segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O Grupo Escolar

Estávamos na segunda metade da década de 70. O tio, na época um garotinho, estudava em uma honrosa escola pública. Honrosa sim. Naqueles tempos era vergonhoso estudar em escolas particulares, apelidadas de PPP - Papai Pagou, Passou - . No Grupo Escolar Thomaz Galhardo, sito no bairro de Vila Romana em Sampa, bem como em toda a rede pública, prezava-se que professores ensinassem e alunos aprendessem. Os primeiros eram respeitados e às vezes temidos por estes últimos. Havia a diretora, estado-maior do estabelecimento, os serventes e, quase sempre, algum policial que fazia a ronda.

Qualquer servente da merenda podia levar queixa de um aluno à diretoria. Em 100% das vezes, resultava em pito no aluno, anotação na caderneta escolar e, nos casos mais graves, assinatura em um livro de ocorrências conhecido como "livro preto", nome que aludia tanto à cor da capa quanto à mancha no currículo escolar do infrator. Fora o medo de os pais serem chamados à diretoria da escola. Coisa quase certa se houvesse uma ocorrência. Por essas e outras, a esmagadora maioria respeitava desde o faxineiro até a diretora da escola. Na verdade nem era tanto por medo. Era admiração de verdade, de quem até sonhava em trabalhar em uma escola. Professor era um ídolo.

Eu sei que alguns vão dizer "Porra, mas eram anos de chumbo, tinha a ditadura" e coisas assim. Mas a verdade é que os tristes anos de perseguição não mexiam muito com o cotidiano das pessoas mais simples. Chegamos a ouvir falar de um professor, que teria sido preso e proibido de lecionar por alguma razão. Mas pensávamos que ele tinha roubado algo ou então mexesse com a temível maconha. Sim, a hedionda canabis sativa era a droga mais popular e repudiada da época. "Maconheiro" era adjetivo atribuído à escória dos piores. Mas a grande maioria das pessoas comuns sequer sabia de que cor era ou que cheiro tinha a ervinha do barato. Já os LSD da vida eram "privilégio" de quem queria se matar, mas tinha muita grana pra bancar.

Voltando à questão da escola pública, havia também o lance da expulsão. Três advertências "leves" por si já justificavam expulsão e anotações devidas no prontuário do aprendiz de meliante. Mas também havia a expulsão sumária, que podia se dar mediante o delito grave, embora não se soubesse bem se um morteiro estourado no banheiro ou um palavrão escrito na lousa fossem catalogados como delitos graves. Acredito que esse arbítrio coubesse à diretora e ao conselho de professores. Mas ao expulso, pobre deste, restava a sarjeta. Por regra, nenhum outro diretor de escola pública era obrigado a matricular um expulso. Este se tornava quase um banido do sistema. Restava aos pais de posses, matricular o proto-delinqüentinho em uma PPP. E no bairro da Lapa havia uma. Se não me engano chamava-se Colégio Lapa, Anglo-Lapa ou algo assim. Me lembro que era embaraçoso aos pais confessar que o filho estudava em um PPP durante uma conversa. Pior ainda era para os pais de banidos que não tinham grana. Restava-lhes procurar outro colégio estadual, cujo diretor tivesse no currículo a admissão de um semelhante e então implorar até as lágrimas. E não raro tratava-se daqueles colégios sobre os quais circulavam lendas de que "se não der jeito lá, só em reformatório". Ou seja, o agraciado com uma segunda chance na rede pública ou se emendava ou se emendava.

Que triste é ver a escola pública de hoje. Mas sei lá porque lembrei e tudo isso agora. Acho que eu ia escrever outra coisa e desandei por essa saudosa lembrança. Tempos em que eu era feliz e não sabia. Na verdade a maioria era e não sabia.

Um comentário:

Tia Paula disse...

Na metade da década de 80 (quando eu estava no primário) já se admitia escola particular. A minha era de freiras linha duríssima lá no Jardim da Saúde.Tinha inspeção de uniforme e tudo. Hoje meus queridinhos (de escola particular, também) aparecem rasgados, sujos, descabelados, mostram o dedo médio em foto e ai de quem disser alguma coisa.

Nem quero imaginar como andam as coisas nas públicas. É de ficar puto, mesmo.