e Gugu. Gente que aluga buffets caros para fazer suas festas e as pagam com o limite do cheque especial. Gente que se pinta de culta e, sem o menor critério, toca e dança "Atoladinha" e podridões similares em suas festas. Gente que não perde o Jornal Nacional, assina a Veja ou a Istoé em doze prestações e acha serem o supra-sumo da informação. Gente que compra Johnny Walker Black Lable no cartão de crédito rolado e, uma vez embriagada é capaz de tantas baixarias quanto qualquer serviçal, cachaçado com 51. A pobreza espiritual universaliza e homogeniza as pessoas pela pior faceta do ser humano. Independente de possuir um cartão de crédito ou cheque especial e, vale dizer, cujas faturas destes somam meses de rolagem de dívida com pagamento mínimo. Um mundo de cascas sem conteúdo intelectual, nem sustentação material. Essa desesperada gente me causa medo.

Seguindo a mesma linha, vemos os milhares de filhos dessa classe média assustada. São matriculados em instituições de ensino superior que variam, conforme a possibilidade de financiamento de seus pais. Só que a esmagadora maioria desses filhos, uma vez longe dos olhos dos pais, passa a maior parte do tempo não nas carteiras nem nas bibliotecas das universidades, mas bebendo e fumando nos botequins nos arredores, onde planejam meticulosamente onde será a próxima balada e farreando com os sonoros porta-malas com três mil watts, de seus carros comprados em sessenta prestações. Pena que fiquem a ouvir as mesmas coisas de gosto duvidoso que tocam em suas festas nos buffets. E basta dar uma volta nos arredores de qualquer instituição mesmo em pleno horário de aula para vê-los: corados, bombados, sorridentes, embriagados e alienados. Contudo, após três, quatro ou cinco anos de suposta freqüência, eles conseguem - sabe lá Deus como - concluir a pontuação e créditos necessários. Passam a ser corados, sorridentes, embriagados e alienados portadores de diplomas. E, doravante, passam a se enxergar como seres superiores, no pedestal de seu confuso limiar entre a autocrítica ariana, a incapacidade de realizações e falta de direcionamento social. Tão somente e repetitivamente engrossam o côro dos que acham que um não-portador de diploma jamais deve alçar qualquer posição de liderança. Quanto menos - e ponha menos nisso - ser o representante-mór de uma nação.

Aí aparece um ex-operário e, do alto do seu "self made" - têrmo que os norte-americanos adoram - e após quase trinta anos de ininterrupta e turbulenta atividade política, torna-se presidente da República, veja que absurdo. Lamentavelmente ele sequer cursou ensino superior, fala errado, coça o saco, bebe cachaça, palita os dentes, descompõe celebridades e diplomatas e às vezes embriagado esquece o que era pra ser dito, repondo com alguma asneira ou impropério gramatical. Nisso parece-se com um elemento inusitado, quase folclórico. Sobretudo inesperado pelas famílias endividadas de classe média e por seus filhos, descritos acima.

O tal presidente ex-operário, no campo da política, faz tantas ou mais merdas quanto qualquer outro. Ancora-se em tantos ou mais assessores de índole duvidosa como qualquer outro. Para quem não sabe todos os presidentes eleitos são obrigados a assinar a contratação direta de cerca de cinco mil cargos de confiança. Eu juro que gostaria de ter cinco pessoas de minha absoluta confiança. Ele viaja tanto quanto qualquer outro, se é que um presidente tenha que ficar olhando o próprio umbigo do país. E mais uma vez, como qualquer outro, faz opções e elege prioridades. O mapa de votação deixa claro que ele não priorizou os já corados e sorridentes citados acima. Nem os portadores de cartão de crédito que rolam dívidas ou teria baixado estes juros. Nem os bolsões pseudo-emergentes dentro das grandes capitais, talvez porque estes tenham suficientes meios para dar seus pulos. O mapa eleitoral dá conta sim de que ele deve ter feito algo, seja o que for, em prol de famílias sem estudo, com filhos raquíticos e amarelados, que andam quilômetros à pé para buscar um balde de água quase potável e que não têm a menor noção do que é uma academia de ginástica, nem um boteco próximo de uma universidade, muito menos o que é esta última. Apesar de socialmente não-escolhidos, eles também fazem suas escolhas. Às vezes movidos por um par de botas, às vezes pela admiração de seu dominante, às vezes em retribuição de um simples programa social.

De fato, se o sujeito está, como denotam as urnas e pesquisas da eleição, usando a nossa pesada carga de impostos para reduzir o custo do cimento, insumo básico da moradia, distribuir de forma certa ou errada a renda auferida desses impostos, viabilizando condições mínimas de vidas nos bolsões mais pobres de Pindorama, eu fico com a reeleição dele. Até porque é o único com credibilidade e base política. Traduzo BASE como: assento e referência no meio operário e popular não-alienado. O sapo barbudo é o único que faz parte de um partido que AINDA tem participação popular e militância de base engajada. Estes que podem mudar a sociedade. Os corados dos botecos jamais o farão, primeiro por incompetência. No máximo, quando a água bater-lhe nos traseiros, tentarão perpetuar a divisão que os permite freqüentar a faculdade, andar de carro e beber álcool.

Com o tal ex-operário - e pelo cardápio eleitoral somente com ele - ainda será possível inverter a pirâmide de prioridades de uma sociedade baseada em não-valores, em não-cultura, em não-divisão de renda e em não-promoção social. Mudar arraigados conceitos de perpetuação de estruturas de propriedade, de posse, de sobrenomes e heranças. Senão, que ao menos a pitoresca presença dele na cadeira do planalto continue servindo de tapa na cara dos nossos nazi-facistas tupiniquins de almanaque.

Tomara o tapa cause dor no rosto de nossas classes dominantes e nos de suas caricaturas pobres, compostas pela classe média endividada e alienada. O "espelho espelho meu" acusa que vosso trono de beleza está por um fio.

3 comentários:

Anônimo disse...

Já te falei que você é brilhante em suas argumentações??? Já, né? Então, não vou repetir.
Precisamos reler PEDAGOGIA DO OPRIMIDO.
Falso burguês, pequeno burguês...uma bosta mesmo.
Viva Moliére!

Anônimo disse...

Matou a pau. escrevi a mesma coisa recentemente, sem o brilhantismo, claro.

katia disse...

parei de rir...cara vc é demais!!!
que cabecinha tem essa pessoinha que é vc heim???tem uma frase que adoro muito, que é de um trecho de um texto que a cantora Ana Carolina lê num show...
fala assim...sei que não dá pra mudar o começo,mas se a gente quiser vai dar pra mudar o final.
algo me diz que eu deveria começar este blog do princípio...
que delícia que é ficar em pleno domingo na ociosidade,só passeando pelos blogs da vida e encontrar um tão bom assim!!!
parabéns