quinta-feira, 30 de abril de 2009

Você se garante?

Você se garante? Essa pergunta pode parecer muito vaga, mas remete aos diversos aspectos da segurança em si que cada um deveria conquistar. Definir a si próprio é uma tarefa um tanto difícil, admitamos. Nos situamos naquele limbo entre a imagem que temos de nós mesmos, a imagem que os outros têm de nós e algo que pode ser nossa essência. Passamos por isso a todo momento ou quem sabe devíamos nos questionar em instantes específicos da vida. Mas preocupar-se excessivamente com apenas nossa imagem externa pode - além de resultar em neuroses - contribuir para a ruína dessa mesma imagem que queremos construir. Garantir-se não é para qualquer um. É enxergar-se com realismo sem abrir mão do sonho. É construir uma auto-imagem compatível com nosso lugar-mundo e as competências que podemos conquistar de maneira sustentável.

Há coisa de um ano e tanto, conheci uma pessoa. Uma jovem muito bonita e digo sem pudor que é muito atraente. Algumas semanas depois, não sem quem foi que encontrou o perfil de quem no Orkut e acabamos nos adicionando. Cumprindo o propósito irresistível dos sites de relacionamento, passei a bisbilhotar sorrateiramente as fotos da bonita moça, querendo saber um pouco mais a respeito da enigmática e silenciosa figura. No seu álbum virtual notei que todas os as manhãs sempre havia novas fotos dela em baladas, sorridente e com copos à mão. Fiquei intrigado, confesso. Para quem estuda à noite, presume-se que trabalha. Divertir-se e beber em danceterias até altas horas todas as noites me pareceu mais compatível com os entrevistados do Amaury Jr., da classe social A++. Fora que em Sampa uma saidinha de nada nunca custa menos de cento e cinqüenta reais, isso em lugares dos mais modestos. Faça as contas e descubra o despêndio mensal. Só se ela for "filha de papai", pensei.

Dia desses a jovenzinha me procurou nos corredores. Me supondo alguém bem relacionado profissionalmente, ela pediu que eu arranjasse um emprego pra ela. Sou reticente com essa coisa de indicação profissional. Mantenho contato direto com dezenas de empresários. Mas só indico pessoas de quem tenho bem claras as competências e requisitos. Perguntei o que ela fazia e recebi como resposta o lamentável "qualquer coisa". Ora leitores, quem faz qualquer coisa, ganha qualquer salário e tem que trabalhar em qualquer lugar. Qualificação e especialização são condição sine qua non para um posto profissional recompensador. Emprego há somente no meio político, em cargos indicados para não fazer nada. Para profissionais de verdade há postos de trabalho. Perguntei o que ela fazia atualmente e descobri tratar-se de uma balconista de loja, com ganhos que mal tangiam seiscentos reais mensais.

Se você teve saco de ler até aqui deve estar se perguntando: uma suburbana, que estuda em faculdade popular, tem um empreguinho de nível "D" vai à baladas todas as noites... como? Há de ter um namorado "bom partido" com as burras bem cheias. Não, meu amigo, minha amiga. A moçoila, apesar de ser muito bonita mesmo, não tem namorado fixo. Ao menos não tinha até há poucos dias, quando bisbilhotei-a um pouco mais. Trata-se de uma "ficante errante". Segundo uma colega comum, que mora na mesma rua do mesmo bairro pobre, a moça sonha com uma vida melhor como é justo a qualquer um. Mas a estratégia de sustentação do seu sonho inclui não se relacionar com ninguém do pedaço humilde onde reside e um esforço desmedido para misturar-se a tribos de poder aquisitivo mais relevante. E sem grana para bancar esse capital social, o preço que ela paga é dar canja para rapazes abastados que não resistem aos seus belos traços e contornos, ficando com um aqui, outro acolá, uma cama aqui e outra ali, a cada balada ou fim-de-semana a passeio. A rotatividade é sem fim, já que relacionamento estável no meio baladeiro não é uma patente. Sua dedicação diária na postagem de fotos em que aparece sempre sorrindo, mais parece uma ação de marketing planejado a vender a idéia de como é feliz.

Com seu desempenho acadêmico próximo de medíocre ela deve continuar sonhando com um príncipe encantado cavalgando em um carro importado, para tira-la do seu lugar social de proletária-suburbana e leva-la em definitivo para um castelo encantado, quiçá um bom apartamento em bairro melhor. Não mais por uma noite. Deve ser muito difícil viver uma dicotomia tão grande entre fantasia e realidade. Acima de tudo ela parece ser uma boa pessoa e por isso desejo que ela se divirta bastante, dada a efemeridade que a vida representa. Mas sinto um bocado de pena a imaginar o vazio que sua pessoa encontra, toda vez que não consegue um patrocinador para ir para a balada. Sem os entorpecentes das luzes piscantes, das músicas dançantes e dos drinks coloridos que pagam para ela, a moça pode ver-se em um vazio desagradável. Tomara mesmo que o príncipe apareça - e logo - porque se demorar muito seu salário de balconista não bancará os antidepressivos.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Samba-enredo da Câmara Federal

LETRA: Tio Xavier.
MÚSICA: Cante com qualquer melodia de samba-enredo, afinal são todos iguais.

Prelúdio...

[Deputados federais pedem passagem!]

Cadê nossos aviões?
Nós só temos o vôo comercial.
Toda semana pra visitar as bases,
passar as férias, o natal e o carnaval.
E tem também para a família
pra sogra, filha, pra amante e pro irmão.
Passagem grátis para todo canto
até pra Disney e pro Azerbaijão.
[No tempo...]

No tempo de Dom Pedro,
Até nossos ancestrais
já tinham tanta mordomia
e terra grátis nas capitanias.

E hoje a Câmara em Brasília
vive dias de intensa alegria
salário bom, emprego pra família
como é boa essa tal democracia. [Cadê? Cadê]

Cadê nossos aviões?
Nós só temos o vôo comercial.
Toda semana pra visitar as bases,
passar as férias, o natal e o carnaval.
E tem também para a família
pra sogra, filha, pra amante e pro irmão.
Passagem grátis para todo canto
até pra Disney e pro Azerbaijão.
[Tem gente...]

Tem gente xingando os deputados
essa imprensa tem a força do Mal.
Ai se pudéssemos votar um bom projeto
calando a boca desse monte de jornal.

E assim vamos negociando cargos
pois é dando que se recebe
do Executivo que faturamos alto
e que se dane, que se dane toda a plebe... [Everybody fuck...]

REFRÃO

Cadê nossos aviões?... [Onde é que estão?]

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Castidade assim até eu

O bispo católico e atual presidente paraguaio - Fernando Lugo - não é o Abelardo Barbosa, mas "está com tudo e não faz prosa". Acabei lembrando de outra piadinha antiga de um sujeito que queria ser franciscano e foi advertido sobre os votos religiosos, a saber: pobreza, obediência e castidade. Após conformar-se, na sua primeira entrada na casa da ordem olhou para tudo e ficou espantado. Lustres coloniais de cristal, mesas gigantescas de carvalho talhado, tapetes artesanais enormes, estofados de couro e prataria da melhor qualidade compunham a nada modesta mobília. Começou a gargalhar sem controle, ao que foi advertido pelo frater que o conduzia:

- Irmão, por que ri tanto?


- Meu amigo, é que eu estava preocupado com o cumprimento dos votos. Mas se isso aqui é a pobreza, não vejo a hora de anoitecer pra conhecer a castidade.

Neste mês apareceu outro provável filho de dois anos. Não sei quando o cara afastou-se da vida religiosa. Mas para um ex-bispo católico - logo supostamente casto - o tio Lugão demonstra uma recente vida sexual bastante animada. Bem melhor do que a de muito leigo carola por aí.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Meus heróis não morreram de overdose

Os mitos têm força no imaginário popular, seja como arquétipos propriamente ditos, seja como veículos para suporte aos ideários mais diversos. Pedro Américo que o diga, quando muito depois praticamente clonou um quadro europeu, para emprestar ao evento da Independência a pompa e circunstância que o factóide precisava. De um mero acordo político e econômico para o brado retumbante a distância foi encurtada pelas tintas. E desde então, lá está o mulherengo e fanfarrão Pedro I travestido de herói nacional.

Hoje é feridão da igualmente famosa Inconfidência Mineira. Na qualidade de consangüíneo de mineiros tenho muito pra desconfiar de qualquer empreitada supostamente ocorrida nessa região. Diz um dito popular que "farmacêutico mineiro não dá plantão, fica de tocaia". A política do café-com-leite foi (ou é) prova disso e às vezes dou graças pela existência do estado do Espírito Santo. Não fosse este os mineiros teriam portos para o Atlântico e aí sim que ninguém os segurava. Humor à parte - todos sabem que adoro principalmente As mineirAs - mas MG tem mesmo uma tradição política matuta e sábia. Notem que quando não são os protagonistas da presidência estão na qualidade de iminências pardas, fazendo crer que nunca deixam de fazer e acontecer na política brasileira.

Mas o post de hoje é sobre o meu tatara-tatara-tio-avô, Joaquim José da Silva Xavier. Nada contra ele, muito menos contra os demais dentistas. O duro é passarem anos cravando pseudo-heróis na cabeça da criançada, a título único de legitimar o atual estado político das coisas. Já é bem disseminado e aceito no meio acadêmico que o máximo ocorrido com o dentista maçom foi ter sido preso após uma reunião de liberais inspirados pelas máximas da Revolução Francesa. Até a prisão tudo bem. Mas o que houve depois foi uma seqüência de falácias até chegarem nos livrinhos de história - ou será estória? - com aqueles retratos piegas do barbudo com a corda no pescoço. Quem sabe o Tiradentes não inspire tanta identificação no povo pelos ideais, do que pela corda no pescoço, sina do brasileiro enforcado pelos baixos salários e custo de vida alto? Os mitos têm poder arquetípico muito além das suas imagens formais: falam ao espírito.

A imagem de Tiradentes, como retratada posteriormente, também remete a Jesus de Nazaré, outro forte emblema do herói martirizado. Só que mais sortudo do que este - até onde se sabe - o mártir mineiro foi substituído por um Barrabás, só que nos bastidores judiciários e mediante uma boa cifra em ouro. O ladrão em questão encontrava-se mais do que condenado por crime comum e era de execução certa, para fins de manutenção da moral da justiça. A coroa portuguesa estava enrolada financeiramente, não obstante o dreno mineral do Brasil, que já nem era mais tão significativo. E a Maçonaria estava suficientemente articulada, com o fim de extingüir com o anacrônico regime monárquico. Peças de um complexo xadrez político-econômico: um modelo colonial falido, uma coroa idem e uma colônia de enormes dimensões já fora de controle. Veja bem que o dentista nem era lá tão articulado com os planos do movimento independentista, mas era quadro bom e suficiente para lecionar e disseminar os ideais libertários defendidos pela Maçonaria.

Assim o nosso herói - meu velho tatara-tatara-tio-avô Joaquim José - fora resgatado na prisão, na calada da noite embarcando idem para a França. A família do ladrão que o substituiu também recebeu uma boa cifra como conhecido mecanismo "cala-boca". Um ano depois, segundo defendem alguns historiadores, o quase-enforcado já pôde ser visto e com lista de presença assinada em uma importante assembléia política na França. Logo depois teria ainda lecionado em uma universidade até seus últimos dias de fato. Enforcado não foi, nem ficou em nenhum momento e de nenhum modo, considerando que um acadêmico na Europa ganhava respeitável salário. O retrato ao lado é mais compatível com seus dias posteriores ao "seu" enforcamento.

Enforcados continuamos nós, nesse mar de impostos e tendo que recomprar serviços que deveriam ser públicos como Educação, Saúde e até mesmo segurança. Então vamos curtir o feriadão, fazer churrasco e colocar a filmoteca em dia, que é o que nos resta. Pobre povo que precisa de heróis. Ainda mais falsificados.

"Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria." (Tiradentes)

"Não sendo a minha, eu dou até vinte." (Tio Xavier)

domingo, 19 de abril de 2009

Curumin chama Cunhatã, que eu vou contar

Desde a entrada do branco europeu nas terras de Pindorama, a questão da posse da terra e do status do índio é objeto de conflito e "muito pano pra tanga". Não obstante os massacres incontáveis que ocorreram desde a expulsão dos jesuítas, as nações indígenas brasileiras vivem como párias na própria terra de seus ancestrais.

Não que as ações do jesuítas tenham sido tão nobres assim, mas ao menos não tinham o viés de transformar as terras brasileiras em gigantesca reserva extrativista, somente para suprir a penúria econômica pela qual a Europa passava com o declínio do modelo imperial feudalista. Havia muitos jesuítas de alma nobre embora - em última instância - servissem à Europa. Mas infelizmente a colonização cultural é tão mortífera quanto o escravagismo propriamente dito, pois não faz senão escancarar as portas para este. Me lembro de uma piada, cujo quadrinho não consigo achar na web agora.
Após calma e detalhada explicação do jesuíta sobre o pecado, o índio indaga:

- Mas padre e antes, quando eu não sabia nada disso, eu ia pro inferno?

- Não, filho. Antes de saber você era inocente; logo não pecava.

- Então por que me contou, seu desgraçado?
Claro que no cartoon é mais engraçado, mas a piada é elucidativa. O colonizador branco enviou intuitivamente todos os seus aparelhos para dominação, do arcabuz ao evangelho, da pólvora à cruz. A religião institucionalizada, substituindo a natural do silvícola, convertia-se em eficaz meio de aculturação e logo de escravização. Além das inúmeras doenças desconhecidas por aqui e, consequentemente para as quais os pajés e xamãs não tinham tratamento, pior ainda foram os costumes transferidos. Índias acostumadas com o sol e o vento sobre as mamas foram vestidas para cobrir o que passou a ser "vergonhas" e muitas morreram de tuberculose por isso. Tribos acostumadas à antropofagia ritual e gastronômica, viram-se desprovidas do modo de afirmação de sua identidade. Ainda bem que algumas resistiram. Que o diga o bispo Sardinha. Mas também, com esse nome sugestivo o cara pediu pra ser comido, não é?

De certa forma, Pombal quase que fez-lhes um favor ao expulsar os jesuítas, pois propiciou a debandada de tantos quantos puderam, para os rincões de mata onde o branco mal conseguia chegar e, quando o fazia, caía nas arapucas da própria floresta e dos índios. Do contrário, seduzidos pelos cantos sacros, pela bonita organização das missões e pelo conceito de produção agrícola auto-suficiente, se as missões tivessem sido levadas a termo é provável que não teríamos resistência e as nações indígenas seriam apenas uma reles lembrança nos livros.

Mas mesmo quase dizimado o índio resistiu e incrivelmente hoje algo em torno de duas centenas de nações indígenas reivindicam para si o que deveria ser óbvio: a reserva e exclusividade de míseros quilômetros para subsistência, dentro dos oito milhões e meio de terras de Pindorama, que outrora não tinham demarcação, nem escrituras imobiliárias. As tribos não tinham o conceito de posse da terra e a reivindicação contemporânea não é senão uma adaptação aos novos tempos. Afinal foi o branco criou - para si mesmo - a documentação de propriedade, justificando a defesa desta a ferro-e-fogo, ou melhor: ferro, fogo, chumbo e sangue alheio.

Antes e depois da criação da Funai em 1967, muitas bobagens foram feitas (inclusive a própria Funai). Sem entender nada de Antropologia, geniais políticos deslocaram tribos inteiras para regiões com características topográficas, climáticas, vegetativas e de fauna totalmente distintas das de origem. Os resultados foram catastróficos: fome, conflitos com outras nações, descaracterização, mendicância e até extinção. Essa foi, por exemplo, a sina dos guaranis. Que diabos houve o deus dos brancos, que não criou os irmãos Villas-Boas e o Darcy Ribeiro antes disso? Estão vendo como ele não escreve tão certo pelas linhas da história, que continuam sempre tortas?

As quatro gestões presidenciais recentes, duas do sociólogo e duas do metalúrgico, até que cederam em questões pontuais como a da reserva Raposa Serra do Sol e sua devolução para algumas nações como macuxi, wapixana, ingarikó, taurepang e patamona. Mas esqueceram de combinar direito com os arrozeiros, pois muitos destes também foram ludibriados outrora com cessão de terras para cultivo em Roraima. Agora há também a indústria da indenização posto que há mais de dez anos os arrozeiros reivindicam "safras que estão por colher" e ressarcimento dos equipamentos, cuja logística de remoção é onerosa não compensando por si. No fundo, há dos dois lados vítimas de um Estado não planejado e sem diretrizes de longo prazo, que se pende ora para um lado, ora para outro, conforme as forças correlatas. Infelizmente pende sempre mais para o capital.

Neste ano, particularmente, as escolas tiveram um feriadão prolongado que deixou o dia do índio perdido entre o fim-de-semana e a inconfidência. Sinal dos tempos ou não, mas um mau sinal sem dúvida. Quem sabe se pior do que esquecer o índio não é passar para os estudantes uma versão caricaturizada por penachos, tanguinhas e homenagens vazias, que em nada acrescentam no respeito à etnia, à cultura e ao direito de viver dos povos indígenas, muitos dos quais já se encontram urbanizados. Quem sabe, alguém vá no centro da cidade e compre daqueles índios da diáspora algum unguento mágico, um souvenir industrializado ou então vá a algum parque e tire fotos com uma sobra do indígena, já despido de sua essência, do seu modo de ser e do pensar silvícola. A coisa tá tão perdida que em um colégio particular anos atrás vi crianças vestidas com trajes de... comanches!!! Só faltou o Clint Eastwood aparecer para praticar tiro ao alvo neles.

Minha sugestão para o dia de hoje é que tentemos repensar nossa civilização a partir de alguns valores dispersos com os três milhões de índios brasileiros que viviam aqui: 1) Que terra é pra usufruto, não para posse; 2) Que os filhos o são de todas as mães e pais para, para que não haja órfãos pedintes na rua, nem institucionalizados; 3) Que da natureza é para tirar-se somente o necessário à vida, não a acumulação; 4) Que o trabalho é um bem coletivo, de todos para todos e não de todos para meia-dúzia de capitalistas e 5) Que a escola deva ensinar aos "curumins brancos" o que lhes é importante para viver bem, para se defender e defender seus direitos. Sobretudo o direito à vida. Que não lhes empurre o dispensável e o supérfluo.

Hoje deveria ser dia do índio. Não só dos índios brasileiros, mas de todas as nações, de todos os cantos do mundo invadidos pelas cidades e indústrias. Lembremos dos aborígenes australianos; dos índios norte-americanos quase aniquilados por aplaudidos cowboys; das tribos africanas, que vivem verdadeiros desastres sociais, após a devastação e conseguinte abandono dos estados brancos; dos esquimós que disputam humilde subsistência com bilionários lobbies petrolíferos; dos povos latinos ameríndios que ainda lutam pela independência. Enfim, os quem amargam a impotência como eu, pelo menos ensinem aos descendentes o básico: respeito e reconhecimento.

Índio Gaudino, rogai por nós.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Ratatouille

Depois dessa história que contei aqui, demorou muito tempo para os primos do Mickey, ou melhor, do Níquel Náusea violarem novamente a minha fortaleza doméstica. Claro que quem tem quintal está sujeito a passeios dessa espécie adorável, mas como tomamos alguns cuidados que incluem deixar veneno raticida em locais estratégicos, eles tendem a cantar em outras habitações.

Só que neste sábado, mal abri a porta da cozinha e vejo um saltitante roedor sair do canto onde fica um armário pra tentar se esconder no quintal. Deu de ficar abaixadinho atrás da minha micro-horta de temperos. Cheguei próximo já munido de uma vassoura dura e fiquei pensando na estratégia do assassinato. Encostei mais o canteiro no muro pro abrigo do pestilento ficar mais aconchegante. Arrastar a floreira de sopetão e tentar correr atrás dele? Bobagem. Correr é sua habilidade maior e eu estaria em desvantagem. Então me ocorreu uma solução muito simples, bastando usar o cérebro.

Havia no quintal um tijolo baiano desses de cerâmica com seis furos que eu tinha usado para tirar medidas. O dito estava em uma sacola de mercado. Eu coloquei-o com o lado aberto virado pra floreira e só faltou eu colocar uma plaquinha: "esconderijo aqui". Do lado oposto, comecei a afastar a peça e passar a vassoura. Blup! O bichinho se empirulitou exatamente dentro de um dos furos do tijolo. Foi simples e rápido desta vez. Coloquei a peça em pé e vi o dito tentando se esgueirar ao máximo no esconderijo. Enrolei uma página de tablóide em formato de rolha e soquei no buraco com o cabo da vassoura. Os guinchos desesperados do disseminador de peste bubônica foram audíveis duas casas adiante. But it´s too late, babe.

Depois de prender a criatura das trevas joguei querosene na rolha de jornal e ateei fogo. Inicialmente asfixiado e depois meio assado o bichinho parou de guinchar. O sepulcro já estava prontinho. Foi só colocar o tijolo dentro de outros sacos e despachá-lo oculto no lixo comum.

Tá com dó? Leva pra sua casa. Bicho nojento, sô.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

The DivX´s wonderful world

Tendo descoberto o maravilhoso mundo do DivX há alguns meses e sendo um tecnomaníaco incurável passei a considerar a possibilidade de adquirir um tocador de vídeo compatível com esse formato.

Se você é mulher ou um macho analfabeto em siglas informáticas, DivX pode ser resumido como "o mp3 do vídeo". Mediante algumas compressões nos frames e macetes algorítmicos, o DivX é um formato de arquivo que possibilita que um longa-metragem caiba com boa qualidade em algo como 700MB. Isso significa que em um DVD-R de 4,3 GB pode-se colocar SEIS filmes no formato DivX, capice?

Agora imagine que um reprodutor de DivX tenha também entrada para pendrive e então você possa rodar seus filmes direto dele, sem ficar queimando DVDs à toda hora. E que seja possível baixar - de vez em quando claro! - um filminho aqui outro ali digrátis, na boa e velha rede mundial, na manha do gato? Não lhe parece sensacional?

Mas espere! Não ligue ainda porque você pode comprar um excelente LG-DV383 por um preço módico, com todas as tecnologias necessárias para rodar DivX direto do pendrive! Como proceder? It's so easy:

1) Vá ao supermercado Extra e localize o aparelho desse exato modelo.

2) Embora eles prefiram que o consumidor não questione nada, pegue sozinho e pague no caixa, há sim um responsável pelo setor. Exija a presença dele.

3) Agora com o dito atendendo, identifique o aparelho supra ou similar, sempre de marca renomada, que tenha os mesmos recursos. Rejeite marcas como "Barbantronics", "Gambivideo", "Soy Yo Electronics", "Nós Galantimo" e adjacentes. Por razões que já bloguei, procure evitar também os DESSA MARCA. Os preços de marcas conhecidas têm variações entre R$160 e R$300. Esse tal do item 1 estava hoje a R$219,00, na rede do Abílio Diniz.

4) Não se disponha a fechar tão depressa. Calma. Olhe com desdém e diga coisas como "tenho visto mais em conta e com mais recursos num concorrente de vocês". O vendedor se sentirá desafiado. Agora sim é o final shot: diga ao cara: "Bom, desse aí até iria, mas achei ele no pela internet por ; se você igualar pode ser que eu leve." Lembre sempre de olhar pro aparelho e pro vendedor com certo desprezo, não deixando transparecer que você está enlouquecido pelo mimo eletrônico. Se você estiver bem vestido pode até dizer que é pra instalar na casinha do Rex, porque ele adora "101 dálmatas" e "Marley e eu".

5) Está no ponto! O vendedor tem metas pra bater e é pressionado pela diretoria. Nesse momento ele revelará que há um recurso que eles chamam de "igualar à concorrência" liberável com senha. Assim ele lhe dará o desconto e você seguirá feliz com a nova tralha pra casa.

Você inaugurará uma nova nova etapa de sua vida cinéfila. Baixará até coisas que ainda estão nas salas de exibição e as assistirá no aconchego do seu lar. Eu juro que não faço essas coisas - óbvio - mas se você decidir fazê-lo não se preocupe: Hollywood não virará uma cidade-fantasma com bolas de feno rolando por causa disso. Eles continuarão bilionários e você continuará um pobretão. Mas poderá aumentar seu nível cultural e a custos bem menores do que os ingressos dos cinemas. De mais a mais você ajudará indiretamente a combater os criminosos que vendem DVDs piratas. Não é fantástico?

Vai lá e divirta-se.

* No próximo post talvez eu explique como é que o primo do cunhado do namorado da minha ex-vizinha faz pra baixar os filmes na internet. Eu não baixo, mas quem baixa diz que é muito bom.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Agradecimentos

Aos deputados que votaram a Lei Anti-fumo.

Aliás, também agradeço aos (poucos) amigos fumantes que, sempre que visitam minha residência, compreendem que a inexistência de cinzeiro é uma mensagem subliminar e dirigem-se à calçada para exercer seu tabagismo.

Quanto aos fumantes que acham impossível ou injusto ficar uma ou duas horas em presença alheia sem fumar, não me levem a mal. Eu não vou poder estar indo às vossas casas, porque estou com uma série de afazeres, preciso ajudar a cria na lição de casa, fora os trabalhos da faculdade, vocês entendem, né?

Poderiam também votar leis anti-flatulência, anti-perfume barato e anti-cascão. Esta última é urgente. Pegar o trem ou metrô logo de manhã com pessoas que estão fedendo a sovaco contaminado, ninguém merece. O Governo Federal precisa isentar o IPI dos chuveiros e do sabonete. Vai ver o problema é esse...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A hard day´s night, yeah

Sensacional. Recebi há pouco da querida amiga Sônia um link do Beatlestube. Nada menos do que todo o acervo do quarteto liverpooliano em formato de vídeo Yotúbico, powered by Google. Dezenas apresentações, áudios e até longa-metragens dos caras estão lá esperando nossos cliques.

Nunca fui um beatlemaníaco. Mas como grande parte das pessoas tenho lá meu pequeno acervo deles, incluindo dois vinis, K7´s, CD´s e MP³. Não dá pra negar que os sujeitos eram porretas. Por ora fiquem com A hard day´s night, mas não deixem de visitar o site. Por ora, com licença que vou assistir a Yellow Submarine, um desenho pra lá de divertido. Enjoy it.

domingo, 5 de abril de 2009

Quebrando o silêncio

Não quis dar pormenores na ocasião a respeito da morte do Sr. Avô Xavier, que agora data de um ano. Além de o tema ser mórbido demais eu ainda estava sob efeito traumático do tratamento que é destinado aos cidadãos quando do falecimento de seus entes. Bom meu amigo, minha amiga, se você não tem bom estômago, interrompa a leitura por aqui pois isto não é pra você. Mas se quiser arriscar, vamos em frente.

Após a morte tão súbita quanto previsível dele fui eu, como único varão da restrita prole, o natural incumbido dos trâmites fúnebres. A morte ocorreu em casa sob circunstâncias rápidas, pegando de surpresa dona Avó Xavier. Chamados por esta ao final da manhã, os bombeiros do Resgate constataram a inexistência de sinais vitais. Estando o falecido caído de mau jeito no banheiro os policiais tiveram a nobreza de ajudar a vesti-lo e acomodá-lo de maneira digna na cama, já que não poderiam mais levá-lo a título de socorro. Nisso foram gentis de fato. Mas o zelo do Estado e quiçá o profissionalismo encerraram-se com esses nobres soldados Bombeiros a quem não vi mas sou grato. A seguir foi mobilizado o serviço do IML da Polícia Científica para prosseguimento.

Somente ao final da tarde - quase às dezessete horas - é que chegou o funesto veículo de condução. O motorista tinha aquela pinta estereotipada dos servidores policiais paisanas: bigodudo, barrigudo, óculos escuros à testa, camisa estampada pra fora da calça jeans surrada e tênis. Não que tenha sido indelicado, jamais, e até fez por parecer gentil. Mas considerando o conjunto da coisa o Estado realmente não tem nenhuma preocupação na lida com famílias de falecidos. O baú do carro exalava algo parecido com aqueles recolhedores de ossos dos açougues. Aberta a porta, deixou escorrer um fio d'água suja e fétida à porta da casa da viúva. O contêiner para cadáveres continha líquido provavelmente secretado por ocupantes anteriores. Não havia ajudante nem nenhum equipamento adequado para transladar o falecido até o veículo. Não tivessem sido um cobertor velho disponibilizado pela senhora e as forças do genro do falecido e deste que escreve, não sei o que o motorista haveria de fazer sozinho. Fico imaginando como não o será com os habitantes de cortiços quase inacessíveis.

Embarcado o velho Xavier, o motorista nos avisa que o legista iria embora dali a poucos minutos e a liberação legal demoraria até o dia seguinte. A não ser que ele pedisse para o legista esperar. Sem pedir previamente nossa opinião o emissário fez questão de telefonar para o IML local e só então nos inquiriu sobre o interesse de obtermos a liberação na mesma data. A conversa tinha os ares do conhecido "quebra-galho" e tanto pela suspeita enojante quanto pelo desinteresse de conduzir os trâmites às pressas dispensei a "gentileza". Disse que deviam fazer tudo de acordo com os padrões operacionais ao que o condutor se mandou, deixando o telefone e o endereço a ser visitado no dia seguinte.

Por volta de oito horas da manhã posterior, dirigi-me ao IML da região. O prédio e o ambiente não eram convidativos, obviamente. Mas somados às fisionomias dos funcionários que lembravam filmes "B" de terror, parecia que tudo visava o desconforto acima de qualquer coisa. Como se não bastasse, demoraram mais três horas, sem qualquer informação parcial, até que eu fosse chamado para fazer o que chamam de "reconhecimento" e assinasse os papéis. E é neste ponto que a putrefação toma os odores de fato.

Tive que entrar em um salão aos fundos. A cinco metros de distância já era possível saber que lá não havia senão seres em decomposição. Um misto de podre e amônia que faria arder o nariz mais insensível. As instalações do lugar são péssimas: sem refrigeração, sem ventilação, sem filtragem de ar e nada que aparente assepsia básica. Fui dono de uma casa de carnes e posso garantir que com um zelo básico - à base de cloro- o local poderia ser melhor, evitando que os reconhecedores como eu tivessem que pisar em fluídos humanos escorridos pelo chão. Também digo que para alguém reconhecer um familiar morto, não custaria nada aos cofres públicos segregá-lo momentaneamente em uma ante-sala, para que não se tivesse que ziguezaguear em outra dúzia de corpos, até chegar no de seu ente. Até então só tinha visto coisa tão deprimente em filmes. Mostrando o rosto do falecido sem cerimônia o funcionário explicou que devido à contração muscular os mortos ficam com a boca aberta, mas que eles - os funcionários - poderiam camuflar o fato com a inserção de algodão. Ignorando o que eu estava passando com a cena e a tosca abordagem, ele passou a enfiar toneladas de algodão na boca do morto, socando com uma pinça para surtir o efeito explicado. Simples assim, como quem estivesse enchendo uma almofada e ele não podia esperar eu me retirar. Tinha que fazê-lo à minha frente e faltou cantarolar, já que proseava sem a menor preocupação.

Concluído o feito, o funcionário do serviço funerário chama-me noutro canto, em uma sala interna ao putrefatório. Lá ele explica que somente um serviço básico de lavagem e vestir é feito de praxe, mas que ele entende que não fica bem assim e presta um complemento que poderia incluir cabelos, barba e até maquiagem para tirar a palidez cadavérica. Fez questão de dizer que não me cobraria nada pelo serviço mas insistiu que eu adquirisse as flores de um "conhecido", para quem telefonou de um ramal do próprio IML. Deu o preço do arranjo sem constrangimento, como é próprio dos bons homens de negócios. Abatido pela situação, mal impressionado com aquele lugar e ansioso para finalizar os arranjos, eu consenti e entreguei as roupas com as quais o morto deveria ser vestido, saindo o mais rápido que pude.

De lá rumei para outro local, este da prefeitura, para negociar a urna funerária popularmente conhecida como caixão. Dessa parte, quase que menos desagradável, saltou-me o fato de que o moderníssimo Serviço Funerário Municipal não aceita qualquer tipo de pagamento eletrônico, o que me obrigou a sair e fazer alguns saques em caixas eletrônicos próximos, para inteirar o valor do item escolhido. Eles até que aceitam cheques, mas não tenho por hábito emiti-los de minha pessoa física e era esse o único tipo aceitável.

No velório e sepultamento nada a supreender. Depois do contato inicial com a frieza e descaso estatal da casa putrefata, o resto é ficha. Mas curioso é o desespero de causa e oportunismo de funcionários fazendo serviços particulares em pleno próprio municipal e no meio do expediente. Após descerem o Sr. Xavier à sua morada definitiva e sepultarem-no, um preocupado coveiro me identificou e me chamou à parte. Proferiu comoventes palavras de conforto - algo como "infelizmente é o destino de todos nós" e "este é o nosso trabalho" - que finalizaram com a oferta de um atencioso serviço de jardinagem que eles mesmos prestam, para "dar um cuidado merecido para o falecido" - nas palavras dele -. Por módicos cinquenta reais mensais, em dinheiro e entregues somente a ele, o finado Xavier receberia um modesto jardim, que seria zelado com atenção evitando que o endereço ficasse com aspecto de desbarrancado e abandonado como outros, que o funcionário apontou no entôrno. Descrente dos reais benefícios que cuidar de mortos possa proporcionar aos próprios ou a nós, dispensei o préstimo sem explicações. Acredite que ele ainda tentou insistir, apelando para a consideração com a memória do morto e nojeiras similares. Senti vontade de socar-lhe o focinho.

Dias depois contei à viúva - somente este último episódio - dando-lhe a chance de decidir se compactuava ou então contratasse um honesto particular. Todavia ela compartilha da minha opinião, de que não é depois de mortas que as pessoas merecem nosso zelo. Há sempre os vivos para tal. Não temos sequer o hábito de visitar túmulos, mas antes visitar as pessoas em vida, para fofocar e tomar café.

E é isso meu caro. Caso você se veja diante do inevitável infortúnio de perder um familiar e seja o eleito para representar a família perante o Estado, já sabe o que enfrentará. Prepare o nariz e o estômago. Literalmente.