sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Papo cultural dus manu

Nessa minha vida semi-proletária, utilizando o transporte ferroviário urbano, sou obrigado a presenciar conversas de todo tipo. Essa que segue abaixo captei em uma das viagens suburbanas, ouvindo o diálogo entre dois manus.

Para quem não é de Sampa, antropologicamente falando, manus são uma espécie de jacus suburbanos que se vestem com fakes de grifes famosas e calças cargo. A indumentária inclui camisetas de times de basquete estadunidenses, igualmente falsificadas, além dos tênis comprados nas mesmas barracas. Vivem em tribos e seus estranhos costumes ainda não foram suficientemente estudados, exceto alguns bem específicos cujos estudos são feitos pelas Secretarias de Segurança Pública e pelas Polícias Militares.

Culturalmente falando, devido à evasão escolar e ao baixo nível do ensino público em grande parte das escolas, os manos se caracterizam também por um dialeto próprio desprovido de regras gramaticais rígidas e por vocábulos muito específicos, às vezes ininteligíveis até para os melhores lingüistas.

Tentarei reproduzir grafologicamente as pronúncias, tais como são proferidas, embora a Língua Portuguesa em sua forma culta possa ser pouco suficiente para representar o dialeto manês urbano periférico. Abaixo está o belo diálogo. Atentem para os dados culturais e conhecimentos históricos e econômicos que estão presentes nele:

- Ô véio, viu u bagüi do final das olimpíada?

- Vi uns lanci.

- Da hora né?

- Só. Cada bagüi lôcu que us cara faz. Mós efeitu.

- Podicrê.

- Manu, essis chinêis são foda.

- Só.

- É qui us cara são centenáriu, tá ligadu?

- Qui mané centenáriu... Os cara é milenáriu.

- Us cara inventaru tudu qui é bagüi, mano.

- E us brasileiru? Nada. Us cara inventaru o avião, mas us francêis que levaru a fama.

- É, nu fim us francêis ficaru ca grana. U Santus Dumont morreu mó pindaíba.

- Só. Mas us chinêis, tá ligado qui eles inventaru a póvora, né?

- Podicrê. Elis inventaru tudu qui a gente temu in casa.

- Só. Liquidificadô, batedera, televisão... Tudu di eletrônicu foi us chinêis qui inventaru. Pô véio, us cara num cansa. Tá ligadu que elis vai dominá u mundu.

- Podi crê... Tudu quantu é bagüi.

- Num dá nem pra alcançá elis, véio. Us cara faiz uns cem mil anu qui têm a civilização delis.

- Dus tempu dus faraó então.

- Podicrê, bem antigão memu... achu qui dus tempu dus dinossauru.

- Vai sabê si num foi us chinêis qui acabaru cus dinossauru.

- Só, véio. Vai vê elis invetaru a póvora i estreiaru nus dinossauru memu. Meteru uma pá de teco nelis. Já era us dinossauru. Cum aquele tantu de genti cum fomi elis dévi tê cumidu us dinossauru.

- Lógu nóis tá é comenu cachorru. Tá ligadu que us chinêis come cachorru?

- Cé locu!

- É fiu, ma du jeitu qui vai...

- Podicrê. Vixi... cachorru tô fora.

- Nada a vê.

- Só. Falô véio... to inu nessa.

- Falô.

3 comentários:

Tia Paula disse...

"Jacus suburbanos". Amei. Os manos são a versão masculina das minhas amadas barangas. Não sei porque, mas no meu trajeto no transporte coletivo abundam as fêmes da espécie, não os machos. Deve haver várias empresas de telemarketing na área.

Unknown disse...

Bom...na boa!
Os "papu" desses manu aí tá mais recheado de "informações" do que os papos dos meus alunos de escolha particular "crasse média" metidos à besta.

Sei lá...

Anônimo disse...

Até que eles estão bem informados...